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Assassinato de Luís Nunes

Assassinato de Luís Nunes

Semelhante aos acontecimentos da morte de Antônio Gulhermino (veja notícia de 30 de agosto deste), me ocorreu em relação à informações sobre a assassinato de Luís Nunes, de Casa Nova. Um fato emblemático e estarrecedor. A internet, em outros casos tão rica em informações, não contém nenhum dado sobre a vida e a morte de Luís Nunes. Mas toda hora estamos sendo lembrados da morte de pessoas insignificantes ou que deixaram uma lembrança muito constrangedora, com todos os detalhas da vida e da morte delas.

Assim esperamos poder servir a outras pessoas interessadas, em transcrever do Caminhar Juntos, Boletim da Diocese de Juazeiro - Ba, três textos referentes: um artigo do "Tribuna da Bahia", a Nota de Apoio e Solidariedade da CPT Diocesana e a homilia do Bispo D. José Rodrigues de Souza, por ocasião da Missa em memória de Luís Nunes, celebrada na praça da Igreja Paroquial de Casa Nova.

Juazeiro, terça 15 de novembro de 2011

haroldo@irpaa.org

 



Do jornal "Tribuna da Bahia" do 23 de outubro de 1984
Posse de terra gera outro crime violento e deixa 6 crianças órfãs
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MATOU LAVRADOR ATROPELADO E AINDA ESMAGOU O CADÁVER

Depois de atropelar e matar propositalmente o lavrador Luiz Nunes da Silva de 32 anos, casado, pai de seis filhos, menores, o homem identificado por Domingos Caraíba, deu marcha a ré em sua Brasília branca e por diversas vezes passou sobre o corpo da vítima, deixando-a irreconhecível.
O assassinato ocorreu no dia 18 de outubro, por volta das 16:30, na estrada da localidade de Malvão e 12 km da sede de Casa Nova, quando Luiz Nunes pedalava uma bicicleta e se dirigia para o trabalho.
O fato foi testemunhado por vários moradores da localidade, que comunicaram à Polícia de Juazeiro.
A polícia acredita que foi crime de mando, resultado de uma briga por questões de terras localizadas na Ilha do Anselmo, em Casa Nova, onde a vítima tinha propriedade e o fazendeiro Milton Biato afirma ser o dono da área, originando disputas com pequenos agricultores da região. Temem-se que novas mortes venham a acontecer.
OCRIME
Luís Nunes montava uma bicicleta na estrada de Malvão e se dirigia para uma empreitada de mandioca, onde iria acertar os últimos detalhes com um amigo. De repente surgiu uma Brasília branca, dirigida por Domingos Caraíba, segundo testemunhas. O criminoso, depois de atropelar o lavrador e o deixar morto, ainda passou diversas vezes com o veículo sobre o cadáver, esmagando-o.
Os problemas de terra entre Milton Bispo e os lavradores vem se agravando porque o fazendeiro alega que a ilha é de sua propriedade, mas a Seplantec reconheceu há alguns dias que as terras não lhe pertencem.
As comunidades eclesiais de base de Casa Nova, inclusive, estão convidando a todos para participarem da missa em solidariedade ao lavrador assassinado Luiz Nunes da Silva e a sua família.
Após a missa haverá grande concentração na praça da Igreja Matriz daquela cidade, no dia 26 de outubro, às 10:00 horas, presidido pelo bispo D. José Rodrigues junto com todos os padres da Diocese de Juazeiro, pedindo que o mandante e o assassino sejam presos.

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CAMINHAR JUNTOS
Jornal da Diocese de Juazeiro Bahia
Edição Novembro 1984

página 20

Nota de apoio e solidariedade à família de Luís Nunes da Silva
A Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Juazeiro vem através deste instrumento prestar solidariedade e seu irrestrito apoio à família de Luís Nunes da Silva, assassinado quinta-feira, dia 18 de outubro por volta das 16:30 hs, aproximadamente a 13 km da sede do município de Casa Nova em direção a Remanso, na estrada que dá acesso ao Malvão.
Como outros “12” posseiros que morreram na Bahia neste ano, também Luís tentava sobreviver na dura luta contra a fome, que o tornava junto a seus familiares, super desnutridos.

Local do crime
O local do crime (após choveu fortemente)

 

Morrendo, Luís já estava como milhares e milhares de Trabalhadores Rurais. Mas queria viver, amava sua mulher, seus filhos, queria também dar-lhes vida; para isso precisava de terra para plantar e dela tirar o sustento para sua mulher e os 6 filhos menores.
Encontrando a terra vaga, sem plantar, sem cercar e, numa ilha chamada, Ilha do Anselmo, quando trabalhava junto com seus companheiros foram interrompidos.
Luís com seus companheiros não queriam crimes, violência e saíram à procura daquilo que a Sociedade tinha para oferecer-lhes.
Primeiro, procuraram o Instituto da Terras da Bahia, responsável pela titulação de terras, depois foram à Marinha, na esperança de alguma solução; por último foram à Chesf em Sobradinho, com Dr, Jaime, e nada se resolveu.
Luís procurou seus direitos em todos esse órgãos e nenhum deles reconheceu que Luís e seus companheiros precisavam de pedaço de terra para viver.
Como nós vimos, Luís bateu de porta em porta, procurando o direito de possuir um pedaço de terra para plantar, e o direito de viver, mas a Sociedade ofereceu-lhe a morta violentamente; sendo esmagado por uma Brasília.

Quando Luís deixou o caminhão, na entrada da estrada do Malvão, se dirigiu de bicicleta à casa de um amigo para um empreita de mandioca. A pouco mais de 2 km o assassino o esperava. Surgindo da curva se lançou contra Luís. Arrastando-o na frente do carro num espaços de 30 metros. Seu corpo ficou misturado com os ferros da bicicleta. Ao mesmo tempo que lançamos nosso apoio e solidariedade à família de Luís, convidamos a todos para a Missa, às 10 horas da manhã na praça da igreja, em Casa Nova. Pedimos a todos que puderem contribuir com alimentos ou dinheiro para a família, poderão ofertar na hora da celebração.
Juazeiro, 22 de outubro de 1984
Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Juazeiro

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Na mesma edição e página do CAMINHAR JUNTOS:

Homilia feita pelo Bispo D. José Rodrigues na missa pelo lavrador Luís, assassinado em Casa Nova. 26/10/82

1 - Estamos aqui celebrando a santa missa. A santa missa é a celebração da morte e ressurreição de Jesus Cristo, hoje, por nós. É a celebração de nossa de nossa vida, em comunidade, com Jesus Cristo, morto e ressuscitado.
2. - missa é, pois, a celebração de nossos sofrimentos e de nossas alegrias, de nossos fracassos e de nossas vitórias, de nossa morte e de nossa ressurreição, pois, cada dia vamos morrendo um pouco e vamos ressuscitando.


O Bispo d. José Rodrigues de Souza

 

I Que estamos celebrando, hoje, em Casa Nova?
1 – Estamos celebrando a morte de nosso irmão lavrador, Luís Nunes da Silva. Mas estamos celebrando uma morte diferente, pois existe morte “morrida” e existe morte “matada”.
2 – Morte “morrida”, podemos dizer, é a morte “natural”. Por sermos criaturas (um dia tivemos começo: começamos a viver), por sermos um composto - corpo e alma – tendemos, naturalmente, para a decomposição, para separação do corpo e da alma. Isso é a morte!
Morte morrida é a que provém das doenças, da velhice, dos acontecimentos imprevistos. Não podemos escapar.
3 – Morte “matada” é, pelo contrário, a morte planejada pelos homens e pelos sistemas políticos e econômicos que eles criam.
Morte “matada” é a morte planejada:
a) por vingança: São tantos os que matam por vingança: vingança por outros crimes cometidos. Vingança por coisas pequenas, por ninharias.
Nós cristãos, não aceitamos a vingança por nenhum motivo, porque - na Bíblia – Deus diz: “Só Deus é dono da nossa vida! Mais ninguém”.
b) morte “matada” é a morte planejada pela paixão amorosa: é o que se diz “ matar por amor”. São os crimes passionais que os Meios de Comunicação Social divulgam com grande sensacionalismo: Doca Street que matou Ângela Diniz e tantos outros. Mas o Movimentos Feministas reagem, dizendo: “Quem ama, não mata.” E Jesus no Evangelho: “ Não há maior amor de que dar a vida pela pessoa amada.”
c) morta “matada”, mais frequente, hoje , no Brasil, é a morte de lavradores por questões de terra” Na Bahia na ano passado, foram matados 19 trabalhadores: 17 lavradores e 2 índios. Neste ano, na Bahia, foram matados 12 lavradores! E todos estas “mortes matadas” ficaram sem apuração! Os “matadores” continuam impunes. E esse impunidade dos “matadores” que lhes dá a arrogância de fazer o que acabam de fazer em Casa Nova.
d) morte “matada” foi a de nosso irmão Luís Nunes da Silva. Luís não era ladrão. Não era criminoso. Não era provocador. Não fazia ameaças. Luís era, até, de temperamento tímido, calado.

> Que fez, então, Luís para ser matado? Luís, com mais alguns companheiros, queria um pedaço de terra, na ilha do Anselmo, para fazer sua roça. Luís era casado, tinha mulher e 6 filhos menores para sustentar.
> Mas apareceu um homem daqui da cidade (Milton Biato) que se diz dono daquela ilha. A ambição dos grandes ou dos que se julguem grandes é desmedida! Se aparecer um nova terra girando ao redor da nossa, os grandes vão logo dizer que essa nova terra é deles!
> Luís não queria brigar! Procurou os caminhos legais que conhecia: foi falar com INTERBA, com a Marinha (em Juazeiro) e com a CHESF. Nenhuma destas entidades do Governos lhe deu solução.
> dia 18, 5ª feira, na sua inocência, Luís voltava de bicicleta para sua casa no Malvão. Eis que a “Brasília” branca, dirigida por Domingos Caraíba, derruba o Luís no chão, dá marcha ré e passa, várias vezes, por cima do cadáver, deixando-o como se fosse bagaço de cana. Foi uma morte estúpida,, bárbara, brutal, com todos os requintes de selvageria! É assim que o grandes deste mundo fazem com os pequenos! É assim que os ricos fazem com os pobres: fazem deles bagaço de cana.

- Os primeiros culpados dessa morte estúpida são os mandantes e o executor. Para eles exigimos da justiça e a pena máxima: 30 anos de cadeia e pensão vitalícia para a viúva e para os filhos menores.
Só assim poderão obter o perdão de Deus, através da viúva o dos 6 filhos menores.

II – Mas a morte de Luís não é um fato isolado: é o resultado de um clima da violência, de terror, de dominação política, implementado, há um século, em Casa Nova.
a) Esse clima de violência e terror tem aumentado, desde 1980, quando surgiu o conflito de terras, em Riacho Grande, porque famílias influentes daqui de Casa Nova venderam para empresa Camaragibe mais terras do que tinham, encurralando 53 famílias.
b) Esse clima de violência e terror continua, na Comunidade de Alagoinhas, com um poderoso de Casa Nova, que nem mora aqui, mas quer tomar a terra do lavrador Aleixo! Aleixo já passou 18 dias na cadeia de Casa Nova.
- No caso do Aleixo, houve também a história de um carro que deu uma batida em sua mulher, assentada à beira da estrada, provocando-lhe um aborto. Um carro matando, estupidamente, uma criancinha inocente!
c) Houve mais um caso – do lavrador Gabriel – derrubado de sua bicicleta por um carro!
Vejam, meus irmãos, o contraste: bicicleta é a condução do pobre; automóvel Brasília, é a condução da classe média, do ricos! Em Casa Nova, o automóvel está sendo usado para matar os pobres!
d) Esse clima de violência na eleições do Sindicato com participação dos políticos.
e) A morte de Luís é os resultado dos programas, violentos e rancorosos, que a CNTU faz, todos os Domingos, no Rádio.
f) A morte de Luís é o resultado daquelas reportagens, mentirosas e caluniosas, do jornalista de “A TARDE”, da sucursal de Juazeiro, sobre a Comunidade de Amalhador, em setembro passado. Aquelas reportagens falavam de agitação no interior de Casa |Nova; falavam de fanáticos de um Novo Pau de Colher, de uma nova Guerra de Canudos; falavam de uma lista negra para matar autoridades de Casa Nova.
Tudo isto veio justificar, legitimar a morte “matada” de Luís. Matando o Luís, os poderosos de Casa Nova julgavam que estando matando um fanático de um novo Pau de Colher, de uma nova Guerra de Canudos. Queriam o sangue de uma vitima e aí está o sangue de Luís!
- D. Frei Bartolomeu de Las Casa: “Pobre é que morre antes do tempo, tem a vida encurtada”.

Missa na frente da igreja
A missa pelo lavrador Luís Nunes, em frente à igreja paroquial de Casa Nova

 

III A morte de Luís é, por fim, o resultado do sistema sócio-económica, político e cultural, implantado no Brasil:
a) Sócio-econômico: que produziu a maior crise econômica da História do Brasil! Os banqueiros do FMI já fizeram a conta dos milhões de brasileiros que vão morrer: morte planejada.
- A seca do NE com 3 milhões e 500 mil mortos
b) Político: sem a participação do povo.
c) Cultural: os valores da nossa cultura, os valores cristãos destruídos.
- em lugar deles: a corrupção, os grandes escândalos, as grandes negociatas, a compra de votos no Colégio Eleitoral por milhões de cruzeiros.

IV Conclusão
Queremos uma nova sociedade: justa, fraterna, igualitária, participativa.
- Participação dos bens: terra: Reforma Agrária
- Único caminho: união e organização dos pobres.
- Vós todo sois irmãos (Mt. 28,8)
- Vim para que todos tenham vida … (Jo. 10,10)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 


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