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Brasil volta a sofrer com aumento do trabalho infantil

Brasil volta a sofrer com aumento do trabalho infantil

Semiárido tem áreas onde a redução vinha sendo significativa

Depois de quase duas décadas de redução o trabalho infantil voltou a crescer no Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), conforme divulgou o site Criança Livre de Trabalho Infantil, última quinta (09). De acordo com o estudo, se compararmos os últimos de trimestres de 2020 e 2021, perceberemos um aumento 317 mil adolescentes de 14 a 17 anos realizando atividades caracterizadas como trabalho infantil. O número resulta em um aumento de 33,4%.

No Brasil é considerado trabalho infantil qualquer atividade que prejudique o desenvolvimento físico, moral e intelectual de pessoas com idade inferior a 18 anos. A criança ou adolescente em situação de trabalho infantil está exposta a vários riscos, sendo o mais comum o prejuízo ao desenvolvimento físico. Segundo Propercio Rezende, colunista do site Criança Livre do Trabalho Infantil, existe o mito de que o trabalho infantil não é prejudicial e que geralmente as pessoas justificam isso porque também foram exploradas quando crianças. O colunista usa uma comparação para mostrar o quanto esse tipo de trabalho pode fazer mal ao desenvolvimento da criança ou adolescente. “Se carregar peso faz mal para um adulto, principalmente se ele não se protege direito, vai fazer muito mais mal para a criança [...] O prejuízo para os ossos, os músculos de uma criança ou adolescente vai ser muito maior, porque os músculos e os ossos não estão totalmente formados, não estão prontos para o trabalho”, afirma o colunista. Propercio explica ainda que o aparelho respiratório da criança ou adolescente é mais vulnerável, por também estar em formação, assim como a pele é mais sensível e assim mais suscetível, por exemplo, à ação maléfica de produtos químicos.

De maneira geral o aumento do trabalho infantil é atribuído a fatores como o crescimento da pobreza, uma mazela que se agigantou durante a pandemia. Em 2020, em todo o planeta, eram 79 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho ilegal, um aumento de 6,5 milhões, entre 2016 e 2020, conforme dados do Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), apresentados no site Criança Livre de Trabalho Infantil. Ainda segundo as informações do relatório, mais de 70% da incidência de trabalho ilegal de crianças e adolescentes se dá na agricultura e o continente com maior índice é a África, enquanto Europa e América do Norte tem os menores registros.

No Brasil pretos e pardos somam 66,1% das crianças e adolescentes em situação de trabalho ilegal. O país vinha tendo resultados significativos na luta contra o trabalho infantil desde 2004. De lá até 2015, o Nordeste, por exemplo, teve a maior redução do trabalho infantil, chegando a 59%. O estado do Ceará chegou a reduzir 77%. No mesmo período a Bahia reduziu em 68% a incidência dessa forma de trabalho.

Coincide com a redução dos índices de trabalho ilegal para crianças e adolescentes a implantação de políticas públicas como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – Peti e o Bolsa Família. “No momento em que o país começou a colocar em prática as políticas públicas efetivas de transferência de renda a gente conseguiu diminuir o índice do trabalho infantil”, analisa Marcos Santos, Mestre em Sociologia e Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA de Juazeiro. De 2020 para 2021, coincidentemente (ou não), o trabalho infantil voltou a aumentar, justamente no momento em que a população passa por uma série de modificações na legislação que fragilizam os direitos das/dos trabalhadoras/es. Para Marcos Santos “o cenário atual tem, de fato, impactado muito a realidade socioeconômica das nossas crianças e adolescentes” e isso tem base na inflação descontrolada e desemprego, fatores que somados à evasão escolar, pioram a qualidade de vida das famílias.

Ana Maria Villa Real, da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, do Ministério Público do Trabalho – MPT, faz uma análise semelhante. Segundo Ana Maria “o Brasil apresenta um quadro extremamente favorável à explosão do trabalho infantil: retração econômica, elevados índices de desemprego e de informalidade, desproteção social, educação interrompida [durante a pandemia] e ameaças à lei de aprendizagem, cujo público prioritário coincide justamente com a faixa etária de maior incidência do trabalho infantil no país (14 a 17 anos)”, aponta.

Para Vera Maria Carneiro, representante do Movimento de Organização Comunitária – MOC, no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda, “no Semiárido essa realidade é ainda pior. Com a pandemia, esses casos de violência, de trabalhos domésticos, de castigo têm aumentado bastante e é preciso o envolvimento de toda a sociedade, da rede de proteção, para reverter a situação”. Ao se afastar das escolas e entrar no mundo do trabalho, as crianças têm roubada a oportunidade de brincar, sonhar, imaginar, desenvolver plenamente sua criatividade e, a longo prazo, constroem um caminho de reprodução do ciclo de pobreza da família.

Segundo a Unicef “a pobreza faz com que os filhos de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica tenham reduzidas suas oportunidades de desenvolvimento na infância e adolescência. Ao atingirem a vida adulta, tornam-se, majoritariamente, trabalhadores com baixa escolaridade e qualificação, sujeitos a menores salários e vulneráveis a empregos em condições degradantes, perpetuando um círculo vicioso de pobreza. Um ciclo que afeta o desenvolvimento sustentável dos países.

Na visão de Marcos Santos é preciso agir na via econômica e também desconstruir mitos. “Você só elimina o trabalho infantil se você garantir às famílias condições econômicas para a sobrevivência”, explica o presidente do CMDCA. Ele defende que é necessário também “mostrar que o trabalho infantil pode gerar uma renda momentânea, mas a longo prazo, contribui para a criança abandonar a escola, para que se reproduza na criança a situação socioeconômica dos pais”.

O conselheiro defende o acesso de mais famílias a programas sociais, aliados às melhorias no campo da saúde e educação, relacionando estes ao acompanhamento do cumprimento de deveres das famílias, como o acompanhamento da saúde e da frequência escolar das crianças e adolescentes.

Criança e adolescente podem trabalhar?

A legislação nacional veta o trabalho de pessoas com idade inferior a 14 anos, logo a criança (pessoa com idade inferior a 12 anos) é impedida de realizar qualquer tipo trabalho, exceto atividades domésticas da própria família, desde que não prejudiquem seu desenvolvimento intelectual e físico.

Adolescentes com idade ente 14 e 17 anos podem trabalhar na condição de aprendiz. Este público é protegido pela Lei do Aprendiz, uma evolução importante, mas que hoje sofre sérias ameaças, como apontou Ana Villa Real, do MPT. Apesar da possibilidade de trabalhar legalmente, apenas 14% das/dos adolescentes entre 14 e 17 anos que trabalham, estão em empregos que obedecem a lei.

Tendências preocupantes

A OIT tem demonstrado preocupação com os números do trabalho infantil no Brasil. O observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil divulgou dados que apontam para o aumento de 30% de acidentes graves de trabalho envolvendo menores de 14 anos em 2020. “As áreas mapeadas de risco de tráfico de crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial cresceram 46% no biênio 2019/2020”, de acordo com informações da Unicef.

Texto e foto: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa 


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