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Mudanças climáticas e o Semiárido brasileiro

Mudanças climáticas e o Semiárido brasileiro

 Em 16 de março é celebrado o Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas. A data foi criada para evidenciar debates que chamem a atenção da população para essa temática. Por ocasião da data entrevistamos André Rocha, colaborador do Irpaa que atua na coordenação do Eixo Clima e Água.

Apesar da mudança no clima também ser provocada por fatores naturais, estudos comprovam que ações humanas causam o aumento das temperaturas do planeta e, consequentemente, essas alterações no clima. “Atualmente vivenciamos mudanças climáticas bem mais aceleradas, em virtude da relevante contribuição antrópica [ação realizada pela humanidade] decorrente da elevada emissão de gases de efeito estufa, principalmente gás carbônico”, declara André.

Na entrevista abaixo, Rocha fala sobre as mudanças climáticas que vivenciamos atualmente e as de outras épocas, levando em conta os impactos dessas alterações para o Semiárido. Ele também aborda como a proposta da Convivência com o Semiárido pode contribuir para reduzir o impacto das mudanças climáticas sobre o planeta.

Eixo Educação e Comunicação - O que são mudanças climáticas? E como perceber os efeitos dessas mudanças no dia a dia, por exemplo, no Semiárido brasileiro?

André Rocha - Mudanças climáticas são as alterações no estado médio da atmosfera, alterando o tipo de clima em determinado local ou o comportamento dos elementos que o definem.

Denominamos de atmosfera, o conjunto de gases que rodeia e acompanha nosso planeta, ocupando o espaço existente entre o céu e a terra, apresentando diferentes condições conforme a localização do globo terrestre e o tempo observado, em função de diversos fatores, tais como: altitude, distância do mar e dos polos norte e sul, radiação solar, ventos e correntes marítimas.

Esses fatores citados determinam faixas e comportamentos dos elementos utilizados para classificar e qualificar o clima de cada lugar, sendo os principais: a temperatura e umidade do ar, o regime de chuvas e a evapotranspiração – que é o real ou potencial poder de transferência de água para a atmosfera pelas plantas e também pela ação do vento e da radiação solar. As condições momentâneas e localizadas desses elementos caracterizam o tempo (pode durar minutos ou dias) enquanto que as condições médias ao longo de décadas (estatisticamente ao menos 30 anos), caracterizam o clima. Logo, oscilações momentâneas se traduzem em mudanças do tempo e alterações das médias persistentes ao longo do tempo se traduzem em mudanças climáticas.

Os efeitos das mudanças climáticas no Semiárido podem ser percebidos, por exemplo, com aumento da sensação de calor, maior escassez ou concentração das chuvas, intermitência ou morte de rios, maior dificuldade em viabilizar a agricultura, sobretudo de sequeiro, e aumento de doenças epidêmicas ou relacionadas com a radiação solar.

EEC - Existe diferença entre as mudanças climáticas que vivenciamos atualmente e as de outras épocas?

André Rocha - Sim. Há tempos ocorreram ciclos de mudanças climáticas naturais, cujos fatores estiveram voltados para variações na inclinação do eixo da terra, atividades vulcânicas e movimento de placas tectônicas, provocando, por exemplo, variações para mais ou para menos na temperatura média atmosférica da ordem de 4ºC, porém, em escala de milhões de anos – maior tempo de adaptação, genéticas e comportamentais, das espécies. Atualmente vivenciamos mudanças climáticas bem mais aceleradas, em virtude da relevante contribuição antrópica decorrente da elevada emissão de gases de efeito estufa, principalmente gás carbônico, ocasionando o que se chama de “aquecimento global” em função do aumento de temperatura média atmosférica de cerca de 1ºC em apenas algumas dezenas de anos – não há tempo hábil para adaptação genética, por isso, maior risco de extinção de espécies e as tentativas de adaptação estão apenas no âmbito comportamental e de mitigação dos efeitos.

EEC - Como as transformações no clima estão afetando a biodiversidade do Semiárido?

André Rocha - Perda de biodiversidade! Mesmo que somado a fatores antrópicos (relativa à ação humana), como principal percussor, provavelmente esteja o “aumento da temperatura média atmosférica” no Semiárido. Isso eleva as taxas de evaporação da água tornando solos e reservatórios superficiais secos (precocemente pós-chuvas) por mais tempo, e consequentemente mais sazonal fica a disponibilidade de água e alimentos, limitando reprodução e desenvolvimento de inúmeras espécies, incluindo-se atividade de microrganismos de solos, que somado à ausência de cobertura vegetal ficam vulneráveis a processos de desertificação.

A desertificação é entendida como um processo cumulativo de degradação da terra, que afeta gravemente a saúde dos solos e de todos os bens naturais que constituem cada bioma ou ecossistema. Isso se deve principalmente às ações humanas, aos sistemas de uso da terra e às formas de ocupação dos territórios que provocam perda da produtividade biológica, declínio da qualidade do solo e redução dos seus serviços ecossistêmicos.

EEC-Quais as principais relações entre modelo de produção e mudanças climáticas?

Andre Rocha - O modelo de produção predominante, ou convencional no Brasil, está baseado na supressão da vegetação nativa (desmatamento), para cultivos em monoculturas, com uso de sementes transgênicas, produtos químicos e venenos, irrigação de solos vulneráveis à salinização, e de grandes projetos de extração de minérios, hidrelétricas, parques eólicos e solares, de grande impacto e sem a devida responsabilidade ambiental. A decomposição e queima da vegetação nativa e de grandes volumes de combustíveis fósseis aumentando níveis de carbono atmosférico e consequentemente da temperatura ambiente, somado à poluição de solos, fontes hídricas e do ar, gera um ciclo vicioso de degradação ambiental e mudanças climáticas.

EEC - Em 2018, o Brasil voltou ao mapa da fome, grande parte da população brasileira ainda não tem acesso à água. Como a mudança climática pode aumentar essas desigualdades sociais?

André Rocha -
A distribuição das chuvas pode se tornar mais irregulares, se já não esteja ocorrendo, seja no tempo ou no espaço e com isso a ocorrência de secas mais frequentes e mais prolongadas, inclusive em biomas tidos como mais úmidos. Com isso reservatórios podem se tornar cada vez mais insuficientes e comprometer ainda mais o acesso à água para as diversas atividades domésticas e produtivas, sobretudo para as famílias mais vulneráveis de comunidades difusas do Semiárido e demais biomas, mas também nas cidades em geral. O aumento na intensidade da evaporação, tornam as atividades agropecuárias mais complexas, intermitentes e/ou dependentes de irrigação e com maior custo, elevando-se o preço dos alimentos, e com isso dificultando o estabelecimento de culturas comerciais por pequenos produtores e o acesso aos alimentos por famílias de baixa renda.

EEC - Na prática, como a Convivência com o Semiárido pode contribuir para combater as causas e para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas?

André Rocha -
Dentre outros preceitos, a proposta de Convivência com o Semiárido preza pela manutenção da “Caatinga em pé” (Recaatingamento – recuperação, preservação e uso sustentável), pela cultura da captação, estoque e manejo de água de chuva de forma descentralizada, pelo reúso das águas, pela produção de alimento, energia e renda com base nos potenciais e limitações de cada lugar, microclima e bioma.

Assim, a distribuição justa da terra em tamanho apropriado, a utilização da vegetação nativa como recurso forrageiro por espécies de pequeno porte e com elevada eficiência na transformação de folhas, sementes e água em carne, leite, ovos e mel, tem elevado potencial de geração de renda no Semiárido, associando-se à manutenção dos estoques de carbono proporcionado pela Caatinga no Semiárido e com isso contribuir para o equilíbrio do clima. Do mesmo modo que o aproveitamento das frutas nativas como fontes de alimento e renda, o policultivo de espécies adaptadas ao clima e de base agroecológica podem assegurar a diversificação alimentar e de renda complementar, quando não principal, às inúmeras famílias, sem comprometer a biodiversidade.

Tais práticas, acompanhado de uma educação formal e não formal contextualizada e uma comunicação libertadora, que problematize as verdadeiras causas das mudanças climáticas e demais problemas e aponte soluções que perpassem o meio político, comunitário, mas também pessoal, pode contribuir significativamente para combater as causas e para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas no Semiárido brasileiro.

EEC - As mudanças climáticas já estão produzindo impactos negativos nas nossas vidas. Como as políticas públicas podem contribuir para mitigação e adaptação às mudanças climáticas?

André Rocha - Implementando Programas permanentes de Convivência com cada clima, criando mecanismos de combate à concentração de terra, água e demais bens naturais, promovendo a agroecologia como modelo de produção e modo de vida sustentável. Além, disso promovendo a produção, uso e geração de renda com energias renováveis de forma descentralizada e inclusiva, fazendo das escolas e dos meios de comunicação verdadeiros laboratórios de construção de saberes que garantam iguais oportunidades de vida a todos os seres dos quais dependem o equilíbrio ambiental da nossa “Casa comum”.

 Ilustração: William França / Fotos: Eixo Clima e Água


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