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Um SER_TÃO cheio ...


Por Jamielle Dantas*


... de desejos, de sonhos, de bondade e de cafés sempre quentinhos na mesa. Nessas minhas visitas nos interiores das “pessoas”, que o IRPAA a mim confiou e oportuniza-me cada dia viver, vou descobrindo o que há muito eu já sabia: - O sertão é o meu lugar!

Numa casa de taipa, de tijolos queimados, ou de barro molhado com o suor do rosto não moram reclamações, nem tão pouco egoísmo. Pelo contrário, a porta que se abre dos dois lados e uma janela que faz sair o aroma do cafezinho de qualquer hora que a gente chegue mostram-me o quanto é bom morar por aqui.

Um “ôh de casa” acompanhado de mãos juntas fazendo som de palmas traz a agradável recepção do “oi de fora, pode entrar”. Não vá ligando pra bagunça, mas se acomode como se aqui fosse a sua casa, e bem no fundo a gente sente que é. Um abraço de “que bom que você tá aqui” que demora tanto por ser tão bom e a gente não querer soltar, nem querer ser solta, para não perder o abrigo, sabe? Um sorriso de quem quer tanto que a gente seja parente por tantas vezes que nos perguntam “tú é filho de quem?”

Um sofá daqueles que só cabem um, forrados com paninhos que juntos na costura daquela máquina de manivela formaram um novo, cheio de cores, e uma almofadinha que de “fuxico em fuxico” entrelaçam-se em uma conversa que vai até a hora que a gente não vê passar ficam ali nos convidando a “sissentar”.

Na cozinha o fogão de lenha fazendo som quando as galhas que dançam em cinzas se acendem embaixo da panela preta que tem feijão cheiroso com folha de louro dentro. Tipo comida de vó. E como é bom comida de vó, e como é bom avó, aah, vó, que saudades!
Quartos, muitos quartos, agora vazios, mas cheios de cheiro de saudade, que viram lágrimas quando lembram da vontade de querer que todo dia seja semana santa, pra que a casa fique cheia e aqueles quartos diminuam.

Vamos nos sentar. Vamos voltar para as histórias que ela tem satisfação em contar pra gente. Tanta história que seus cabelos agora brancos vão clareando nossa mente na viagem que ela nos faz fazer, lembrando de quando era bem moça e gostava de pintar. E de plantar. E de colher. Mesmo a vida lhe dando um balde de água pra carregar, ele não pesava mais que seus sonhos dentro da cabeça. Sonhos muitos não vividos, mas só por terem sido sonhados valeram a pena. Há sonhos que nasceram só para serem sonhos, não é? Como o meu em ser passarinho, mas isso é letra para outra linha de texto [risos].

Pois bem. É uma satisfação sem tamanho ir a um lugar onde ninguém aposta que alguém possa sobreviver e ver que há vidas que não sobrevivem, mas vivem! Vivem de chinelos que fazem barulho no meio da casa, vivem de lenço na cabeça para proteger um pouco a quentura do sol, vivem embaixo de cabras para ter leite bom e sadio, vivem cortando palmas apesar de só ter uma perna, mas a criação não pode ter fome apesar do seu dono não ter mais condições de andar até eles. Vivem com os filhos que os deixaram para irem buscar “vida melhor” no sul, mas que fazem falta quando o sol vai se pôr e eles não estão na rede do quintal para beber café e admirar essa maravilha de ter um céu inteiro e laranja colocando o sol para dormir, só pra gente! Só aqui!

A gente nem quer ir embora. Nem dá vontade! Até porque ainda tá cedo, né? Mas - até mais dona Sinhá, - fique bem seu Joãozinho. Obrigada pela benção, pelo café e pela prosa. Obrigada pelo dia de lição por reclamar tanto da minha falta de tempo. Ele me mostra que eu não faço nem metade do que o de vocês é capaz de me mostrar.

É um SER_TÃO encantado! É um SER_TÃO vivo! É um SER_TÃO lindo.

Que chova por aqui. Que chova por lá!
Que chova os meus olhos de alegria toda vez que eu puder ganhar inspirações assim, como essa de dias tão bons, dias tão merecidos.

 

 

* Colaboradora do IRPAA - Técnica do Projeto de Assessoria Técnica para e Extensão Rural para Mulheres.

 

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