IRPAA - Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada

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08.05.2024

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Intercâmbio de Turismo Rural de Base Comunitária no Salitre reúne participantes de 5 municípios, que visualizam possibilidades e desafios desse tipo de iniciativa

Vivenciar uma experiência de turismo rural de base comunitária, tendo cada momento do roteiro como aprendizado e inspiração para desenvolver essa atividade em suas comunidades. E o melhor, trocando saberes diretamente com grupos locais do Território Sertão do São Francisco, para constatar que na Caatinga, no Semiárido, é possível fazer esse tipo de turismo como uma forma de complementar a renda, fazer a divulgação das riquezas culturais do lugar e trazer mais gente para fortalecer a luta em defesa dos territórios e comunidades.

Tudo isso aconteceu durante um intercâmbio, realizado no último sábado e domingo (5), na região Vale do Salitre, em Juazeiro-BA, e envolveu 25 pessoas; com representantes de comunidades dos municípios Curaçá, Jaguarari, Sento Sé, Sobradinho e Uauá; além de colaboradores/as e estudantes da República do Irpaa.

O Roteiro turístico vivenciado é organizado pelo coletivo Carrapicho Virtual, que envolve a participação de jovens da região, principalmente da comunidade Alfavaca, em parceria com a Agência Chocalho. A programação do primeiro dia contou com momentos de apresentação do trabalho de educomunicação desenvolvido pelo Carrapicho, na comunidade Alfavaca, diálogos com pessoas conhecedoras da história local, vivências com a demonstração da tradição da Roda de São Gonçalo e, com as famílias, sobre a produção de esteiras de taboa, em Umbuzeiro. À noite, na comunidade Tapera, houve apresentações da cultura do Samba de Véio; além de outras tradições como o boi e caipora.

Já no último dia, o roteiro contemplou visitas ao local que foi cenário para o filme Guerra de Canudos e à histórica cerca de pedra, ambas na região da comunidade Junco. Além disso, a turma conheceu a história e as belezas da cachoeira do Salitre, que fica nas proximidades da comunidade Passagem do Sargento. Foram visitados, ainda, em Pau Preto e Baraúna, dois grupos que desenvolvem um trabalho importantíssimo de geração de renda e autonomia das mulheres, que fazem a produção de biscoitos, doces e licores, através do beneficiamento de tamarindo, maracujá da Caatinga, entre outros.

Ao receber as pessoas na comunidade, a integrante do Grupo de Mulheres Quilombolas de Pau Preto, Clemilda Soares, ressaltou que “se sente mais importante ainda; a gente, por ser um grupo de mulheres quilombolas da região do Salitre, área de sequeiro. Então, isso pra gente é uma importância muito grande estar recebendo um intercâmbio em nossa comunidade (...) isso mostra que a gente está no caminho certo”. Esse orgulho da Clemilda, por todo trabalho desenvolvido, foi um dos destaques nos diálogos durante as visitas, porque reforçam o quanto esse trabalho pode inspirar outras mulheres, coletivos e organizações.

Nesse sentido, os aspectos da mobilização e organização das mulheres chamaram a atenção da agricultora Soraia Valéria Santos, da comunidade São Gonçalo da Serra, em Sobradinho. “De aprendizado, eu vou levando a força de vontade das mulheres das comunidades. A gente lá está começando uma associação, algumas mulheres têm medo (...) Aqui, eu vi que, se elas tivessem vindo, iam sair igual a mim, com vontade de ir mais a frente. Gostei muito, foi muito bom o aprendizado!”.

A agricultora também pontuou sobre as vivências culturais, troca de saberes e o acolhimento das famílias. “Gostei muito da recepção do pessoal, gostei de ter aprendido mais um pouquinho sobre a Roda de São Gonçalo, na minha comunidade tem; e do Samba de Véio, que também na minha comunidade tem, só que é totalmente diferente”, destaca.

As falas de Soraia ilustram o fato de que, em diversos momentos do intercâmbio, foram pautados temas como a importância da organização comunitária, do associativismo, defesa da Caatinga, pertencimento ao lugar e o engajamento da juventude. Durante as visitas, também houve discussões sobre os problemas relacionados aos direitos que ainda são negados às populações que vivem nas comunidades, por exemplo: o acesso à água, a mobilidade comprometida devido à falta de boas estradas e os desafios com a educação.

Em relação ao envolvimento da juventude com as ações do coletivo, inclusive com a rota turística, a integrante do coletivo Carrapicho Virtual, Ana Flávia Souza, enfatiza a oportunidade de aprendizado. “O jovem que atua nessa área, ele adquire conhecimento que vai levar para a vida toda”.

Ana Flávia destaca que, especificamente, as abordagens relacionadas à cultura local têm contribuído para divulgar e manter o interesse da juventude nas diversas tradições da região. “Enquanto uma jovem de 16 anos, eu percebo, no quesito da gente aprender sobre a cultura da região, (...) coisa que a gente não tava vendo e que o Carrapicho conseguiu dar como retorno. Coisa como o Samba de Véio, o São Gonçalo. Percebo que ao presenciar esse momento, a gente vê o pessoal mais atento, querendo saber. Agora, depois que o Carrapicho atuou com isso, eles estão mais espertos. Então, isso me deixa bastante animada, porque é visível que a cultura não foi deixada pra trás, não estamos deixando a cultura morrer”, celebra.

Um aspecto importante, que também foi debatido durante a atividade, é que a realização das programações incluídas na rota contribuíram de alguma forma para a geração e circulação de renda monetária complementar. Isso aconteceu, por exemplo, desde a comercialização dos produtos beneficiados pelos grupos visitados, artesanato, acesso à área da cachoeira, remuneração da diária das hospedagens para doze famílias das comunidades Alfavaca, Umbuzeiro e Mulungu; até à contribuição para as apresentações culturais.

O Irpaa vem trabalhando as discussões e realizando a animação do Turismo Rural de Base Comunitária. Por isso, o intercâmbio é mais uma atividade nesse sentido e que, inclusive, é a sequência de um encontro anterior em que ficou encaminhada uma etapa de vivência na realidade da nossa região, para conhecer a rota organizada pelo Carrapicho, no Salitre.

“Já houve outros momentos de vivências ou troca de experiências na Paraíba e Ceará; sobre um trabalho realizado pela turma de Mirangaba, na Bahia e também com representantes do Carrapicho. Esse intercâmbio foi para o pessoal das comunidades conhecerem na prática, aqui no Território, de que forma um roteiro é organizado, como distribuir as hospedagens e os desafios do Turismo Rural Comunitário, por exemplo”, enfatiza o colaborador do Irpaa, Vagner Gonçalves.

Alguns dos desafios que foram percebidos e ressaltados por toda equipe envolvida na organização e pelo/as participantes foram: as estradas em estado ruim, que foi, inclusive, utilizado como justificativa por empresas de transporte para não aceitar o trabalho; essa condição dos acessos também comprometem boa parte do tempo, tendo em vista que as distâncias entre algumas comunidades envolvidas no roteiro estão a quilômetros de distância. Este último desafio, sobretudo, precisa ser considerado ao realizar essas atividades, porque o contexto das comunidades rurais no Semiárido muitas das vezes é com distribuição difusa das famílias, o que pode refletir também na forma de organização das hospedagens e nos cuidados com a logística de transporte. Portanto, quem vai participar precisa estar ciente disso tudo.

Entretanto, até com a discussão e entendimento do que pode ser melhorado, de acordo com as avaliações dos/as participantes, o objetivo foi cumprido porque possibilitou a compreensão das diversas e desafiantes características do turismo rural comunitário, sobretudo, com as discussões mais amplas da Convivência com o Semiárido. “Percebemos que a turma retornou animada para as suas comunidades e constataram que esse tipo de iniciativa é possível e que ela é importante; principalmente, porque além de gerar uma renda complementar para as pessoas envolvidas, traz mais gente para conhecer os desafios e as belezas do lugar. E tudo isso contribui para fortalecer a luta em defesa dos territórios e na desconstrução de estereótipos sobre o Semiárido e a Caatinga”, destaca Vagner.

Entre as possíveis iniciativas relacionadas ao tema, que contaram com representantes no intercâmbio para potencializar as respectivas ações, estão ideias de atividades voltadas para hospedagem comunitária no Ecofestival do Café, na Serra dos Morgados, em Jaguarari; trilhas históricas e ecológicas na comunidade tradicional de Fundo de Pasto Caldeirãozinho, em Uauá; e nas comunidades do entorno de São Gonçalo da Serra, em Sobradinho.

A base para esse trabalho, assim como nos demais temas da Convivência com o Semiárido, todos/as constataram durante o intercâmbio: é preciso organização comunitária e acreditar na força da coletividade. Soma-se a isso a luta por políticas públicas e pela garantia dos direitos básicos, previstos na nossa Constituição.

Texto e fotos: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa