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O longo e desafiador ano de 2012 para a ASA

O longo e desafiador ano de 2012 para a ASA

Ano de seca, de eleições municipais, de conquistar espaço como sociedade civil junto ao governo federal. Esse cenário exigiu da ASA uma postura ainda mais dinâmica e enfática quanto à defesa da convivência com o Semiárido.


2012 foi longo e cheio de desafios para a ASA. Foi um ano que começou logo após a ameaça de ruptura com o seu maior parceiro, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) em dezembro de 2011. Foi ano de eleições municipais e da maior seca das últimas três ou quatro décadas. Mas todos estes desafios trouxeram aprendizados para a ASA, que se vê hoje – sob os olhos do coordenador executivo pelo estado da Bahia, Naidison Baptista – com muitos aprendizados, principalmente na relação de parceria crítica e autônoma com o governo federal.

Com relação à seca, o desafio de enfrentá-la é, ao mesmo tempo, a comprovação de que a estratégia de convivência é a única que possibilita a vida na região. “O recado da seca é simples. Ela mostra, mais uma vez, que o Semiárido é viável. Não mostra que é inviável. Mostra que é viável, desde que haja política de convivência com o Semiárido”, assegura Baptista.

O coordenador falou também do que ano de 2013 pede para as mais de mil organizações da Articulação e revelou o sonho de unir vários ministérios e parceiros em prol de um projeto que amplie e potencialize os bancos de sementes crioulas do Semiárido a partir do ano que vem. Confira a entrevista!

Asacom – Terminamos o ano passado mobilizando 15 mil pessoas em Petrolina e Juazeiro para protestar contra a ruptura da parceria da ASA com o governo federal. Hoje, um ano depois, como o senhor avalia esta caminhada com as conquistas e desafios que surgiram?

Naidison - Na história da ASA temos alguns elementos que são importantes dos quais a gente não abre mão. Um é a perspectiva da convivência com o Semiárido. ASA não quer projetos, ASA não tem recursos, ASA não quer captação de dinheiro para ela. A ASA quer a implementação de políticas públicas de convivência com o Semiárido, que torne o Semiárido um local digno e justo para se viver. A ASA investe não apenas na perspectiva das cisternas e da água da produção e de outros processos, mas também na execução, mostrando que isso é possível e é real. No ano passado, na iminência do rompimento com o governo federal, havia não a iminência do rompimento de projetos e de convênios, mas desta construção, desta concepção, desta perspectiva.

E eu acho que foi importante que nós pudéssemos nos colocar em duas dimensões: uma que foi reafirmar que queríamos, fazíamos questão, estávamos dispostos a ser parceiro do governo. Uma segunda perspectiva seria reafirmar que nós, autonomamente, não concordaríamos com as questões e posições que o governo colocava. Nós reafirmamos a perspectiva da construção de uma parceria crítica, autônoma, a serviço do Semiárido, e não a serviço do governo A ou B, a serviço da população do Semiárido! E acho que isso foi muito importante porque fez a ASA aparecer como uma propositora de política, executora de política, questionadora de política.

A outra dimensão é que nós temos investido, desde 2003, numa execução transparente, correta, que não reste dúvidas que nós efetivamente fizemos o que nos propomos. Se o governo dizia que não tinha analisado nossas prestações de contas ( isso era um problema do governo e não nosso porque nós tínhamos feito a prestação de contas), quando ele foi fazer as vistorias, fazer as visitas, constatou que tudo o que havíamos dito era verdade. Ele constatou que nós somos um parceiro bom, eficiente, competente e nós entregamos inclusive a mais do que nós contratamos.

Essas duas dimensões de sermos autônomos e críticos e a dimensão da execução efetiva e boa, com qualidade comprovada e transparência das nossas ações, mostraram que a ASA é um excelente parceiro para o governo. E é isso que estamos vendo hoje. O governo reconhece que somos um excelente parceiro. Primeiro, porque abriu seleções públicas e nós ganhamos incontestavelmente. Não ganhamos por favor, ganhamos pela situação que temos e pela experiência que temos. Segundo, celebramos o termo de parceria em junho e julho [2012], e estamos na reta final destes termos. Então isso é muito importante para nós e para o governo. E isso acontece por causa da rede que a ASA possui, por causa da imensa capilaridade que a ASA possui e por causa da capacidade administrativa e gerencial que a Articulação encontrou.

Nós não brincamos no serviço quando uma organização não cumpre corretamente aquilo que são as suas obrigações. Acho que hoje estamos colhendo os frutos da nossa ação, ações administrativas, financeiras, gerenciais, organizativas e políticas na ponta. E isso não é da ASA, isso é do Semiárido. Nós não estamos fazendo para nós. Estamos fazendo para que as pessoas do Semiárido tenham água, que era concentrada e agora é partilhada, tenham água de produção, que era concentrada e agora é partilhada, possam ter banco de sementes, possam ter processos de produção que não são transgênicos e não são cheios de processos contaminados. Nós estamos construindo a perspectiva de uma nação que tem um Semiárido decente.

Asacom – O ano de 2012 exigiu da ASA clareza e posicionamentos firmes na relação com o poder público. Realizamos campanhas de mobilização social a favor do voto limpo e contra as cisternas de plástico. Quais os aprendizados da ASA com relação ao exercício do controle social do estado?

Naidison – A história da ASA mostra um aprendizado interessante. Primeiro, que nós não podemos realizar políticas públicas se não nos relacionamos com o poder público, com o governo e com o Estado. Aquela história de organizações sociais sozinhas, fazendo ações isoladas, isso não existe. Naquela perspectiva estamos no projeto, nunca passamos para a política. As políticas exigem muito mais recursos, a universalização dos processos e muitas outras dimensões.

Os projetos, eu posso colocá-los num nincho, olhá-los belos e bem executados, mas eles são para poucas pessoas. A política é para todas as pessoas daquela região. A história foi de sair dos projetos de cisternas de consumo humano e de projetos de água para produção a política de cisternas para consumo humano e da política de água para produção. E agora queremos passar para as políticas de sementes. Fazendo o quê? Projetamos a nossa prática e dissemos que ela pode ser política. O que é que aconteceu? Aconteceu que nós fazíamos – se tomarmos como exemplo o MOC, organização que coordeno – 400 cisternas por ano. Esse ano de 2012, estamos fazendo 4.500. Então mudamos radicalmente o processo. Ainda temos que prestar atenção em não perder a qualidade, mas em ganhar em quantidade e em perspectiva de execução, e se projetar na dimensão da política.

Mas, para eu fazer isso, eu preciso do recurso público, do recurso que é meu, da população, e que está na mão do governo. Eu tenho que buscá-lo. Eu não que ter o puritanismo de dizer aquilo é recurso público eu não quero. Não, aquilo não é recurso do governo A ou governo B, aquilo é recurso da população e eu quero aquele recurso aplicado naquela direção. A ASA descobriu essa estrada, que é muito importante. Ao descobrir esta estrada, ela tem que se relacionar obrigatoriamente com o governo municipal, federal, estadual, seja lá o que for. O importante é que, ao se relacionar com o poder público, ela não perca sua autenticidade, não perca a dimensão de seus princípios.

Então, vamos supor, quais são os princípios da ASA? É a convivência com o Semiárido, é o protagonismo da população do Semiárido. Então tudo o que vier e não esteja colocando a população da região como protagonista e na perspectiva da convivência, não temos que aceitar, mesmo que tenha rios de dinheiro, e nós temos que denunciar.

Nós fizemos isso quando o MDS insinuou que não faria mais o termo de parceria conosco. Nós botamos a boca no trombone e botaremos novamente se as circunstâncias assim pedirem. Nós fizemos isso em relação ao processo do voto. As pessoas tem que saber que os votos delas não são para trocar por água. E a gente tem que construir uma mentalidade e uma concepção nesta dimensão. A ASA avalia que ela tem um papel chave nisso e teve. Por esta campanha, muitas pessoas que iam comprar votos foram denunciadas e deixaram de comprar e muitas pessoas que nem tinham pensado no assunto, deixaram de vender seus votos. Não interessa se foram 200, 300, 400. Se não eram milhões, da outra vez a gente ganha milhões. Agora, nós ganhamos 400 e são 400 pessoas que contam na perspectiva da convivência com o Semiárido.

E as cisternas de polietileno, que são tudo menos convivência com o Semiárido. Elas são combate à seca, elas são para engordar empresas que lucram, elas marginalizam a população, que recebe pacotes prontos, o comércio local não é envolvido, não nos interessa essa perspectiva. Infelizmente, o governo aposta nisso. Inclusive, aposta numa perspectiva mais cara. Porque se a nossa cisterna é R$ 2.200,00, 2.300,00, elas são de R$ 5.000,00. É depredação de recurso público. Dissemos isso à ministra [Tereza Campello], dissemos isso ao ministro Gilberto Carvalho, dissemos isso aos jornais, à televisão, diremos isso à presidente Dilma, diremos isso a quem quer que seja. Porque é o nosso recurso que está sendo mal utilizado e não é convivência com o Semiárido, é a velha prática do combate à seca.

Somos parceiros do governo? Somos. Somos parceiros do MDS? Somos. Somos parceiros do MDA? Somos. Somos parceiros do MMA? Somos. Podemos ser parceiros de outros ministérios? Nenhum problema. No EnconASA [Encontro Nacional da ASA, realizado em novembro, em Minas Gerais] havia vários ministérios lá dentro. Agora o que estiver fora da perspectiva da convivência com o Semiárido, nós vamos denunciar, vamos bater, questionar, civilizadamente, não vamos pegar nenhuma arma e atirar, não vamos matar ninguém, mas vamos bater a partir dos argumentos. Esse é o nosso papel. O papel da sociedade civil na construção de políticas públicas.

Asacom - Esse jeito da ASA de se relacionar com o poder público pode servir de exemplo para outras articulações ou redes da sociedade civil?

Naidison – A ASA tem algumas nuances. Primeiro não representa nenhuma categoria, não é um sindicato, não é uma associação, no sentido de que representa agricultores, produtores, mulheres. A ASA não representa categoria nenhuma, porque ela nasceu como organização plural. Todo mundo se sente dentro da ASA. Ela representa o quê? Os anseios, a busca e a perspectiva de construção de um Semiárido justo para a sua população. À medida que ela representa isso, as pessoas que vêm nesta dimensão se inserem na ASA, as organizações que vêm nesta dimensão se inserem na ASA, e é por isso que a ASA aglutina as mais variadas cores, matizes, perspectivas na dimensão da convivência com o Semiárido.

A ASA não representa a busca de salários das pessoas, a ASA não representa a busca do plano de cargos das categorias. O nosso campo é o da construção de políticas de convivência. E conseguimos nos projetar no país nesta direção. Não existe nenhum debate sobre o Semiárido que não chamem a ASA. Nós somos respeitados como alguém que tem uma palavra importante a dizer a respeito do Semiárido. Isso é importante de um lado. De outro lado, nós desenvolvemos uma metodologia que é a seguinte: à ASA não interessa apenas denunciar. Nós queremos denunciar, propor e fazer. O discurso que é apenas de denúncia não existe dentro da ASA. Existe aqui e ali, mas quando ele vai sendo depurado, ele desaparece. A ASA não quer apenas dizer: isto não serve pra aquilo. Não é isso. Nós queremos dizer: isso não presta, mas em lugar daquilo, nós podemos fazer assim, assim, assim e assim. Por isso, nos tornamos respeitados. Porque não somos alguém que apenas diz o que não quer. Nós somos aqueles que dizem o que quer e como quer, em que metodologia queremos, em que princípios e com que custos. A partir daí, nós somos respeitados no processo de negociação. Porque não trazemos um conjunto de ideias. Nós trazemos um conjunto de ideias operacionalizadas.

Se eu debato as sementes, nós vamos trazer uma proposta de como vamos operar as sementes crioulas, com que custo, com que quantidade de pessoas, aonde. Quando apresentamos isso nos diferenciamos de um conjunto de outros que apenas dizem: “eu não quero as sementes transgênicas”. A ASA diz: “eu não quero as sementes transgênicas. Eu quero as sementes crioulas. Mas eu quero operar as sementes crioulas dessa maneira. Então, nos tornamos referência porque propusemos políticas, executamos estas propostas e estamos abertos a receber críticas e avaliações com relação a isso. Essa é a filosofia da ASA e assim nos diferenciamos de outras organizações que avalio que têm seu papel no processo da denúncia.

Asacom – Trabalhar nesta perspectiva no atual contexto de criminalização das ONGs e junto a um governo que tem um regime federativo, de repasse de recursos para os estados e municípios, e menos para a sociedade civil, é um desafio muito grande...

Naidison – É um desafio muito grande, mas vamos ganhando aos poucos. Há um ano o governo federal queria trabalhar com as cisternas só através dos estados. No decorrer do tempo, fazendo a chamada pública, nós ganhamos, fomos contratados em junho e julho, estamos entregando o produto. E, ao mesmo tempo, nós fomos capazes – e essa é uma outra característica da ASA – de ocupar as chamadas públicas realizadas pelos estados. Na medida em que nós executamos em nível federal e dos estados, nós mostramos ao governo que sem a gente ele não vai, a não ser que ele queira a de polietileno. Mas, com a de polietileno, ele não vai muito longe. Daqui a pouco vai começar a explodir os problemas das cisternas de polietileno. E não vou me adentrar em quais são, mas não vai demorar muito tempo para elas aparecerem.

Por uma via direta ou indireta, a ASA está ocupando praticamente 80% dos espaços e o governo vai ter que reconhecer. Porque um governo que se diga democrático não pode trabalhar sem a sociedade civil e mais, na perspectiva da erradicação da pobreza, se abdicar de trabalhar com a sociedade civil, o governo federal não chega na ponta. Esse é o desafio do governo federal e ele já está sentido isso em muitos programas. O bolsa família, não. Cadastrou, recebeu. Agora, o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], alimentação escolar, cisternas, cisternas de produção e um conjunto de outras ações, sem a sociedade civil, ele não chega não. Se ele quiser experimentar, cabe a ele tentar fazer.

Asacom – A atual estiagem é a primeira grande seca da história da ASA. O que esta grande seca diz sobre a estratégia de convivência com o Semiárido que adotamos?

Naidison – Essa seca diz algumas coisas muito interessantes. Primeiro, eu não gostaria de olhar a ação da ASA de forma isolada, ela está dentro de um contexto. Esta seca é uma seca diferente. Por quê? Por que as famílias têm o Bolsa-Família, o Bolsa-Estiagem, um conjunto de programas federais que, de uma maneira ou de outra, capengamente ou não, chegam às pessoas. Esse conjunto de programas federais modifica a relação das pessoas com a seca. Uma coisa é, há 12 ou 15 anos, uma seca que as pessoas faziam filas para receber víveres, gêneros alimentícios, uma lata de água de 10 litros. Você não viu isso, nesta seca, em lugar nenhum porque ou as pessoas têm um mínimo para viver – e aí entra o Bolsa-Família e o Bolsa-Estiagem. Então, essa dimensão é importante da gente olhar.

O segundo elemento é que esta seca, quando ela começa a acontecer, nós já temos construídas pela ASA, pelos estados, pelos parceiros do governo federal, cerca de 500 mil cisternas. São 2 milhões e meio de pessoas com acesso à água. Mesmo que não chova e essas pessoas tenham que brigar pelo reabastecimento das cisternas, isso não é um blocão que acontece de uma vez só, aqui não choveu, ali choveu menos, em outros cantos choveu diferente. Então temos uma população que tem o abastecimento básico. E isso ajuda a população a conviver e a resistir. Vamos pensar que são 500 mil famílias que não tinham esse relacionamento e não tinham esse instrumental de convivência e agora possuem ou mais.

Essas mesmas 500 mil famílias – nós sabemos de vários fenômenos como esse que vou contar – foram várias vezes à prefeitura para dizer “nós queremos o abastecimento das cisternas da comunidade”. A prefeitura foi lá e abasteceu cinco ou dez cisternas numa comunidade e as pessoas disseram “podem ir embora, quando acabar esta água nós vamos lhe procurar”. Então é uma relação de autonomia, cidadania e independência que não existia antes. O que existia era uma pessoa na fila com a lata de 20 litros. E o que existe agora é um conjunto de famílias com dez cisternas de 16 mil litros, o que significa 160 mil litros de água, dizendo: “nós somos capazes de gerenciar a água da comunidade. Pode ficar tranquilo, não venha pra cá, não traga vereador, não traga político, não traga fazendeiros, nós gerenciaremos. Quando precisar, nós voltamos a você.” Então, nós criamos uma outra dimensão de cidadania no Semiárido e isso foi criado a partir das cisternas. Esse é um outro elemento importantíssimo e que se multiplicou em muitas comunidades, pena que a gente não teve a capacidade de registrar em que dimensão isso esteve presente.

Essa seca mostra uma outra coisa. Que o agricultor que não tem nenhuma perspectiva de convivência com o Semiárido, aquele agricultor tradicional, que está na frente de trabalho, está pedindo coisas aos políticos. Já o agricultor que recebeu uma assistência técnica na perspectiva da convivência com o Semiárido, que têm as cisternas de consumo humano, a cisterna-calçadão, é outro tipo de gente. Existem reportagens mostrando que esse tipo de agricultor, é um tipo de agricultor que hoje está vivo, apesar da seca.

Nós estaremos numa entrevista do Canal Saúde com o agricultor Abelmanto, de Riachão do Jacuípe [município da Bahia]. Abelmanto nós já visitamos em várias circunstâncias, inclusive, há 15 dias, com um grupo de pessoas do Unicef e ele disse abertamente “eu tenho água até final de março ou metade de abril. Água para os meus animais e água para consumo humano. Eu não quero carro-pipa, eu não quero abastecimento de nada. Eu só deixei de plantar coisas que dependiam da irrigação, mas meus animais estão vivos, têm alimentos, eu [os] vendo, eu tiro leite.” É um cara que dentro de 40, 30 hectares que é o [tamanho do] terreno dele, desenvolveu um processo de convivência com o Semiárido. Ele é capaz de guardar água para consumo humano, para produção, de guardar semente, feno para fazer silagem. Nós temos como ele, milhares de outros que passaram pela seca intocados, é claro que tiveram dificuldades, mas não foram para nenhuma fila mendigando.

Finalmente, podemos dizer que a seca diz que a estratégia certa é a que nós propomos, a estratégia da convivência e não da perspectiva do combate à seca, porque torna os agricultores mais vulneráveis e, por conseguinte, incapazes de resistir. E a estratégia de convivência torna os agricultores mais adequados à dimensão do clima e capazes de conviver.

O recado da seca é simples. Ela mostra, mais uma vez, que o Semiárido é viável. Não mostra que é inviável. Mostra que é viável, desde que haja política de convivência com o Semiárido.

Asacom – Com relação aos programas da ASA, 2012 foi desafiador porque houve uma diminuição no tempo de execução e um aumento das unidades gestoras. Como foi esta experiência?

Naidison – Foi e está sendo um aprendizado muito duro, muito difícil porque para executar as metas da seleção pública tivemos que ampliar organizações, investir na qualificação destas organizações. Algumas respondem e outras não respondem suficientemente. Nós tivemos que ser duros na condução do processo, o que nem sempre coaduna com a política da ASA de conversar, de debater. Tivemos algumas decisões mais radicais do ponto de vista gerencial e administrativo. Agora estamos saindo bem, tanto que estamos sendo chamados sem nova chamada pública para renovar os convênios com o MDS. E nossas prestações estão sendo aprovadas com alguns questionamentos, é normal, se nós movimentamos 100 organizações e R$ 140 milhões. Seria irreal, dizer que não temos problemas. Agora não temos problemas de falcatrua, de desvio de objetos, de dizer que não cumprimos as metas, enfim, não temos problemas de fugir do essencial. Nós estamos buscando nos aperfeiçoar. Estamos nos projetando para 2013, não com o mesmo número de organizações, em vista da finalização do P1MC, mas com um número razoável de organizações, o que é muito bom.

Asacom – O P1MC não vai ser executado em 2013?

Naidison – Vai. O P1MC tem mais uma etapa em 2013 e nós estamos com o aditivo aprovado com relação ao termo anterior para universalização de metas em determinados municípios. Nós teremos dois níveis de atuação no P1MC. A atuação em municípios novos e a atuação em municípios anteriores onde as metas alocadas pelo MDS foram insuficientes para contemplar todas as famílias. Por exemplo, o MDS alocou 200 cisternas em um determinado município e, na realidade, quando nós fomos para o campo, nós constatamos que são 350. Ou nós relocamos de outras partes, ou nós vamos fazer um aditivo de tempo, meta e recurso pra cumprir a universalização neste município. Nesta dimensão, a ASA concorda com a política do governo de universalização e vai colocar seus esforços na perspectiva desta universalização. Não porque é o governo Dilma, mas porque são ações que chegam e que ajudam que o direito das pessoas seja respeitado, no caso específico, o direito à água para consumo humano.

Asacom – Pensando nas organizações da ASA, o que senhor diria que 2013 está pedindo o que para a ASA?

Naidison – 2013 está pedindo, que independente de termos projetos ou não com o MDS, nós continuemos na perspectiva da convivência. E são muitas propostas. 2013 pede que ao passar as propostas de assistência técnica na porta das organizações, as organizações segurem, concorram aos editais, executem os editais, se projetem para ocupar estes espaços políticos. Isso é muito importante. A ASA não é só para cisternas.

2013 pede que as organizações olhem se elas têm know-how e expertise para trabalhar na dimensão da educação contextualizada para a convivência com o Semiárido. Temos muitas organizações e temos muitas oportunidades de trabalhar nesta dimensão. E isso é importantíssimo porque a gente começa a debater com a criança na escola que o Semiárido é viável. E não a criança só ter esse debate quando ficar adulta e frequentar as reuniões das organizações. Temos que começar lá, fazer com que a escola produza conhecimento para a transformação do Semiárido.

[2013] pede de nós que, se o PAA e o PNAE, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, passem na frente de nós, na nossa porta, e passa na porta de todo mundo, a gente ajude e elabore projetos para que as organizações dos agricultores vendam seus produtos. Que a gente entre na perspectiva do crédito adequado. Então, tem uma gama de ações imensas que independe da AP1MC [Associação Programa Um Milhão de Cisternas, oscip que gerencia os programa da Articulação]. A ASA não é a AP1MC.

Tem projetos de mulheres? Vamos entrar por aí. O MOC mesmo está entrando com três ou quatro projetos de mulheres que trabalham na perspectiva da organização produtiva das mulheres. Claro que não é só fazer com que as mulheres produzam isso ou aquilo, aí, por dentro, a gente debate a questão de gênero, protagonismo e as perspectivas todas do feminismo que a gente defende. Não é debater o feminismo pelo feminismo, mas o feminismo enraizado nas práticas que podem tornar as mulheres mais autônomas e mais independentes. Então, existem “N” possibilidades e oportunidades. O grande desafio da ASA, das suas organizações é não deixar passar isso e não ficar preso à AP1MC.

Na linha da AP1MC o desafio é terminarmos bem os termos que estamos trabalhando para celebrar até o final de 2012 e brigar pela dimensão das sementes. As sementes são uma dimensão que podemos agregar ao que a gente já faz. Vamos imaginar que um agricultor que teve a cisterna de consumo humano e teve os processos do P1+2 na perspectiva da produção e agora se insere na dimensão da semente, ele começa a criar um conjunto de ações de convivência do Semiárido.

A ASA vai brigar nesta direção e esta foi uma decisão do EnconASA. Nós vamos abrir debates com quem quer que seja pra trabalhar conosco a implementação de milhares de bancos de sementes no Semiárido. Se for o MDS, a gente saúda o MDS e deseja que ele venha. Se for o MDA, a gente deseja que ele venha. Se for a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento], a gente deseja que ele venha. Se for o BNDES, que a gente sabe que eles estão cientes disso, eles são bem vindos, através dos seus projetos sociais. E o sonho mais alto é juntar todo esse povo num grande projeto de sementes nativas, crioulas, sementes da paixão, do que é que os agricultores chamam.

Agricultores não faltam, sementes não faltam, organizações não faltam. Falta apoio efetivo para que a gente possa transformar esta força numa grande alavanca para termos, no Semiárido, um imenso arsenal de bancos de sementes nativas, que seria o início da recuperação da biodiversidade do Semiárido e uma alavanca imensa e significativa na perspectiva da convivência. Isso o EnconASA jogou nos nossas ombros e vamos provocar isso onde quer que nós estejamos.

Asacom – Esse sonho das sementes é um sonho como o da cisterna de 16 mil litros foi um dia, há 12 anos...

Naidison – Há 12 anos sonhamos com a cisterna de 16 mil litros. Nos chamaram de loucos e ainda bem que acreditamos na loucura. Hoje, nós estamos com o governo assumindo a isso na perspectiva da política. Ótimo. Não nos interessa a paternidade da cisterna. Interessa é que todas as pessoas tenham água para beber. Interessa é que a água de beber do Semiárido deixou de ser concentrada e foi partilhada, foi democratizada. Isso é a maior conquista da ASA nestes 12 anos. Se para fazer isso tivemos várias mãos. Ótimo! Queremos começar a semente nesta mesma dimensão e queremos dinamizar a água de produção nesta mesma perspectiva. E vamos conseguir fazer isso.
 

Por Verônica Pragana - Asacom

Disponível em www.asa.org.br


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