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O papel das Tecnologias Sociais para o desenvolvimento sustentável do Semi-Árido

Por: Johann Gnadlinger

Para falar sobre o papel das Tecnologias Sociais para o desenvolvimento do Semi-Árido, devemos esclarecer primeiro o que entendemos por Tecnologia Social. Segundo uma definição bem aceita, entende-se que “Tecnologias Sociais são ao mesmo tempo agrícolas, ecológicas, econômico-solidárias, porém, por serem multi-setoriais, precisariam de um amplo leque de articulação entre as organizações da sociedade e várias áreas governamentais para garantir a plena realização de todas as suas dimensões (Lassance)”. Como vemos, as Tecnologias Sociais formam um conceito complexo e político, onde cada um dos agentes envolvidos pode entender outra coisa e pode até a usar para promover os seus próprios interesses.

As Tecnologias Sociais bem sucedidas no Semi-Árido são primeiramente experiências populares, que depois foram assumidas por organizações comunitárias que em alguns casos estão se tornando políticas públicas. Queremos citar especialmente as Tecnologias Sociais em torno da captação e do manejo da água da chuva para uso no abastecimento de famílias ou na produção agrícola, para passar a estação de seca. São experiências como cisternas de pedra e cal, cisternas de placa, cisternas de tela-cimento, barragens subterrâneas, barreiros, cacimbas bogó, cacimbas de areia, cacimbões, tanques de pedra, cisternas de produção, caxios e outras. Grande parte destas Tecnologias Sociais foram usadas pelo povo antes da existência de órgãos governamentais ou instituições científicas. Mais ainda, parte destas experiências ainda não são reconhecidas, pesquisadas e ensinadas por estes órgãos.

Vamos citar dois exemplos: 150 anos atrás, o Padre Ibiapina, na Paraíba, já construiu junto às Casas de Caridade – os hospitais da época – caxios os quais ele chamava de casas d’água, que estavam cobertos por motivos de higiene e para diminuir a evaporação, e pequenas barragens onde ele passava nas suas andanças pelo interior da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Piauí. Falta recuperar esta experiência hoje. Pouco tempo depois, no sertão baiano de Canudos de Antônio Conselheiro existiam hortas onde o povo produzia verduras com água das cacimbas cavadas na areia do leito seco do Rio Vaza Barris, usando como adubo esterco de cabras e ovelhas. Da pele de cabra se produzia couro de excelente qualidade que foi exportado para a Alemanha.

Canudos foi vergonhosamente destruído, mas uma herança desta experiência dos canteiros de verdura são os jiraus suspensos: muitas mulheres no Semi-Árido têm jiraus suspensos com uma horta pequena de até 5 m2, onde plantam coentro, cebolinha, plantas medicinais, etc. Estes jiraus se encontram à beira de um caxio, ou de outra aguada, ou perto de casa onde se irriga com a água da lavagem. Estas experiências são pelo menos o início de uma Tecnologia Social porque funcionou e funciona, porque fornece verduras para a família. Estas tecnologias surgiram dentro do contexto histórico, social e ambiental do Semi-Árido, são também tecnologias de resistência porque ajudaram ao povo a viver onde foi lhe negado o acesso à terra e à água. Também hoje, no Semi-Árido, as Tecnologias Sociais são tecnologias de resistência contra as tecnologias de concentração de água e da terra: grandes açudes, poços tubulares, também certas adutoras e até o projeto da transposição.

Até pouco tempo atrás, se um técnico ou uma entidade queria melhorar a segurança alimentar e implantar uma horta em uma família ou comunidade, o caminho normal era que se pegava um livro técnico e seguia-se as orientações do manual ou do curso que se tinha estudado na faculdade. O resultado eram normalmente pacotes oferecidos pelos financiadores que os produtores tinham que aceitar rigorosamente para conseguir o financiamento. A experiência do povo não era levada em consideração.

Se alguém quer que uma horta orgânica seja realmente uma Tecnologia Social, deve-se primeiro partir da realidade das condições do Semi-Árido e do povo que nele vive. Uma horta orgânica vai funcionar bem onde já se tem um jirau suspenso produtivo. E aí se pode dar mais segurança de água através de uma cisterna de produção e um canteiro econômico. É o próprio povo, o experimentador e avaliador das respectivas experiências. Os técnicos complementam com seus conhecimentos e habilidades a viabilidade destas tecnologias. Assim quer se garantir a sustentabilidade técnica e social dos programas. É necessário partir de uma experiência popular concreta e ampliar e aprofundá-la com as experiências de outras e outros produtores através de visitas de intercâmbios e das sistematizações de suas experiências, com resultados de pesquisa, experiências de ONGs, da Embrapa e outras entidades. Estas tecnologias antes marginalizadas se tornam tecnologias de Convivência com o Semi-Árido. É a primeira vez que se pretende resolver o desenvolvimento do Semi-Árido a partir de dentro de experiências populares.

O desafio para o desenvolvimento do Semi-Árido é fazer destas experiências programas amplos de desenvolvimento como acontece através das entidades da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) por meio dos Programas de Formação e Mobilização para a Convivência com o Semi-Árido: Acesso e Manejo Sustentáveis da Terra e das Águas por meio de Tecnologias Sociais, chamados P1MC – Programa 1 Milhão de Cisternas e P1+2 – Programa 1 Terra e 2 Águas que aprofundam, solidificam e multiplicam as experiências populares para todo o Semi-Árido. As 235.000 cisternas de água para as famílias já são um resultado considerável, mas devemos nos esforçar se quisermos conseguir um milhão até o ano 2015 para cumprir uma das Metas do Milênio da ONU.

As tecnologias do P1+2 que, através de um manejo apropriado em terra suficiente pretendem resolver as necessidades de água na propriedade para produção agrícola e dessedentação dos animais como barragem subterrânea, caxio, tanque de pedra, etc. são um desafio especial para os planejadores, financiadores e executores porque são tecnologias que não se deixam padronizar como as cisternas. Os desafios são enormes tais como concentração de terra e água, desertificação, mudança do clima, concentração do lucro pelo agro-negócio, êxodo rural, etc. Precisa-se de vontade política para iniciar um grande mutirão da sociedade civil junto com as entidades mantenedoras, entidades governamentais e particulares.

O VII Simpósio de Captação e Manejo de Água de Chuva de 28/09 a 01/10 de 2009, em Caruaru (PE) será um foro privilegiado para discutir o papel das Tecnologias Sociais no Semi-Árido.

*Johann Gnadlinger, gestor ambiental, trabalha na ABCMAC – Associação de Captação e Manejo de Água de Chuva e no IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada e é coordenador técnico do P1+2 da ASA, no Norte da Bahia. Email: joao@irpaa.org


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