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Não existe Convivência com o Semiárido sem equidade de gênero!

Não existe Convivência com o Semiárido sem equidade de gênero!

Patriarcado, machismo, feminismo, gênero. Palavras que ecoam em debates, ocupam páginas de jornais e alimentam discussões fervorosas nas redes sociais. Mas, o que elas significam realmente? Mais importante: por que tantos ainda têm medo de enfrentá-las?

É importante dizer que essas palavras nos remetem a temáticas e discussões sensíveis, algumas vezes, nos causam um certo incômodo e desconforto; outras vezes, nos movimentam, nos fazem buscar mais informações e romper com aquilo que sempre acreditamos ser adequado sobre o que é ser homem ou mulher na sociedade em que vivemos. E assim, elas perpassam nossas construções pessoais, profissionais e sociais. Fazem-nos questionar determinadas atitudes, repensar palavras, lugares ocupados, relacionamentos e olhar para o lado de dentro, a fim de reverberar e reconstruir o lado de fora.

A sociedade está imersa em um sistema de desigualdades que, por muitas vezes, parece impossível de superar. Desde a antiguidade, papéis de gênero foram sendo construídos, moldados e reforçados por normas culturais, tradições e convenções sociais. Ser homem ou ser mulher, neste contexto, significa muito mais do que uma identidade biológica; é, também, uma imposição de comportamentos, expectativas e responsabilidades. E é exatamente aqui que o problema se torna evidente: quando essas construções se tornam rígidas, limitando o potencial humano e gerando sofrimento.

Foi buscando discutir sobre estas questões que, nesta terça-feira (03), o Irpaa reuniu, sob a sombra de um enorme pé de Juazeiro, no Centro de Formação Dom José Rodrigues, toda a sua equipe técnica em um encontro misto, com a presença de mulheres e homens. O evento foi uma continuidade de dois encontros anteriores: um exclusivo para mulheres, realizado em setembro de 2023; e outro para homens, realizado em outubro do mesmo ano.

O encontro misto teve como objetivo aprofundar a compreensão de temas como patriarcado, machismo, feminismo e gênero, alinhando-se à missão do Irpaa de, através da proposta da Convivência com o Semiárido, promover sensibilização social sobre a equidade de gênero em diferentes esferas da sociedade, como o ambiente de trabalho, a família e os papéis sociais culturalmente construídos e muito bem demarcados por nosso modelo de desenvolvimento social.

A leveza do local contribuiu para a conexão interior de quem estava presente em relembrar e compartilhar suas histórias de vida. Isso porque a atividade começou com um momento de acolhimento conduzido pela psicóloga Ivanessa Brito e o psicólogo Alexandre Barreto, que incentivaram os/as colaboradores/as a refletirem sobre suas próprias histórias e vivências. A partir de um exercício de meditação, Ivanessa e Alexandre propuseram que cada pessoa focasse na sua respiração, nos sons ao redor e nas sensações do ambiente, enquanto recordava figuras masculinas e femininas que marcaram suas vidas.

A ideia era explorar como essas lembranças, muitas vezes ligadas a feridas emocionais, poderiam ajudar a entender o medo e os desafios relacionados à equidade de gênero. Por isso, para Ivanessa “esse ponto de partida, essas discussões sobre equidade de gênero, sobre os atravessamentos da desigualdade e como isso marca a nossa história de vida, a gente sai com essa sensação da importância de reunir esses grupos, homens e mulheres, para se reconhecerem, pra identificarem a partir da sua história, quais são as nossas contradições, as nossas vulnerabilidades e a partir desse vínculo que a gente está buscando fortalecer, construir uma transformação”.

Na avaliação de Naiara Gomes, colaboradora da instituição, esse momento foi um convite à reflexão sobre si mesma e contribuiu para ressignificar relacionamentos familiares e “fazer a projeção com um companheiro em relação ao meu pai, como eu não fui criada com aquele carinho do toque, do se expressar, pra mim ali foi uma oportunidade boa e que eu vi necessária até para minha formação pessoal e nesse processo que eu me encontro hoje de desconstrução”. E algumas das pessoas ali presentes encontraram-se neste relato, afinal, são pessoas que vieram de uma geração atravessada pela cultura de se ter um carinho à distância, principalmente da figura masculina.

De acordo com a colaboradora que atua no município de Campo Formoso, Evilane Santos, o encontro proporcionou um momento de quebra de padrões e aprendizados. “Pude quebrar um pouco do patriarcado que estava inserido dentro de mim e eu não conseguia falar; e hoje eu pude emocionalmente expressar. Serve também pra gente desconstruir que ‘mulher não pode estar em todo lugar’; que mulher ela pode tá em qualquer lugar, em qualquer ambiente, e em todos os movimentos”, afirmou.

Ela destaca ainda que vai levar esses aprendizados para sua atuação junto às famílias agricultoras. “A gente tá aqui pra contribuir nas comunidades e a gente já tem notado isso, a nossa contribuição com as nossas atuações de gênero falando da importância da discussão de gênero, levando para as comunidades de forma positiva”, finalizou.

Não só nas comunidades rurais atendidas pelo Irpaa, mas em toda sociedade, essas questões adquirem contornos ainda mais nítidos. As desigualdades de gênero se entrelaçam com os efeitos da ausência de políticas públicas efetivas e a luta diária para que haja melhores condições de vida em diferentes áreas sociais.

Os papéis tradicionais de gênero muitas vezes se fortalecem como uma resposta à precariedade, mas, contraditoriamente, também são a origem de muitas das dificuldades enfrentadas, a exemplo da mulher que cuida da casa e dos filhos, e por isso, permanece afastada das decisões políticas e das possibilidades de trabalho digno; ou do homem, preso à imagem do provedor infalível, que não encontra espaço para expressar suas vulnerabilidades ou inseguranças.

“A partir dessa formação a gente vai desconstruindo um modelo de sociedade que é imposto desde que a gente já nasce até a nossa fase adulta, um modelo da sociedade capitalista onde o patriarcado é a principal referência e isso a gente vai desconstruindo a partir dessas formações. A gente vai compreendendo e entendendo que as mulheres precisam ocupar espaços, de voz, espaços de fala pra poder a gente ter uma equidade possível de ser alcançada”, afirma a colaboradora do Irpaa, Jamilli Rocha.

Deste modo, esse cenário exige uma transformação profunda e radical da forma como cada pessoa se entende e relaciona com o outro, independentemente de ser homem ou mulher. Esse desafio pode parecer assustador para muitos, pois implica reconhecer as próprias falhas, a própria convivência com sistemas injustos, e, mais difícil ainda, mudar.

Nesse sentido, a promoção da equidade de gênero, na avaliação do colaborador Wesley Souza, que atua em Sento Sé, é um caminho de transformação social. “Para a gente enquanto técnico, enquanto assessoria que a gente tá diariamente no campo vivenciando com as famílias é de extrema importância que é um processo de desconstrução de algumas coisas da nossa forma de criação, de vida. A gente vem de uma sociedade machista, patriarcal e a gente muitas vezes acaba reproduzindo isso nas nossas ações e ter a oportunidade de participar de um encontro desse, é fundamental pra gente desconstruir algumas coisas e construir ações que venham a melhorar a qualidade de vida das pessoas nas comunidades que a gente atende e a nossa vida com os nossos familiares”, pontuou.

O psicólogo Alexandre complementa e expande a reflexão dessa relação para o coletivo, afirmando que trata-se de “um processo de violência estrutural muito direcionado a essas comunidades tradicionais que faz com que alguns valores e algumas práticas da ancestralidade mesmo tenham sido perdidos. E todo esse modelo do machismo de alguma maneira acaba permeando ali as relações e isso vulnerabiliza demais as famílias, as comunidades (...) Então, a possibilidade de construir e ir cada vez mais fortalecendo estratégias, caminhos de transformação de desigualdade nas relações (...) E a possibilidade, inclusive, desse lugar de trabalho colaborativo entre homens e mulheres”.

Inclusive, ele chama atenção para a importância do encontro na perspectiva de que é um compromisso que se inicia no âmbito pessoal e vai além, chegando na compreensão dos apagamentos culturais e também com a natureza. “Eu acho que é fundamental para o fortalecimento do trabalho do Irpaa, que é o fortalecimento dessas comunidades [...] em última instância que isso fala muito dessa dimensão de estabelecer uma relação com a terra; a gente está falando dessa grande mãe que acolhe todos os filhos. E todo esse debate sobre as relações de exploração da terra em algum aspecto também fala desse machismo estrutural, de toda uma necessidade de desconstrução disso pra gente desenvolver uma relação também de maior respeito, cuidado, troca, solidariedade, com o território, com a natureza circundante e com as vidas humanas e outras que se encontram”, concluiu.

De acordo com o Presidente do Irpaa, José Moacir dos Santos, esses momentos são fundamentais não apenas para sensibilizar, como também para inspirar mudanças estruturais defendidas pela instituição. “São dois caminhos: primeiro internamente, enquanto grupo de pessoas que se reúnem em torno de uma proposta, que é da Convivência com o Semiárido. Então, não existe Convivência com o Semiárido sem convivência entre as pessoas, a boa convivência. E essa boa convivência envolve essa discussão sobre gênero, essa questão da opressão da mulher pelo homem, questão do machismo, do patriarcado. Então, são coisas que nós trazemos da nossa cultura e que dentro do Irpaa temos essa possibilidade de discutir, nós enquanto pessoas, depois enquanto profissionais, o que entendemos sobre isso, quanto somos atingidos por isso e como se libertar, melhorar e contribuir para criação de uma sociedade melhor”, enfatiza.

O segundo caminho, para Moacir, parte do princípio de que a atuação do Irpaa não é somente técnica, mas principalmente social. E que, por isso, há uma preocupação em investir na formação da equipe, contribuindo não só para tornar pessoas melhores, mas profissionais que consigam contribuir com essa mudança aqui no Semiárido.

“A outra parte é: Como a gente leva essa discussão também para as comunidades? Nesse ano o Irpaa deve alcançar trabalhar em torno de 600 comunidades, com mais de 1.000 famílias, então a gente não vai lá só discutir como é que cria bode, como é que junta água, mas também como é que melhora a nossa sociedade. E um dos temas muito importantes é essa discussão de gênero: falar contra a violência a mulher, da sobrecarga do trabalho da mulher, da prisão que a mulher vive de não poder desenvolver suas capacidades profissionais por conta de ter um pai, um irmão, um marido que não deixa”, afirmou o presidente. Tal posição mostra que acreditar e renovar a esperança no alcance de uma sociedade com mais equidade nas suas relações é mais que uma possibilidade, é uma missão institucional.

Entretanto, apesar dos avanços, o Brasil ocupa o quinto lugar no ranking mundial em relação aos casos de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Não estando entre os primeiros colocados do mundo somente em relação a mortes de mulheres, mas de outras minorias sociais. Em 2023, por exemplo, segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), o país continua, pela décima quarta vez consecutiva, como o que mais mata pessoas LGBTQIAPN+; o que representa uma morte por preconceito de gênero ou sexualidade a cada 34 horas.

Realidade essa que merece mais evidência e tem estado cada vez mais presente na proposta da Convivência com o Semiárido defendida pelo Irpaa, como enfatiza Moacir ao afirmar que homens e mulheres LGBTQIAPN+ estão presentes também nas comunidades rurais do Semiárido. “A homossexualidade de homens e mulheres também tem no Semiárido, também tem no campo [...] é uma condição [sexual] normal e que a gente enquanto instituição, enquanto pessoa, enquanto profissional precisamos compreender e também contribuir pra que a sociedade do Semiárido avance”.

Ele afirma ainda que reconhecer diversas formas de expressão de gênero e sexualidade é um dos caminhos para avançar. “Nesse sentido, existem várias formas de relacionamento, várias formas de estar no mundo, não exatamente só. ‘Eu tenho que ser homem’, ‘eu tenho que ser mulher’, mas o mundo tem abertura, possibilidades para existência de várias outras formas de se ver enquanto pessoa”, finalizou.

Por isso, a formação sobre a equidade das relações de gênero torna-se imprescindível na construção para uma sociedade com igualdade de oportunidades e equidade. E isso se dá primordialmente a partir da subjetividade, tendo o processo educacional como o principal caminho nesta construção. Já que conviver com o Semiárido é aprender a conviver, não existe Convivência com o Semiárido sem diversidades, respeito às diferenças e descolonização de corpos e formas de existência.

Não existe Convivência com o Semiárido sem equidade de gênero!

Texto: Thaynara Oliveira e Danilo Souza
Edição: Danilo Souza
Fotos: Vagner Gonçalves
Eixo Educação e Comunicação do Irpaa


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