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Não deixemos o Velho Chico morrer!

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Situação do Rio São Francisco está em alerta. População ribeirinha também tem sido impactada pela seca que assola o Rio

O Rio São Francisco é um dos mais importantes rios da América do Sul e o único rio genuinamente brasileiro. No entanto, tem passado por momentos cada vez mais difíceis de degradação e consequentemente a população que dele vive também tem sentido esses efeitos. “Desde junho que a situação aqui tá bem grave. A gente vinha armazenando o pescado, mas isso até junho. Agora não temos mais armazenado e o pescado está cada vez mais defasado no rio, não temos como repor. O pescado sumiu. Tem pescador passando fome”, alerta a pescadora Iranyr da Silva dos Santos, de Remanso, na Bahia, conhecida como Danduca. Ela também é presidente da Associação de Pescadores e Pescadoras de Remando (APPR), liderada por mulheres.

O alerta que Danduca faz com relação a situação do Rio São Francisco também vem sendo feito por outras organizações que atuam na região há bastante tempo, mas também por especialistas e estudiosos da hidrologia. Em 2014, a nascente do rio localizada no município de São Roque, na região da Serra da Canastra, em Minas Gerais, secou. Passou por uma revitalização e voltou a brotar água, mas ainda está em situação de alerta. E essa é uma situação que todo o rio tem passado, mas o motivo não é só a falta de chuvas. O São Francisco é um rio de usos múltiplos e muitas dessas ações têm degradado a cada dia mais a situação do rio desde séculos passados.

Para Roberto Malvezzi, Gogó, colaborador da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e da Articulação Popular São Francisco Vivo, esse processo de degradação do rio começa com os vapores ainda no século 19, com o desmatamento das matas ciliares para abastecer os vapores com lenha. “Depois toda entrada do capital no São Francisco que começa no ano de 1945 com a criação da Chesf [Companhia Hidroelétrica do São Francisco], em seguida com a barragem de Paulo Afonso, depois com as Três Marias e a decisiva pra marcar a situação atual é, sobretudo, a construção da barragem de Sobradinho de 1975 a 1979. Aí o rio foi dividido no meio e junto com a barragem de Sobradinho veio todo o processo de irrigação no Vale do São Francisco”, explica Gogó.

Danduca lembra bem como o processo de construção da barragem de Sobradinho se deu e como isso já impactou na vida da população local. “Eles não prejudicaram só o Rio, mas toda a nação ribeirinha. Eles fazem barragem, mas não sabem fazer água e pegaram o povo, tiraram da beira do rio e levaram pras agrovilas. Morreu gente de depressão, gente que sumiu, gente morreu do coração”, conta a pescadora com bastante tristeza.

Para o engenheiro agrônomo, especialista em convivência com o Semiárido e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), João Suassuna, a situação do Rio São Francisco é muito preocupante. "Tenho mantido contato com técnicos muito capazes na área de hidrologia e temos obtido diagnósticos com relação a situação do rio. O hidrólogo José do Patrocínio passou um diagnóstico dessa situação lamentável na atualidade. Ele está prevendo até o final de novembro que Sobradinho, que é a represa construída para possibilitar a geração segura de energia, que essa reserva chegue ao volume morto agora final de novembro. Sobradinho tem seis turbinas para gerar energia e elas estão desativadas. A água que está caindo da represa tá passando toda pro complexo de Paulo Afonso”, alerta o pesquisador.

Em situações como essa de escassez de água, a prioridade deve ser para o abastecimento humano, garantindo água de beber, cozinhar e também para matar a sede dos animais, previsto na Lei de Recursos Hídricos Nº 9433/1997. Todos os outros usos econômicos estão subordinados a esses princípios fundamentais do uso da água. No entanto, nem sempre essa lógica tem sido seguida. “Sobretudo no Brasil a água para geração de energia elétrica acaba sendo prioridade e também, em vários lugares, a questão da irrigação. Temos isso aqui no Vale do São Francisco. Tem muitas residências em Casa Nova, que é uma cidade na porta do lago [de Sobradinho, Bahia] que ficaram sem água quase esses dias, mas o braço do lago de Sobradinho que abastecia Casa Nova secou não por conta do abastecimento humano. Ele secou por conta do abastecimento dos projetos de irrigação. Ali a prioridade foi invertida”, explica Gogó.

A Articulação São Francisco Vivo coloca que os projetos do agronegócio com fruticultura irrigada, na região do Vale do São Francisco, consomem um volume excessivo de água e de forma predatória. Fora isso, os atuais 400.000 hectares irrigados na bacia do São Francisco contribuem em muito para a contaminação do Rio, dos seus afluentes e dos corpos subterrâneos. Danduca coloca que os pescadores e pescadoras tem sentido na pele os efeitos da degradação do rio com a prioridade da água para esses projetos de fruticultura irrigada. “O lago de Sobradinho hoje está com 3,5% de capacidade apenas. Isso é alarmante! A água que existe tem ido para o agronegócio. A criação de animais está toda morrendo atolada na lama, porque tenta chegar onde tem água para beber. Mas a criação está magra, não tem resistência pra sair da lama atolada. Quando passamos por lá sentimos o cheiro podre, porque os animais têm morrido atolados. A lama dá na cintura”, conta.

Outra grande intervenção que vem acontecendo no São Francisco desde 2007 é a transposição do Rio. Proposta histórica, que vem sendo levantada como possibilidade desde a época do Império, está em obras nos últimos oito anos. No entanto, organizações da sociedade civil têm alertado desde antes das obras para o impacto ambiental e que é uma obra que não levará água para consumo das famílias da região, mas sim para grandes investimentos do agronegócio. “A ASA não é favorável à transposição do Rio São Francisco porque essa é mais uma obra de combate à seca. Ela não se insere na perspectiva da convivência com o Semiárido. É uma obra grandiosa, que passa por uma pequena parte do Semiárido, não atende à população necessitada e se dirige aos mesmos projetos que estão se encaminhando à falência. Os mesmos projetos de fruticultura e de criação de camarão para exportação, que não são projetos que produzem alimentos para o Brasil. São ações para a exportação. Então a ASA avalia que esse tipo de ação não cabe”, pontua Naidison Baptista, coordenador da ASA pelo estado da Bahia.

Naidison lembra que quando se falou na transposição teve um forte debate sobre a revitalização do São Francisco, mas nada disso andou muito. “Foram feitas ações de esgotamento sanitário, que são importantes porque despoluem o rio, mas a revitalização, o cuidado com as nascentes, com as margens, o cuidado pra evitar o assoreamento com as matas ciliares isso tem pouca coisa ou nada sendo feito”, pontua.

Crise hídrica nacional - A situação do Rio São Francisco ainda é reflexo de uma crise hídrica que todo o país vive, resultado também das diversas ações humanas de degradação, que visão a lógica econômica em detrimento da preservação ambiental e da população ribeirinha dos rios brasileiros. “O Cerrado está desmatado para plantar soja e capim pra boi. Ao depredar o Cerrado, depredamos as nascentes que abastecem os afluentes de diversos rios brasileiros e nascentes do próprio São Francisco. Não é questão só de ter mais ou menos água da chuva, mas a vitalidade do São Francisco depende de um conjunto de ações para além da chuva. Quando chegamos em Barreiras, na Bahia, se vê soja em todo canto, agrotóxico e assoreamento das margens do Rio e isso não tem controle e cada um vai fazendo o que deve fazer para obter resultados imediatos. É um projeto de desenvolvimento de nação que visa exportar e depredar a natureza”, alerta Naidison.

Texto: Catarina de Angola - Com a colaboração de Verônica Pragana - Asacom.

Fotos: João Zinclar/Articulação Popular São Francisco Vivo

 

 


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