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"O futuro da humanidade não é o agronegócio"

O escritor e teólogo Leonardo Boff, que milita também no campo da ecologia e das causas ambientais e sociais, foi o principal convidado da Semana Pedagógica de Anagé-BA, realizada entre os dias 18 e 22 deste mês. Chamado para palestrar sobre o protagonismo da educação nas transformações sociais, Boff buscou sensibilizar o público sobre a fragilidade dos ecossistemas e as inúmeras consequências que tal fragilidade ocasiona à população mundial, reiterando o papel central que os educadores e educadoras possuem na formação de uma sociedade mais preocupada com a conservação do meio ambiente.

Durante o evento, o comunicador popular da ASA e do Centro de Convivência e Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia (Cedasb), Rodrigo de Castro, conversou com o escritor sobre diversos temas, entre eles, educação, estiagem e convivência com o Semiárido. Boff defende a busca do conhecimento regionalizado, valorizando relações mais estreitas dos moradores com a sua localidade, e cita as tecnologias sociais de armazenamento da água de chuva implementadas pela ASA como meios de promover sustentabilidade para as famílias que moram no Semiárido. “Elas precisam se multiplicar aos milhares, senão aos milhões, porque isso vai garantir a alimentação na região e a sustentabilidade das famílias”, afirma.

Confira abaixo a entrevista completa:

ASA - O tema da jornada pedagógica de Anagé é “A educação move o mundo”. O que esse tema pode suscitar nas pessoas?

Leonardo Boff - Eu acho que tudo começa com a consciência. Enquanto as pessoas não despertam para os problemas, e transformam o problema em desafio, e o desafio uma ação concreta, a gente não muda o mundo. Então, a educação é a porta de entrada de qualquer atividade, qualquer mudança, e é fundamental que ela comece lá embaixo. Normalmente eram as classes dominantes, aquelas que detinham o poder econômico, que também detinham o poder do saber, e faziam as mudanças que interessavam a elas, como elites. Agora a novidade, principalmente no Brasil depois da entrada do PT, é a subida das classes populares ao poder. Aí, a educação é fundamental porque o povo começa a pensar, falar e encontrar soluções para os seus problemas e, coisa nova que eu nunca vi antes, pode contar com o apoio do poder público. Porque o estado antes era sempre inimigo, agora não, ele ficou aliado. E isso poderá trazer grandes transformações desde que, as atrações se façam a partir do povo e da ótica do povo, não na ótica dos inimigos.

ASA - Falando em educação a partir de uma perspectiva de mudança, faz-se necessário citar a educação contextualizada, que leva em conta as particularidades de cada região. Qual é a dimensão desse método educacional para uma melhora na qualidade da educação como um todo?

Leonardo Boff - Até agora predominava no mundo, em uma reflexão, a visão da globalização. E hoje a tendência, no mundo inteiro, é a regionalização. Porque a globalização foi um fenômeno do capitalismo para dominar econômica e financeiramente o mundo, devastando a natureza, criando grande injustiça social. A regionalização implica conhecer cada ecossistema. Por exemplo, a caatinga não é uma fatalidade, não é um castigo da natureza, é um ecossistema como qualquer outro, com sua riqueza, com seu alimento, com seu alcance, então, fazer uma educação adequada a esse ecossistema significa conhecer, tirar todas as vantagens dele, e se nós conhecermos a dinâmica, como funciona a caatinga, seu regime de chuvas, solos, plantas, animais, o ser humano pode criar uma relação positiva de assumir essa realidade e tirar vantagens dela. E aí a educação é importante como transmissão de conhecimento, sobre como é o regime de águas, quais são as plantas mais adequadas, que alimentos, que abelhas, que frutos podemos colher nessa região. Então a educação, o desenvolvimento, ele é bom quando é feito dentro desse ecossistema, e o poder público deve dizer “com isso que temos, conhecemos, quanto de bem estar posso dar a minha população?”. Mas não só a ela, e também a comunidade de vida, as plantas, os animais, e, isso só é possível, caso a gente tome a sério a região onde a gente vive.

Rodrigo - É importante ressaltar que Anagé possui uma Escola Familiar Agrícola (EFA). Acha que esse é um caminho a ser seguido na educação do campo?

Leonardo Boff - Olha, eu acho que o futuro da humanidade não é o agronegócio. Acho que esse negócio se destina a produzir dólar, não produzir alimento. Setenta por cento de toda a alimentação humana vem da agricultura familiar, vem da agricultura orgânica. É importante que uma cidade como Anagé tenha uma escola que forme as pessoas do campo, porque nós vivemos na época do conhecimento. Conhecer as sementes, conhecer o solo, conhecer os ritos da natureza, se a gente conhece cientificamente, pode se tirar vantagens disso. E a escola deve passar adiante esses conhecimentos. Então eu acho que o futuro da região, mas também o futuro global da humanidade, caminha na direção da economia solidária, da bioagricultura, biocivilização, da agricultura familiar, agricultura orgânica, só utilizar aquilo mesmo que a natureza trás. Por isso, eu acho que essas escolas precisam se multiplicar e isso vai ajudar a garantir a cidade uma alimentação de qualidade e enraizar as pessoas no local.

ASA - Em 2012, o Semiárido Brasileiro sofreu uma das maiores estiagens que se tem notícia. E a perspectiva para 2013, segundo os institutos de meteorologia, prevê mais estiagem. Qual sua opinião sobre a atual situação da região semiárida?

Leonardo Boff - Bom, primeiro, essa estiagem longa é um sinal para a humanidade, não só para o Semiárido, de que a terra está doente. Não é possível que aqui no semiárido haja uma falta de água tremenda e nós do sul tenhamos enchentes que estão destruindo cidades, ventos, vendavais que destelham e destroem plantações. Isso revela que a terra perdeu o seu centro, que ela está desregulada e isso vem sob o nome de ‘eventos extremos’. Então, de um lado temos grandes secas, de outro lado grandes enchentes. Então, isso é um sinal do que a gente precisa levar em consideração e aprender, e por outro lado, educar a educação para conviver com essa situação. E desafiar, pressionar o poder público para ajudar a população e fazer aquilo que ela, com seus meios, não conseguem fazer. Porque o desafio é maior do que a nossa capacidade de resposta. Aí, é preciso aproveitar tudo que for possível, como a prática de construir as famosas cisternas, que a ASA [Articulação Semiárido Brasileiro] organizou de forma extraordinária. Elas precisam se multiplicar aos milhares, senão aos milhões, porque isso vai garantir a alimentação na região e a sustentabilidade das famílias.

ASA - O senhor fala em conviver, e a convivência é uma palavra-chave trabalhada pelas inúmeras organizações não governamentais que atuam no Semiárido, através da ASA. O senhor acredita que o ideal de convivência com o clima Semiárido é um caminho que se deva abraçar na busca por uma realidade mais justa para o povo do sertão?

Leonardo Boff - Eu acho que há dois conceitos-chave que vocês criaram. Primeiro é a convivência. Pois convivendo, evita-se a imigração, de ir para o Sudeste, Sul. E obriga a dialogar com a natureza, conhecer a natureza, ver o que pode tirar dela... esse é um ponto. Segundo, é aprofundar as tecnologias sociais. Isso é, para cada coisa daqui, para fazer uma cisterna, pra criar um bodinho, pra criar ou não uma vaca, para produzir isso e aquilo, tem que ter conhecimento. Então as tecnologias sociais são destinadas para o povo, desenvolvidas a partir da experiência que o povo tem, de dezenas de anos. Mas é preciso melhorá-las, combatendo a insuficiência e o desconhecimento. Então eu acho que essas duas coisas, a convivência, que é estar ali na sua terra, juntamente com conhecimento aliado as tecnologias sociais, é uma das saídas possíveis para essa crise.

Disponível em asabrasil.org.br


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