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Juventudes que ousam lutar e constroem um Semiárido em que pulsa, viva e forte, a luta por direitos

Juventudes que ousam lutar e constroem um Semiárido em que pulsa, viva e forte, a luta por direitos

Percorrer quilômetros de distância, encontrar outras pessoas com os mesmos anseios, conhecer realidades diferentes, se abrir para o novo e para uma rica troca de conhecimentos, mas não qualquer conhecimento: saberes sobre o lugar onde vivem, que na maioria das vezes lhes foram negados, ocultados, porque a educação tradicional ainda não conseguiu superar completamente o modo colonizador; porque ainda não conseguem aproximar a escola do chão dos/as estudantes.

Na chegada, risos por conhecer rostos e realidades semelhantes; comoção pelo impacto atual da cruel situação de violência contra o povo negro; apreensão, com frio na barriga, por saber que seriam dias intensos de programação. “E vou dar conta?”, alguém poderia ter pensado. Dá, sempre dá!

Os dias são intensos, começam cedinho e entram pela noite, vão passando rápido e os temas, as vivências e as discussões caem como chuva forte no Semiárido. Da mesma forma como aprendemos e fazemos com as estratégias de Convivência, a “água” dessa chuva, com toda certeza, foi armazenada em “barreiros”, “cisternas” e “outros reservatórios” no interior de cada pessoa. Assim como aconteceu com tantos/as participantes que passaram por essa experiência, é uma “água” que vai potencializar o pulsar da vida no Semiárido, vai nutrir o corpo, a mente e a coletividade. Os frutos virão ao longo do tempo, sempre vêm, felizmente.

Se ainda generalizam e dizem por aí que a juventude não quer nada com a realidade, que não tem compromisso, é porque não conhecem essas juventudes potentes que estão espalhadas Semiárido adentro, nas Escolas Famílias Agrícolas, nas associações comunitárias, coletivos, nas universidades, nos movimentos sociais populares, nas comunidades tradicionais e nos povos originários. Jovens que carecem de apoio na formação, de políticas públicas, de incentivos e, principalmente, de serem cativados/as para se animarem na missão em favor da coletividade e do Bem Viver. Juventudes que podem e devem construir no agora um futuro diferente, com acesso a tudo aquilo que foi negado historicamente aos povos empobrecidos do Semiárido e do nosso país; jovens que têm o direito de permanecer em suas localidades, se assim desejarem, com qualidade de vida.

Essa chama de esperança é notória nos rostos, nos dizeres e no ânimo de quem participou da 30ª Escola de Formação de Juventudes para Convivência com o Semiárido (EFJCSA). Foram duas semanas de convívio, de partilha de saberes e de atividades práticas que possibilitaram às mais de 40 pessoas vindas de todos os estados do Nordeste, de 35 organizações populares, instituições e comunidades tradicionais, um retorno para suas atividades e realidades com o espírito de coletividade fortalecido, com a intensificação do sentimento de pertencimento ao seu lugar; com olhares voltados para suas localidades, compreendendo os desafios, as ameaças e também as belezas e as possibilidades; que é possível conviver com a realidade climática da semiaridez, nos seus respectivos biomas.

“Eu consegui descobrir mais da região que eu moro”, pontua a integrante do Coletivo Jovens de Canudos, Uauá e Curaçá (Jovens CUC), Gabriela Ferreira de Brito. Ela nasceu e cresceu em São Paulo, mas a família é da Bahia, por isso ela está há 7 anos na região, vivendo na Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto Ouricuri, em Uauá.

“O que mais me chamou atenção é que aqui na Escola não é somente um ambiente de aprendizado convencional, mas é um ensino de um estilo de vida diferente. A gente aprende uma forma de se relacionar com a terra e com o Semiárido, que muitas vezes a gente não passa pela cabeça. Como meu povo é indígena, a gente tem uma ligação muito forte com a terra e com o território; mas, às vezes, a gente não pensa nele como Semiárido e não conhece como ele é, a fundo. Achei tudo que eu aprendi aqui muito importante, principalmente essa maneira de enxergar as coisas, de observar o meio que nós vivemos, de entendê-lo como algo vivo e que tem muito a nos ensinar”, afirma o jovem Luiz Henrique Feitoza, do Povo Koiupanká, de Inhapi-AL.

Nos diversos momentos formativos, fica marcado em cada um/a algo que até então era desconhecido, que tinha poucas informações ou que chegaram até eles/elas de forma equivocada. É o caso da história de resistência do povo de Canudos, que liderado por Antônio Conselheiro, nos deu um exemplo prático e exitoso de Comunidade, de liberdade e acolhimento de pessoas escravizadas na época, de Convivência com o Semiárido, entre tantas inspirações.

O momento chamou muito a atenção da Maria Antônia Souza, da Comunidade Ferreiros, em Santa Luz-BA. “Eu consegui imaginar aquele cenário todo, parecia que eu estava lá (na época do massacre), vivenciando tudo aquilo. Me marcou a parte que ele (guia da visita ao Parque) fala que Canudos revelou ao país a miséria do seu povo (...)”. Estar naquele lugar é muito forte, durante a visita também foi destaque a frase “Sentir Canudos”; para Maria, “sentir canudos é a palavra resistência, porque eles resistiram e resistem até hoje em todos os nossos corações”, enfatizou, emocionada, a jovem.

Da mesma forma, ir até Sobradinho e observar que o modelo de desenvolvimento e todos os impactos resultantes daquela barragem não são pautados como deveriam, contribui para essa formação crítica das juventudes. Se tem gente que está praticamente do lado dessa hidrelétrica e que ainda não tem acesso a esse direito básico; saber das pessoas que foram mortas e expulsas daquela área, levam a um questionamento: desenvolvimento para quem?

Um dos aspectos abordados nessa visita foi a migração dos povos que viviam na região. O jovem indígena Luiz Henrique enfatiza que não conhecia detalhes sobre a construção da barragem de Sobradinho, mas que encontrou semelhanças com a história dos povos indígenas, de luta por território. “As pessoas obrigadas a migrarem são muito prejudicadas, porque perdem seu espaço, o lugar que têm vivido há muitos anos e elas deixam para trás muita história, memórias, seus antepassados. A terra para o nosso povo é muito importante. Um povo sem território não é povo. Isso é muito triste de se acompanhar e descobrir outras realidades de pessoas que não são indígenas, mas que passam pelo mesmo processo”.

Além dessas visitas, as juventudes conheceram a Escola Família Agrícola de Sobradinho, a sede da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COOPERCUC), em Uauá-BA; e o Armazém da Caatinga, na orla de Juazeiro. Foram debatidos com a turma, em cada momento, temas como: a importância da Educação Contextualizada e da Pedagogia da Alternância; a força do cooperativismo e do trabalho das mulheres; as possibilidades de comercialização para os produtos da agricultura familiar.

Discussões essas que se somam a tantos outros assuntos abordados ao longo da Escola, e que cumpriram a missão de possibilitar essa formação de base dos/as participantes, para fortalecer a atuação das instituições e organizações parceiras. O presidente do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), José Moacir dos Santos, pontua que eles/elas voltam mais engajados com essas pautas.

“Para nós é uma constatação de que o Irpaa continua na sua missão de fortalecimento, de implantação da Convivência com o Semiárido, com o objetivo de gerar vida digna para as pessoas, pros animais, para a natureza como um todo. A gente fica muito satisfeito porque (...) vão voltar agora como pessoas já militantes, mais engajadas ainda na causa da Convivência com o Semiárido e animando as bases a incorporar nas suas bandeiras de luta o conceito e a política de Convivência com o Semiárido”.

Essas juventudes também se somam na luta “Por um Semiárido antirracista, com equidade de gênero e diversidade”, como propôs o tema da 30ª EFJCSA. Por exemplo, os debates sobre a luta antirracista foram marcantes para o participante Cleiton Rocha, de Campo Alegre de Lourdes-BA. “O que mais mexe com a gente é sempre a parte do racismo, porque é um assunto muito dolorido, é um povo (negro) que vem sendo oprimido há muito tempo e é algo que a gente tem que lutar mesmo contra essas coisas e vencer isso, um dia, né!? O sonho de todo mundo é vencer o racismo”.

Moacir enfatiza a importância dessa abordagem para instigar os/as jovens, para que tenham um olhar mais sensível e ações que resultem em uma vida em harmonia, com essa compreensão de que a Convivência com o Semiárido não é apenas uma questão técnica, “de captar água, de colher umbu, criar cabra; é um conceito de vida. E dentro dessa proposta de vivência, que a gente pode chamar de boa convivência, da ‘pessoa com pessoa’ e das ‘pessoas com o ambiente natural’, não se pode admitir culturas que oprimem as pessoas. O machismo oprime, o racismo oprime, a LGBTfobia oprime. Então, com a juventude é importante discutir esses conceitos, o prejuízo que estas questões causam para a vida das pessoas e para a sociedade como um todo. Assim como o Semiárido é diverso, as pessoas também são diversas em idade, em gênero, cor, orientação sexual; o que não é tolerado é a opressão; então, qualquer cultura que oprime deve ser reconsiderada e tudo que não oprime deve ser incorporado na Convivência com o Semiárido”.

A escola começou na noite do dia 8 de julho e terminou no início da tarde desta sexta-feira (19). O momento final foi marcado por uma mística à sombra de um pé de Juazeiro, que contou com a representação da diversidade de crenças dos Povos do Semiárido. Teve ainda a motivação para que cada pessoa seja “semente boa” ao longo do caminhar, assumindo o protagonismo da sua história e sendo multiplicadora de tudo o que aprendeu.

Com exceção das visitas externas, as atividades aconteceram no Centro de Formação Dom José Rodrigues, a roça do Irpaa, no Jardim Primavera, a 11 km da sede do município de Juazeiro. Em todas as edições, a Instituição sempre contou com o aporte financeiro de projetos com a cooperação internacional para viabilizar essa ação. Esse ano, O Irpaa segue com o apoio da MISEREOR.

Além disso, em 2024, entrou na parceria o Projeto Baraúnas dos Sertões, uma iniciativa da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), do GT de Mulheres da ANA. As ações do Baraúnas dos Sertões, que também têm como um dos objetivos a formação de juventudes, são realizadas em parceria com: Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), Governo Federal; Núcleo Jurema, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE); Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional (FADURPE), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Embalados/as pela mística que nos alimenta nesse caminhar, ao concluir a edição celebrativa de 30 Escolas de Formação realizadas desde 1992, fica o sentimento e a motivação de que os passos seguem firmes, com a reafirmação, por exemplo, do que Zé Vicente canta na música Baião das Comunidades:

“Somos gente nova vivendo a união
Somos povo semente de uma nova nação ê, ê
Somos gente nova vivendo o amor
Somos comunidade…”

Confira também uma entrevista (link do recorte) com 3 participantes da Escola, veiculada na edição 27.2024 (link da edição completa) do Programa de rádio do Irpaa Viva Bem no Sertão.

Texto e fotos: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa


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