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"Corremos o risco de viver coisas parecidas", diz religioso ao lembrar os 80 anos do Massacre de Pau de Colher

Embaixo de um pé de juá, o Bispo da Diocese de Juazeiro, Dom Beto, lembrou que “aqui é um lugar para rezar e no silêncio lembrar das pessoas que morreram”. Os que morreram a quem ele se refere são as vítimas do Massacre de Pau de Colher, ocorrido em 1938 no município de Casa Nova – BA.

A celebração marcou a 16ª Romaria de Pau Colher, realizada todos os anos no dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, santa católica que conta com a devoção de sobreviventes do Massacre moradores/as da comunidade, que fica a 98 km da sede do município.

Para lembrar os 80 anos do episódio que assassinou mais de mil pessoas em Pau de Colher, a Romaria foi organizada pela comunidade com o apoio da igreja. A programação teve início com caminhada partindo do local onde se preserva a memória do Massacre, uma área em meio Caatinga onde se encontra cruzes e marcas das sepulturas coletivas, local também onde conta-se que estava situada a residência de Senhorinho, um dos líderes do Movimento social, político e religioso abafado pela historiografia oficial.

O Juazeiro, ponto de chegada dos/das romeiros/as, era o local onde acontecia uma Feira, ponto de encontro e comércio dos cerca de quatro mil habitantes que Pau de Colher chegou a ter. Além disso, a Feira atraía pessoas das redondezas, como afirma moradores/as da região que tem valorizado a memória deste acontecimento recente na história do sertão baiano.

Para Valério Rocha, liderança das comunidades Fundo de Pasto de Casa Nova, celebrar esse momento é importante porque o Movimento de Pau de Colher foi “o início da luta pela sua sobrevivência e também o pessoal se manifestando pra ter autonomia própria das comunidades, porque antigamente os coronéis era que mandava”. Na sua opinião, Pau de Colher foi “uma das comunidades que resistiu, não aceitou a opressão e se organizaram para fazer a luta. O Estado na época não aceitou e teve todo esse desastre”, contextualiza Valério.

Ao citar alguns aspectos presentes no Movimento e dando exemplos semelhantes como o arraial do Belo Monte, em Canudos (BA), Dom Beto disse que “apoiar todas as experiências comunitárias é fazer a memória de Pau de Colher”. Ele também lembrou que “corremos o risco de viver coisas parecidas”, referindo-se ao momento de retrocesso que o país vive e que pode vir a desencadear em movimentos semelhantes de organização popular e, consequentemente, haver repressão.

O bispo também ressalta a necessidade de união e fraternidade e foi com esse propósito que após a celebração a comunidade realizou um almoço coletivo, além de alimentar a alma com músicas populares animadas com violão. Uma das organizadoras, Maria Solidade Tolentino, destacou o envolvimento das comunidades, paróquias e pastorais nesta edição da Romaria. “É através disso que a gente vai relembrando o que aconteceu, os jovens vai aprendendo (...), isso é uma aula, cada uma Romaria que passa a gente vai aprendendo cada vez mais”, comenta.

Uma romeira que aproveitou o evento para vender lanches, Dona Raimunda Rodrigues, diz que nasceu na comunidade e morou lá até se casar. O que ela conta da história é o que ouviu de familiares, a exemplo de sua mãe que precisou correr pra não ser vítima do massacre. Apesar de dizer que não sabe ao certo o que motivou o massacre ou a “guerra” como ela descreve, ela se refere ao momento celebrativo com satisfação. “É linda essa Romaria, é falada”, avalia ela entusiasmada e citando que as pessoas “ver contar os ‘causos’ (…), de todo lugar vem gente filmar.
Memória

Conforme pesquisas acadêmicas e livros que já foram escritos sobre essas revoltas ocorridas no Semiárido brasileiro, além de relatos de sobreviventes, as motivações destes movimentos era a insatisfação com o sistema político que oprimia e explorava as famílias pobres que viviam basicamente da Caatinga.

O trabalho de reconhecimento da história local, porém, ainda é muito tímido nos municípios que foram palco destes fatos históricos e na região de modo geral. É comum o desconhecimento por parte de moradores, sobretudo jovens. Educadores também pouco se apropriam da história local e isso, de acordo com Valério Rocha, decorre também do fato de muitos/as professores/as que atuam nas comunidades não pertencerem as mesmas.

Apesar disso, é possível apontar algumas iniciativas que vem instigando crianças e jovens a se apropriarem da história, como é o caso de algumas escolas de Casa Nova que estão começando a realizar trabalho de pesquisas nas próprias comunidades. Com a intenção também de promover o conhecimento da história que não aparece no livro didático, o Projeto Pró-Semiárido, do Governo da Bahia, ofertou livros sobre o Massacre de Pau de Colher a quem integra o projeto Jovens Comunicadores, o que instigou o Coletivo Carrapicho Virtual a participar desta edição da Romaria e buscar detalhes a respeito do que leu no livro, além de produzir conteúdo para divulgar na internet.

Hoje, com as políticas públicas que chegaram até as comunidades rurais, é possível ter assegurados direitos básicos como acesso a água, alimentação, escola, comunicação, apesar de conviver ainda com ameaças frequentes do modelo capitalista que prioriza a ascensão econômica de uma minoria em detrimento da preservação da natureza, cultura e memória do povo.

Texto e fotos: Comunicação Irpaa 


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