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Em Canudos, juventudes de comunidades tradicionais debatem a luta pela terra e defesa dos territórios

Em Canudos, juventudes de comunidades tradicionais debatem a luta pela terra e defesa dos territórios

Em um encontro que conectou passado e presente, juventudes de comunidades tradicionais se reuniram em Canudos-BA, entre os dias 6 e 8 de dezembro, para o 5º Módulo do Curso de Formação Continuada de Jovens Lideranças para a Convivência com o Semiárido.

A etapa, com foco em reflexões sobre terra, território e questões agrárias contemporâneas, proporcionou um espaço de debate e troca de experiências para mais de 20 jovens de Comunidades Tradicionais Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhas e de Fundo de Pasto, provenientes de 12 municípios do norte baiano.

A escolha de Canudos como local do evento não foi por acaso. O município, palco de um dos mais sangrentos conflitos da história do Brasil, representa um marco na luta pela terra e por justiça social. Na avaliação da jovem Alberlane Silva, do Aldeamento Indígena Tuxi, em Abaré-BA, a partir dessa vivência foi possível conectar a história de resistência do passado com os desafios enfrentados pelas comunidades tradicionais na atualidade.

“Dentro de Canudos a gente tem uma experiência surreal, pois o contexto histórico daqui é algo que o Brasil é marcado por um contexto violento. Eu sabia um pouco sobre a História, mas não sabia fundo, então estar dentro de Canudos, conhecer o contexto histórico, estar dentro da terra, do território, é surreal, é sentir, é vivenciar, é ter aquela emoção, você vê as obras de arte, você sente o desespero, a angústia daquelas pessoas que não queriam guerra, queriam simplesmente viver em paz, ter o direito à terra, ter o direito à vida, ter direitos básicos, direitos básicos que nós hoje lutamos para garantir. Então é importantíssimo”, pontuou a jovem.

O módulo, que teve como ponto de partida o documentário ‘Paixão e Guerra no Sertão de Canudos’ (1993), do cineasta baiano Antônio Olavo, relembrou a memória da luta de Antônio Conselheiro e de seus seguidores, inspirando novas gerações a continuarem na luta por direitos, qualidade de vida e proteção aos territórios. Ao longo de três dias, os/as participantes debateram sobre resistências populares, ameaças e disputas por territórios tradicionais e o papel fundamental da juventude nesse processo.

No sábado (7), pela manhã, a primeira atividade foi no Parque Estadual de Canudos, onde a turma, através de uma trilha pedagógica, conheceu áreas marcadas pela maior parte das batalhas da guerra, como o Vale da Morte, o Vale da Degola ou o Alto do Maio. Foi lá, no final do século XIX, que aconteceram as sangrentas batalhas entre seguidores de Antônio Conselheiro e as forças do governo. Mais de 20 mil conselheiristas foram mortos e aproximadamente 5 mil soldados abatidos, em um dos eventos sociológicos, religiosos e históricos mais importantes do país.

Neste sentido, a visita ao parque tem grande importância cultural, histórica e contextualiza as temáticas discutidas ao longo do módulo, como exemplifica Tonivan Carvalho, da Comunidade Tradicional de Fundo de Pasto São Gonçalo da Serra, em Sobradinho-BA.

“Mostrou que desde lá pra cá não mudou muita coisa, que tem as guerras por território, tem essas matanças, os grandes latifundiários e expulsão dos moradores de suas terras (…) deu uma certa angústia de ver aquelas imagens daquelas pessoas com olhar triste, com medo e saber que logo depois foram mortas, né? Isso me deixou bem emocionado”. O jovem leva para casa, segundo ele, o sentimento da luta: “sempre lutando para adquirir um futuro melhor”.

O Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC) foi o próximo destino. Fundado em 1993, o instituto é um espaço de resistência e memória, que busca resgatar a história de Canudos a partir da perspectiva de seus habitantes. Durante a visita guiada, os participantes puderam conhecer a capela que abriga o Cruzeiro de Antônio Conselheiro, símbolo da fé e da esperança que moveu os seguidores do beato. A biblioteca e a exposição com peças do período da guerra complementam a visita, oferecendo um rico material para a pesquisa e a reflexão sobre um passado que continua a ecoar no presente.

O módulo proporcionou também um espaço de reflexão profunda sobre os territórios tradicionais e as comunidades que os habitam. As discussões abordaram a diversidade de povos e comunidades tradicionais, seus modos de vida profundamente ligados à terra e os desafios que enfrentam diante das ameaças contemporâneas. A mineração, os grandes empreendimentos como parques eólicos e solares, as linhas de transmissão e o crédito de carbono foram apontados como principais vetores de conflito, impactando negativamente os territórios e os direitos dessas comunidades.

Em decorrência da crescente preocupação com os impactos da emergência climática, os debates também abordaram a importância da justiça socioambiental, destacando a Convenção 169 da OIT e a necessidade de protocolos autônomos de consulta e consentimento prévio, livre e informado.

Como aponta Alberlane Silva, a resistência dos povos tradicionais é fundamental para a preservação da biodiversidade, dos conhecimentos ancestrais e da própria identidade cultural. A luta por territórios é, portanto, uma luta pela vida.

“A terra é o sagrado, é algo importantíssimo para nós, para a nossa subsistência, para a nossa vivência. A terra é onde a gente está todos os dias habitando, trabalhando, cultivando, nos manifestando. O nosso território é algo que engloba tudo isso, a nossa identidade. É como a gente se manifesta, é como a gente atua, então tá passando de uma formação que nos direciona para saber das lutas, do nosso contexto histórico, saber diferenciar o que é terra, o que é território e defender, principalmente, os nossos espaços”, argumentou a jovem.

Agitação e Propaganda

Compreender a importância da criatividade como ferramenta fundamental para aqueles e aquelas que querem construir um trabalho popular é essencial. Neste sentido, desenvolver formas inovadoras e originais de transmitir ideias, abrir diálogos e convidar o povo a se organizar é uma das maiores contribuições dos movimentos populares, principalmente de juventudes.

E esse foi o debate central no domingo (8), a partir de uma oficina de Agitação e Propaganda, mediada por Adriele Regis, militante do Movimento pela Soberania Popular da Mineração (MAM). A AgitProp, como é conhecida, é um conjunto de métodos e formas que podem ser utilizados para agitar ideias, denunciar injustiças e fomentar a indignação popular.

Adriele ressaltou a importância da AgitProp para a juventude, destacando a necessidade de manter viva a memória coletiva, ser o fermento da massa e construir uma nova sociedade sem opressões. Música, teatro, poesia e grafite são apenas algumas das expressões artísticas que podem ser utilizadas para essa finalidade.

A comunicação também desempenha um papel fundamental na AgitProp, como destaca o jovem Emerson Fabrício Silva, da comunidade Quilombola Camisa, Macururé-BA. Ele afirma que as estratégias de comunicação que aprendeu, em suas diversas linguagens, serão fundamentais para denunciar as contradições da sociedade e apresentar novos horizontes para as juventudes.

“Isso é o que vai fazer a gente ser porta-voz na nossa luta. O que vai fazer é mostrar a gente a maneira correta de agir, o jeito certo de pensar sobre alguns pontos, que o jeito certo de pensar sobre alguns pontos vai influenciar com que outras pessoas participem, então a importância é imensa. Não é uma coisa a ser substituída, é de vital importância”, enfatizou Emerson.

Os jovens, naturais oriundos de comunidades de Abaré, Curaçá, Casa Nova, Pilão Arcado, Remanso, Campo Formoso, Uauá, Sobradinho, Sento-Sé, Araci, Macururé e Campo Alegre de Lourdes, tiveram a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre as questões agrárias, fortalecer suas lideranças e construir redes de solidariedade. Através de atividades como debates, oficinas e visitas a comunidades locais, os jovens puderam trocar experiências, compartilhar suas realidades e construir estratégias conjuntas para enfrentar os desafios comuns.

Curso de Formação de Jovens Lideranças

O curso, que já percorreu cinco módulos, tem proporcionado um aprofundamento em temas cruciais para a compreensão da sociedade brasileira, com um olhar especial para as realidades do Semiárido.

Nas primeiras etapas, os participantes debateram questões como raça, gênero, diversidade e juventudes, além de analisar o papel da mídia e da educação na construção de uma imagem mais justa e real do Semiárido. A experiência em Salvador, durante o Encontro Estadual do MAM, possibilitou um contato mais próximo com as realidades das comunidades tradicionais e os desafios relacionados às questões fundiárias e minerárias na Bahia.

O quarto módulo, intitulado "Como Funciona a Sociedade", foi um marco na formação, oferecendo ferramentas para uma análise crítica do sistema capitalista e da desigualdade social no Brasil. Os participantes puderam compreender melhor como as estruturas sociais e econômicas moldam a vida de milhões de brasileiros.

Os módulos seguintes prometem ser igualmente ricos, com um aprofundamento nos regimes político-econômicos da sociedade brasileira e nas políticas públicas que impactam a vida das comunidades do Semiárido. A ênfase em metodologias participativas e a promoção do diálogo crítico são elementos que potencializam ainda mais a experiência de aprendizado.

“Eu me sinto realizado, porque independente da gente aprender uma coisa em um momento, têm diferentes formas de ensinar. Por mais que a gente estude um tema, mesmo assim, ainda tem mais coisas a aprender sobre aquilo. Isso é de grande satisfação, saber que não só eu, como outros jovens, podem estar aprendendo algo que vai ajudar muito eles na sua convivência com suas comunidades e com outras pessoas”, finaliza o jovem quilombola Emerson Silva.

Texto e fotos: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa


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