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Carta política aprovada durante Audiência Pública sobre Crise Hídrica

Carta política aprovada durante Audiência Pública sobre Crise Hídrica

Audiência Pública “Crise Hídrica: Falta Água ou Gestão?”
Juazeiro – BA, 18 de maio de 2015
Documento Público

“Crise Hídrica: Falta Água ou Gestão?”. Foi com esse lema que organizações da sociedade civil realizaram diversas atividades no Território Sertão do São Francisco durante o mês de março, em alusão ao Dia Mundial da Água, o qual se comemora em 22 de março, desde 1992, uma criação da ONU (Organização das Nações Unidas). Em 2015 o tema escolhido mundialmente foi “Água e desenvolvimento sustentável”, e assim nosso lema teve como propósito questionar a sociedade sobre a verdadeira causa da crise hídrica que vivemos no Brasil.
Para além da “Semana da Água”, na região o acesso e a gestão da água no contexto climático do Semiárido são tratados há algumas décadas por diversas organizações como parte de uma causa maior, a Convivência com o Semiárido, com ações técnicas, educativas e políticas.

Mas, a crise hídrica brasileira ganhou força com as estiagens na região Sudeste – fenômeno que até então era mais comum no Nordeste. Tem tido bastante visibilidade nos meios de comunicação e recebido tratamento paliativo pelos governos. Por apontar na maioria das vezes a falta de chuva e o mau uso doméstico como causas da crise hídrica, as instituições que assinam essa carta pautam o tema citado entendendo que a causa da crise não é apenas a estiagem e desperdício, mas sim a ausência ou má gestão dos recursos hídricos no país.

Assim, enquanto países ricos investem em tecnologia da informação e outros campos econômicos que demandam pouca água, o Brasil investe em fruticultura convencional e agrocombustíveis com uso de irrigação e elevada pegada hídrica, num modelo concentrador de terra, água e outras riquezas. Segundo relatório da Agência Nacional das Águas – ANA (2013), os maiores consumidores da água disponível no país são o agronegócio (em média 72%) e a indústria (em média 22%), enquanto o uso doméstico gasta apenas uma média de 6%. O racionamento nas residências, portanto, é importante, mas não é a solução para a crise. É preciso avaliar o nível de abertura das “torneiras da grande irrigação”, fazendo um controle severo; investir na revitalização das fontes (rios); otimizar o uso da água com estruturas mais eficientes do ponto de vista da economia de água; investir em captação de água de chuva das mais distintas formas; desenvolver nichos de mercado que demandem menos água.

Alteração do ciclo da água

A diminuição da disponibilidade hídrica em algumas regiões do país, para muitos especialistas, decorre da elevada supressão vegetal na Amazônia brasileira (18% desmatado) – importante produtora de vapor d'água que contribui com as nuvens que levam chuva ao centro-oeste e sudeste, e do cerrado (50% desmatado) – o armazenador de águas subterrâneas responsáveis pelas nascentes de rios importantes como o São Francisco. Não bastasse o desmatamento desenfreado, inclusive da Caatinga (46%), a ação humana decorrente do agro e hidronegócio além da redução no volume de água disponível ainda compromete sua qualidade com o lançamento de esgoto não tratado, lixo, agrotóxicos e resíduos industriais no meio ambiente, contaminado rios, lagoas e lençol freático, reduzindo a biodiversidade e por consequência contribuindo para o aquecimento global. É urgente a recuperação dos mecanismos legais de contenção do desmatamento e da poluição dos mananciais, bem como a implementação de políticas públicas que levem ao uso sustentável dos recursos hídricos, sobretudo o repúdio aos organismos geneticamente modificados e uso abusivo de agroquímicos, dando vez ao desenvolvimento de sistemas agroecológicos de produção vegetal e pecuária, menos dependentes da irrigação, que assegurem a permanência dos povos em seus territórios e que permitam a manutenção da flora e fauna nativa.

Acesso à Água

O Brasil é o país mais rico do mundo em reservas hídricas com 12% da água doce disponível no planeta, no entanto ainda possui 40 milhões de pessoas, maioria nas zonas rurais, sem acesso à água em quantidade e qualidade satisfatória, embora a água seja um direito de todas as pessoas, segundo a constituição brasileira. A forma de acesso tratada pelos governos há séculos no Semiárido baseia-se na canalização a partir de rios, para as cidades e uso de carro-pipa nas comunidades e sítios rurais. Este modelo, porém, está ameaçado pelo custo operacional e pela morte ou intermitência de rios antes perenes.

A interligação de bacias, sobretudo no Semiárido, vem sendo proposta por meio de canais a céu aberto, visando lançar água em rios intermitentes e açudes. Isso favorecerá o uso da água para fins agrícola, industrial, mineral, em vez do abastecimento residencial (consumo humano). Como apostar na interligação de bacias se todos os rios têm risco eminente de seca, como ocorreu com o Solimões em 2005 e com os do sistema Cantareira atualmente? Estaríamos apenas adiando os problemas e causando outros em mananciais que também irão se esgotar se não forem preservados.

À exemplo dos programas P1MC e P1+2 executados por organizações da sociedade civil (Articulação Semiárido Brasileiro), é necessário descentralizar o acesso à água, diversificando as fontes. Deve-se construir nas zonas rurais uma imensa malha de pequenas obras – a exemplo dos barreiros profundos, pequenas e médias barragens em córregos não perenes, e das cisternas para água de beber, e para produção de alimentos com foco na agroecologia. É necessário dar ênfase à eficiência produtiva de animais resistentes ao clima – caprinocultura, ovinocultura, apicultura, avicultura, e fruticultura adaptada – umbu, maracujá-do-mato, caju, etc. Para o meio urbano, a democratização deverá ser garantida através de adutoras (tubulações em vez de canais) além de investimentos na captação da água de chuva no meio urbano e reutilização da água. Temos um dos semiáridos mais chuvoso do mundo com média superior a 400 litros/m2/ano, e água praticamente isenta de contaminantes – purificada naturalmente.

O problema da gestão é mais grave que o da escassez, uma vez que tal chuva chega em todos os lugares em todos os anos, no entanto, cada vez menos se infiltra para assegurar a perenidade de rios, poços e cacimbas, e falta uma política de estruturação das propriedades para captação e armazenamento de água de chuva. E o pior, falta critérios e monitoramento no uso da água, nos setores comerciais e residenciais, mas principalmente na grande produção agrícola e animal e setores da indústria.

Garantir a discussão e compromisso para resolver o problema

No Semiárido as secas existem e são fenômenos naturais e previsíveis, não permite ser combatida, mas seus efeitos podem ser amenizados. Diante disto tudo exposto, sobretudo no Semiárido brasileiro, conclamamos governos e sociedade civil a aprofundar a discussão sobre as reais causas da crise hídrica, e implementar políticas públicas eficazes e estruturantes de Convivência com os bens naturais que ora o país ainda dispõe, no contexto climático de cada região.

Propomos também, a revisão do modelo de gestão da água e da forma de cobrança pelo seu uso, considerando a demanda, o desperdício e o reaproveitamento, a começar pelos setores que mais consomem – o agronegócio e a indústria. Desse modo, poderemos trilhar caminhos para a segurança hídrica, contornando efeitos danosos de fenômenos naturais como a seca, e prevenção de conflitos.

Reivindicamos a criação dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) no Território Sertão do São Francisco, com base na Lei No 11.445/2007 que assegura a participação da sociedade civil na elaboração e na gestão do mesmo e contemplando a coleta e tratamento de esgoto, manejo de águas pluviais, manejo de resíduos sólidos, e abastecimento de água potável, não só para as cidades mas também no campo. Defendemos ainda a elaboração dos Planos Municipais de Água de modo a dispor de mecanismos físicos e financeiros que permitam uma adequada estruturação, orientação, monitoramento e controle sobre o uso da água no Semiárido em seu contexto climático, com base na Política Nacional de Recursos Hídricos – Lei No 9.433/1997, a qual institui que os Poderes Executivos do Distrito Federal e dos municípios promoverão a integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos.

 

Juazeiro, 18 de maio de 2015.

 

AMEFAS – Associação Mantenedora da Escola Família Agrícola de Sobradinho
Articulação Popular São Francisco Vivo
Associação Comunitária Agropastoril do Caldeira do Tibério
Associação Desenvolvimento Econômica e Social de Juremal
Comitê de Associações de Massaroca
Comitê de Associações de Angico e região
CPT – Comissão Pastoral da Terra
Fórum de comunicação Sertão São Francisco
Gabinete do vereador Tiano Félix
IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada
Levante Popular da Juventude
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
Marcha Mundial das Mulheres
Movimento Popular da Cidadania
MPC – Movimento Popular da Cidadania
MST – Movimento Sem Terra
Paróquia Nossa Senhora da Fátima
SAJUC – Serviço de Assistência Socioambiental no Campo e Cidade
SINDAE – Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente da Bahia
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Juazeiro – BA
UAVS – União das Associações do Vale do Salitre
 


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