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Convivência com o Semiárido é tema de Entrevista no Jornal Travessias

Convivência com o Semiárido é tema de Entrevista no Jornal Travessias

Na edição de agosto de 2019 do Jornal do Comitê da Bahia Hidrográfica do Rio São Francisco,  "Travessia: notícias do São Francisco", foi publicada entrevista com Johann Gnadlinger, assessor do Irpaa, sobre a Convivência Com o Semiárido. Na entrevista, Johann aponta os caminhos, desafios e história da proposta da Convivência, além de pontuar a importância da preservação da Caatinga para a vida no Semiárido. Um dos aspectos frizados pelo assessor foi tocante a importância das políticas públicas para a garntia do bem viver na região e os desafios dos povos frente as políticas descontextualizadas com a realidade local.  Reproduzimos a seguir a entrevista completa. 

 

Johann Gnadlinger

Vivendo há 42 anos no Brasil, em Juazeiro (BA), o austríaco Johann Gnadlinger possui mestrado em pedagogia pela Universidade de Salzburg, Áustria, e em Environmental Management pelo Imperial College, Londres, Inglaterra. Desde 1991, trabalha na ONG Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) que se dedica a aperfeiçoar e divulgar o conceito da convivência com o semiárido. Foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Captação e Manejo de Água de Chuva (ABCMAC), realizou pesquisas sobre diferentes sistemas de captação de água de chuva e está engajado na promoção destas tecnologias em comunidades rurais no Brasil e no exterior. Johann é membro do/CBHSF e compõe a Câmara Técnica de Planos, Programas e Projetos (CTPPP).
Como as populações do semiárido brasileiro convivem com a seca?
As populações tradicionais do semiárido ganhavam a vida coletando madeira, mel, plantas medicinais e frutas silvestres, sem prejudicar a vegetação nativa. Isso começou a mudar com a chegada dos portugueses que para implantar a criação de gado começaram a desmatar a Caa­tinga e plantar capim, que não era resistente à seca. Por isso, chamaram o semiárido de sertão, palavra que originalmente vem de deserto. Até hoje, a caatinga não recebe seu devido valor. Por isso, o IRPAA começou a atuar junto às co­munidades locais e aprofundar a convivência com o clima, estimulando a captação de água de chuva em cisternas e barreiras trincheira, a criação de animais de médio porte, valorizando a caatinga para alimentação dos animais, en­sinando técnicas de plantio não agressivas ao solo, como curva de nível e o aproveitamento sustentável da caatinga com o beneficiamento de frutas como umbu e maracujá da caatinga.
Faz sentido combater a seca ou seria mais adequado construir políticas pú­blicas voltadas às populações que vivem nessa região?
A caatinga é o bioma que está adaptado ao cli­ma no semiárido. A seca pertence a este clima como a neve ao clima frio da Europa. O que existe é uma falta de conhecimento sobre a realidade climática da nossa região e, em con­sequência, o que se pode plantar ou criar. A so­lução é aprender a conviver com o semiárido, aprendendo sobre as tecnologias disponíveis e como produzir de maneira apropriada.
O que tem impedido o desenvolvimento social e econômico do semiárido?
O semiárido foi "desenvolvido" por interesses de fora, começando pelos portugueses e conti­nuando pelos interesses do litoral e do centro econômico do país. Muitos que vivem na região não tem acesso à terra e à água. Para a EMBRAPA Semiárido, uma propriedade de sequeiro no semiárido necessita de pelo menos 100 hectares de terra para ser viável, sendo a atividade principal a criação de caprinos e ovinos e o uso sustentável da caatinga, o que é totalmente diferente do manejo de uma área irrigada com a água do rio. Assim, deve-se garantir às famí­lias um tamanho de terra adequado às condi­ções de semiaridez. Por isso, precisa-se fazer o reordenamento fundiário para adequação do tamanho da propriedade às condições climáti­cas do semiárido; quanto menos chuva e água, maior a propriedade.
No que consiste o Recaatingamento e de que forma ele pode ser uma solução para os problemas enfrentados no semiárido?

O Recaatingamento é uma proposta sobretu­do para recuperação de áreas devastadas e é um processo mais complexo, pois inclui am­plas medidas educativas e aprofundamento em conhecimentos sobre a natureza. Não se trata simplesmente de cercar uma área e plan­tar mudas. É todo um processo de recuperar o bioma. Só funciona quando em parceria com comunidades tradicionais e a agricultura fami­liar. Recaatingar é importante, pois a caatinga é fundamental para garantir a regularidade da temperatura, das chuvas e a fertilidade do solo do semiárido.
Que políticas públicas são necessárias para garantir o desenvolvimento social, econômico e ambiental do semiárido?
Já existem leis estaduais de convivência com o semiárido na Bahia e em Pernambuco e deve­mos retomar o trabalho por uma Lei Nacional de Convivência com o Semiárido. Temos, no Plano Plurianual da Bacia do Rio São Francisco, o Eixo IV - trabalhar pela Sustentabilidade Hí­drica do Semiárido com propostas para o uso de água de chuva, a implantação de energia solar e o planejamento para as mudanças cli­máticas nas comunidades rurais. Depende da vontade política de implantar estas propostas.
É possível conviver com o semiárido?
Sem dúvida! Uma prova é que na estiagem de 2012 a 2016, quando em vários lugares choveu somente 30% da média, a caatinga se recupe­rou. Não há registros de mortes por inanição, nem o fenômeno das grandes migrações, nem frentes de emergência e muito menos saques nas cidades do semiárido. Graças a Associação de Entidades do Semiárido (ASA) aprendeu-se com a captação da água de chuva, o manejo da caatinga, a criação de animais resistentes à seca, assim por diante. Mas tem um porém: ve­mos com grande preocupação a volta das polí­ticas do "combate à seca", e a eliminação dos programas de convivência com o semiárido.

Texto e foto: Luiza Baggio
 


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