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"Na semana do meio ambiente, não temos o que comemorar", afirma Maria Emília Pacheco, integrante da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA)

 Pesquisadora defende políticas agroecológicas de convivência com o Semiárido e equidade de gênero, como alternativas à prevenção de novas pandemias, crises sanitárias cujo surgimento tem ligação direta com o agronegócio, e para a promoção da segurança e soberania alimentar

Para a região semiárida, este ano, mais do que nunca, o Dia Mundial do Meio Ambiente lança luz sobre o debate envolvendo o agronegócio, que a partir da destruição de habitats naturais e de ecossistemas, que atuam como barreiras contra os vírus, tem relação direta com o surgimento de pandemias nas últimas décadas; e a agroecologia, que, por outro lado, promove a preservação e a diversificação da agricultura.


Somado a isso, tem início a Década da Restauração dos Ecossistemas, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o objetivo de estimular esforços na direção da restauração ecológica. Considerando ainda um futuro pós-pandemia que, no Semiárido, terá o legado do aumento da fome e o desmonte das políticas de convivência com a região, a integrante da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA), Maria Emília Pacheco, afirma: “a agroecologia é a alternativa para hoje e para o futuro”.


No que se refere à fome, ainda segundo Maria Emília, a agroecologia é eficiente porque “incorpora a perspectiva da segurança alimentar e trata o alimento como patrimônio e não como mercadoria”. Sobre a perspectiva da convivência, a agroecologia estrutura práticas de estoque de água, de forragem, de sementes, tendo as mulheres como protagonistas e a organização popular como mola propulsora. A pesquisadora define esta forma de atuação como “Agroecologia do lugar” .

Pandemia da Covid-19 e agronegócio, uma relação íntima - Os impactos do agronegócio voltado, especialmente, para a produção de alimentos industrializados, ganharam ênfase com a pandemia da Covid-19. A agropecuária extensiva, que tem por base a criação, em confinamento, de animais da mesma espécie, a destruição da biodiversidade, que possui animais e outras espécies hospedeiras de vírus, atuando como barreiras de contaminação humana; e a expansão das fronteiras agrícolas com base na ampliação das áreas de plantio e no uso de agrotóxicos, ocasionaram várias epidemias nas últimas décadas.


A atual crise sanitária, que afeta a população de um modo geral, também cai na conta das populações do Semiárido, inclusive as que desenvolvem experiências agroecológicas. O esvaziamento das políticas de convivência com a região, que vem ocorrendo desde 2016, juntamente com a ausência de ações que dêem suporte às famílias agricultoras agroecológicas afetadas pelos efeitos da pandemia, ocasionaram a perda de renda e levaram no mínimo 3,5 milhões de pessoas na região a passarem fome, segundo o cruzamento de dados da Vigisan com outras pesquisas.


“Na semana do meio ambiente, não temos o que comemorar! É tempo de protestar e de propor a reconstrução do que tem sido destruído. Políticas para o Semiárido como o Programa de Sementes Crioulas, Um Milhão de Cisternas, Uma Terra e Duas Águas, assim como o Programa de Aquisição de Alimentos e Programa Nacional de Alimentação Escolar precisam ser reativados com proposta diferenciada para as mulheres”, conclama Maria.

Agroecologia, desenvolvimento e sustentabilidade - A Comunidade Quilombola do Feijão e Posse, localizada em Mirandiba, no Semiárido de Pernambuco, alcançou o desenvolvimento coletivo por meio de um sistema agroecológico. Desde 1995, quando criaram a associação de moradores, as cerca de 60 famílias acessaram tecnologias de energia solar, hídricas, quintais produtivos, hortas comunitárias e unidades de beneficiamento, fogões agroecológicos e iniciaram a coleta e tratamento do lixo.


Essas tecnologias garantiram soberania e segurança alimentar. Segundo a professora e uma das lideranças locais, Mazé Souza, não era comum nas refeições terem verdura, cenoura, batata, couve e repolho. Após o acesso às tecnologias de armazenamento de água, a comunidade “passou a se alimentar melhor”. Algum tempo depois, passaram a comercializar a produção em feiras agroecológicas, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), chegando a atender 22 municípios, e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).


Grande parte desses resultados é fruto de práticas ambientais que construíram uma relação harmônica entre a comunidade e a Caatinga. “Frutíferas da Caatinga, como o Umbuzeiro, a gente já preserva mais, porque antes a gente tirava a cafofa, que é a raiz que armazena água, e a gente retirava ela para fazer cocada. Hoje, a gente não utiliza mais, porque, na época de seca, ela vai sobreviver daqueles reservatórios de água. A quantidade de pássaro que você não via, hoje, você vê, porque tem mais água perto, ” elenca Mazé.


Com o fogão agroecológico, a comunidade também deixou de caminhar léguas para retirar madeira para cozinhar, pois a tecnologia funciona com gravetos de plantas mortas e até bagaço de coco. Após adquirir um trator, os/as jovens da comunidade adotaram a coleta, a reciclagem, que é mais uma fonte de renda, e o tratamento do lixo. No ano de 2012, as mulheres da comunidade produziram e plantaram cerca de 5 mil mudas nativas, a exemplo do Pereiro, Angico, Umbu, entre outras, com foco na reconstrução do bioma.


Já no fim da nossa conversa, Mazé fez questão de enfatizar que o sistema agroecológico, junto com os cuidados de higiene, favoreceram a proteção da comunidade durante a pandemia. Dentre os/as 300 moradores/as, até o momento, não foi registrado nenhum caso de Covid-19. A quilombola acredita que a alimentação saudável e diversificada, livre de agrotóxicos, fortalece a imunidade das famílias locais.


A agroecologia e a Década da Restauração dos Ecossistemas - A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o período entre 2021 e 2030 como a “Década da Restauração dos Ecossistemas”. A Agenda tem por objetivo mobilizar esforços na direção da restauração ecológica dos ecossistemas dos biomas. Neste universo, cabe um olhar atento para a Caatinga, bioma que predomina no Semiárido. Dados do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) apontam que 39,97% do bioma está ocupado por atividades agrícolas e de pastagens.


O levantamento ainda aponta que mais de 43,5% das Áreas de Preservação Permanente (APPs) estão ocupadas, de forma ilegal, com atividades agrícolas e de pastagem. Por determinação legal, estas áreas, que normalmente estão localizadas em encostas e margens de cursos hídricos, devem ter cobertura vegetal. Ainda segundo a pesquisa, que abrangeu cerca de 60 milhões de hectares nos estados do Nordeste e do Norte de Minas Gerais, ou seja, toda a faixa semiárida brasileira, 20% de todo bioma está em processo ou é vulnerável à desertificação.


Na relação agroecologia, recuperação da Caatinga e Década da Restauração dos Ecossistemas, a integrante da ANA, Maria Emília, defende um olhar crítico para algumas alternativas apresentadas como solução ambiental, a exemplo da “Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade”, de 2010, que consiste em “soluções de mercado para enfrentar os problemas ambientais, atendendo aos interesses do agronegócio, assim como de empresas de outros negócios”.


Esta diretriz propõe a disseminação, por exemplo, das estratégias de Pagamentos por Serviços Ambientais, fundos e commodities, que, como complementa Maria Emília, “atendem aos interesses dos tomadores de decisão na proposição de instrumentos de mercado”. O desafio de pensar a restauração dos ecossistemas, conclui a pesquisadora, passa pelo respeito aos modos de vida e pela justiça socioambiental.


“Precisamos reafirmar nossa convicção de que a proteção ao meio ambiente está intimamente relacionada à proteção dos direitos difusos e coletivos e que envolve a proteção dos modos de vida e dos comuns e a busca da justiça socioambiental”, enfatiza Maria.

Texto: Adriana Amâncio - Asacom/ Foto: Ana Lira e Acervo Jornal Brasil de Fato


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