IRPAA - Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada

Viver no sertão é conviver com o Clima

Formulário de Busca


Notícias

Juventudes discutem soberania popular na mineração em 3º Módulo do Curso de Jovens Lideranças, durante encontro estadual do MAM, realizado em Salvador-BA

Juventudes discutem soberania popular na mineração em 3º Módulo do Curso de Jovens Lideranças, durante encontro estadual do MAM, realizado em Salvador-BA

Entre os dias 14 e 17 de junho, Salvador sediou mais um módulo do Curso de Formação Continuada de Jovens Lideranças para a Convivência com o Semiárido. O evento contou com a participação de 20 jovens de Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto, Ribeirinhas, Indígenas e Quilombolas dos territórios Sertão do São Francisco, Itaparica e Piemonte Norte do Itapicuru.

Realizado durante o 1º Encontro Estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM-BA), nas dependências do Centro de Treinamento da extinta Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrário (EBDA), que teve como lema "Debater, unir e organizar, por um modelo mineral soberano e popular", o encontro foi marcado por debates, reflexões, atividades culturais e encontros entre diversos povos de comunidades tradicionais de toda a Bahia.

Diante de uma programação extensa e repleta de atividades, as juventudes do curso avaliaram o módulo de forma positiva, tendo em vista que este foi a primeira vez, na dinâmica do curso, que uma das etapas foi realizada fora dos territórios onde esses jovens residem. Confira as atividades do evento.

O modelo da mineração é incompatível com a vida

A abertura do 1º Encontro Estadual do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM-BA) foi marcado pela pluralidade de ideias e pelas organizações críticas ao atual modelo de exploração dos minérios.

A partir do tema central, “Os desafios estratégicos para a construção de soberania popular na mineração”, os debatedores da mesa contextualizaram o cenário alarmante de desrespeito à legislação ambiental e violações aos direitos nos territórios atingidos pela mineração no estado da Bahia, que está entre os três estados brasileiros mais minerados, ficando atrás apenas do Pará e de Minas Gerais.

Na ocasião, foram expostos ainda dados sobre as transformações destrutivas dos ecossistemas, riscos à saúde dos moradores do entorno das atividades e violações trabalhistas das empresas. O encontro é a culminância de um processo longo com os territórios, que envolveu debates nas comunidades e levantou problemas e soluções. “Aqui estamos unificando pautas que já estão em andamento. O outro objetivo é articular um projeto de soberania na mineração societária”, resumiu Simone Jesus, que integra a Direção Nacional do MAM – BA e ficou responsável pela abertura da mesa.

“O modelo da mineração é incompatível com a vida. Na América Latina como todo, mas na Bahia ainda mais, porque a gente tem essa característica do semiárido, que é uma contradição muito grande com o modelo de mineração, a forma como usam a água, que é uma distância muito grande do que as populações usam”, aponta Simone que acredita que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que as comunidades possam conviver com o minério.

Já Charles Trocate, que faz parte da Diretoria Nacional do MAM- PA destacou em sua fala que a situação de exploração predatória não é novidade no país, mas que as táticas são sempre atualizadas, o que exige dos movimentos sociais uma renovação constante. “Atualmente estamos sendo tomados pelo discurso de mudanças por causa da crise climática, mas a rotina capitalista continua a mesma: extrai, transforma, consome e descarta. O que chamam de rolagem perpétua. Por trás dessa rotina está o Estado que objetifica, científica e precifica a natureza”. Para ele, é muito importante evocar a regulação da natureza sob uma ótica que não seja nem a do Estado, nem a dos exploradores. “Essa luta inclui várias outras como o controle popular do mineral, a oneração dos minérios”, exemplificou.

Beni Carvalho, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), levantou a problemática da evasão dos minérios brasileiros através da exploração de empresas estrangeiras instaladas no território nacional que reproduzem a lógica “primário/exportadora” que leva o lucro para fora do país, mas o passivo ambiental fica com o povo brasileiro. Em sua fala, ele também contextualizou que a origem do problema do minério tem bases no colonialismo. “Apenas o povo, a classe trabalhadora é que pode derrubar esses interesses pela soberania popular”.

Abertura da programação cultural

A Trupe de Teatro Dobradores de Arte, vinda de Caetité, abriu a noite cultural com um espetáculo composto por várias apresentações temáticas, que abordavam as relações dos territórios com a água, a terra e os empreendimentos minerários, trazendo o teatro como mecanismo reflexivo e a possibilidade de observar, de sentir, de imaginar, de criar e de estabelecer relações sociais e culturais com a comunidade. Fechando a noite, o cantor Mateus Zingue, de Capim Grosso, região norte da Bahia, animou a noite e botou o povo para dançar ao som de ritmos do forró.

Em outro espaço do evento foi aberta a exposição fotográfica Quantas Toneladas Exportamos? Uma jornada visual pela mineração, exploração, resistência e agricultura familiar, da fotógrafa Ione Rochael. A mostra trouxe em imagens um testemunho vivo da resistência e busca incessante na defesa dos territórios e por justiça social contra as mazelas causadas pela mineração no estado da Bahia.

Violações na prática

Conforme Relatório Anual de Conflitos da Mineração no Brasil de 2022, publicação do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil e do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, a Bahia é o quarto estado com conflitos ligados à exploração mineral. A relação fica ainda mais perigosa quando se trata de territórios e comunidades quilombolas, que represam 25% das ocorrências, o que representa quase 50 mil pessoas ameaçadas.

Maria Cleide Souza é moradora do distrito de Guirapá no município de Pindaí que convive com a prática danosa da mineração há quase 20 anos. Ela participa das atividades do MAM por reconhecer que a causa é necessária para que a comunidade e o ecossistema também possam ganhar. “Desde quando a Bamin chegou no território a nossa vida mudou pra pior, minha família foi deslocada, não temos mais saúde, a indenização foi insuficiente e não conseguimos mais ganhar dinheiro com nosso trabalho”. Segundo o relato de Cleide a insatisfação é compartilhada com os outros moradores, pois a empresa chegou fazendo promessas de prosperidade e não cumpriu nenhum dos acordos e promessas.

Esta primeira edição do encontro foi articulada para compartilhar os desafios da luta do povo na mineração, além de fortalecer a unidade e cooperação entre as populações afetadas, entidades parceiras e a sociedade civil e visibilizar o debate do avanço da mineração no estado.

Nós precisamos minerar, mas precisamos também cuidar

As discussões no segundo dia do I Encontro Estadual do MAM na Bahia, começaram com análise de conjuntura, ação que os movimentos sociais realizam a fim de contextualizar as bases sobre os debates da organização e quais agentes são implicadores. A mesa foi composta por Léia Nascimento, direção nacional da Consulta Popular, Horácio Araoz, cientista político, sociólogo e professor, e também por Mateus Brito, direção estadual do MAM – BA.

Permeada por temas como organização da classe trabalhadora, papel da juventude nas lutas sociais, necessidades de mobilização e a influência de culturas hegemônicas nas vivências dos povos, a mesa trouxe importantes pontos sobre a necessidade e urgências a serem pautadas pelo movimento e demais organizações sociais. De acordo com o grupo de pesquisadores Geografar, a Bahia tem aproximadamente 90 municípios com conflitos provocados pela mineração.

Dentre as pontuações no debate, Leia Nascimento ressaltou que as ações de recuo estratégico não devem ser vistas como sinal de fraqueza, mas uma oportunidade para repensar e fortalecer as estratégias de luta. “A derrota não significa que estamos acabados, só precisamos recuar. Recuar não é paralisar, é pensar novas estratégias para avançar”.

Civilização x barbárie

Na continuidade das discussões o professor Horácio Araoz, da Universidade de Catamarca, da Argentina, trouxe para a mesa a questão da mineração como algo intrínseco a formação das civilizações, mas que no atual viés produtivo em que se pratica, se apresenta essencialmente como potencializador de um sistema de produção oligarquista, ou seja, muito poder na mão de poucos, com ênfase para as atividades de exploração. Na contrapartida, o modelo de mineração reproduzido no Brasil é agente gerador de desigualdades sociais e impactos imensuráveis ao meio ambiente. “Nós precisamos minerar, mas precisamos também cuidar. Cuidar e explorar são os limites que diferenciam o que é civilização e barbárie”, explicou.

Finalizando a primeira parte da mesa, Mateus Brito sublinhou a importância da mobilização da classe trabalhadora para resistir aos projetos que despojam as comunidades de seus territórios. Esse problema está expresso na concentração de poder, e isso impacta os processos de desmobilização da luta, reafirmando a relevância da realização do I encontro estadual com a urgência para trabalhar as ações de mobilização.

Para que esse projeto soberano na mineração seja concretizado é preciso da classe trabalhadora mobilizada. Se nós estivermos mobilizados, esse projeto minerário não consegue ser implantado”, enfatizou Matheus.

O samba é luta!

A segunda noite de cultural contou com a potência da poeta-slammer Amanda Rosa, atriz, compositora e produtora cultural de Seabra, na Chapada Diamantina. Em seguida, Daniel da Quixabeira e banda apresentaram seu o show “PANAVUÊRO”, uma simbiose entre ancestralidade diaspórica, contemporaneidade e futurismo, onde o Samba Chula de Boiadeiro, Samba Martelo se encontram com as culturas do Dub psicodélico, e com sonoridade experimental abordaram assuntos como espiritualidade, política, justiça social, na linguagem do samba do sertão.

Feirinha agroecológica

Durante todos os dias de evento, as/os participantes puderam apreciar diversos produtos da agricultura familiar, dentre estes, alguns do Território Sertão do São Francisco. Os produtos comercializados percorreram os caminhos de Taquaril dos Fialhos, município de Licínio de Almeida, passando por Cubículo, comunidade de Pindaí e Canudos, terra de Antônio Conselheiro, com produtos do Sítio Raso. Além de Curaçá, que foi representada pela Associação de Mulheres em Ação da Fazenda Esfomeado (Amafe), com geleias, doces e licores produzidos a partir de frutos da Caatinga.

É brincando e organizando que a ciranda vai construir um país soberano

No terceiro dia, durante a tarde, a ciranda do I Encontro do MAM-BA, formada por filhos e filhas de militantes do movimento, realizou uma apresentação repleta de fofura e simbolismo para a plenária. As crianças elaboraram um cartaz com palavras que representam o que elas desejam para suas comunidades. “Tolerância, paz e união, moradia e comida” foram alguns dos desejos expressados por elas. Além disso, os pequenos cantaram e entoaram palavras de ordem que renovaram os ânimos para a luta.

Cine debate

O evento contou também com a exibição do documentário “Por Trás da Poeira”, desenvolvido na disciplina de Vídeo Educativo ofertada no curso de Comunicação Social – Rádio & TV da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), tendo como objetivo discutir os impactos socioambientais causados pelo Complexo Logístico Intermodal Porto Sul (CLIPS) a partir das experiências dos moradores de Caetité, no Alto Sertão, e de moradores de Ilhéus, no litoral Sul da Bahia. De acordo com os idealizadores, o objetivo foi construir um material educativo que informe a população acerca das problemáticas em volta do CLIPS.

O projeto contou com a presença e o apoio ativo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e da Cáritas Diocesana, organizações que não apenas forneceram suporte prático e informacional, como também demonstraram como a resistência organizada pode ser uma resposta eficaz a empreendimentos prejudiciais à nossa sociedade.

Sou MAM do Sertão

A última festa cultural do encontro foi animada pela poesia e o som vindo do Sertão do São Francisco e da Chapada Diamantina. A programação foi aberta com uma apresentação do cordelista e educador Yêgo Ravel -- que também é colaborador do Irpaa, seguida pelo espetáculo "Sertões Contemporâneos", da jornalista e professora do curso de comunicação da Universidade do Estado da Bahia, Campus XXIII em Seabra, Gislene Moreira, que também atua no Observatório de Conflitos Sócio Ambientais da Chapada Diamantina. O espetáculo foi um passeio pelos novos ritmos do Semiárido, resultado de quase 20 anos de pesquisa sobre as transformações sociais, econômicas, culturais e políticas da região.

Para encerrar a cultural com chave de ouro, o grupo Semi-Áridas, um coletivo de mulheres sertanejas cantadoras, compositoras, poetas, artesãos, atrizes, artistas visuais e arte educadoras do Semiárido, subiu ao palco. O coletivo reúne multiartistas de diversos territórios e fomenta a produção artística feminina nos sertões, celebrando o sertão feminino ancestral, contemporâneo e futuro. Com músicas autorais, intervenções teatrais e muita poesia, o show literomusical foi um tributo à força feminina, evidenciando a riqueza cultural da região.

Audiência Popular na ALBA Debate os Impactos da Mineração na Bahia

Fechando a programação do evento, no dia 17 de junho, a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) foi palco de uma audiência popular intitulada “Mineração na Bahia: um Debate Urgente e Necessário”, organizado pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) com o apoio do deputado estadual Marcelino Galo (PT). O evento marcou o encerramento do 1º Encontro Estadual do MAM – BA e reuniu diversas organizações e movimentos sociais.

A audiência abordou questões centrais relacionadas à mineração na Bahia, enfatizando a necessidade de um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável. O evento destacou a importância de legislar em prol da classe trabalhadora. “Precisamos garantir que o desenvolvimento não aconteça às custas das comunidades locais,” afirmou Hilton Coelho (PSOL), deputado estadual. “É fundamental que a legislação proteja os direitos dos trabalhadores e das populações afetadas pela mineração” complementou.

Durante a audiência, foram discutidas as desigualdades na distribuição de terras na Bahia e os problemas agrários que antecedem a questão da mineração, afetando várias comunidades rurais e tradicionais. Lucas Zenha, integrante do Projeto Geografar, enfatizou que a Bahia possui mais de 680 concessões de lavra ativa e lidera em pesquisas minerais, com mais de 19 mil autorizações emitidas. Ele descreveu as áreas ocupadas por comunidades que resistem aos impactos da mineração como “territórios de vida”.

Também foi ressaltada a importância da presença popular nos espaços de decisão e criticada a falta de sensibilidade dos representantes governamentais em ouvir as demandas das comunidades. Após as falas contundentes e emocionantes de moradores de diversas comunidades baianas em conflito com a mineração, o representante da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) e o da Secretaria de Desenvolvimento Econômico apresentaram dados sobre “oportunidades minerais” no estado e os grandes lucros que empresas estrangeiras vem tendo com a exploração mineral predatória que vem desempenhando na Bahia. Nenhum deles falou sobre o que havia sido denunciado pelas comunidades anteriormente.

O modelo de mineração adotado pela CBPM que beneficia principalmente empresas internacionais, foi questionado. José Beniezio, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), defendeu um projeto cidadão com políticas públicas que incluam a regularização fundiária e o fortalecimento da educação no campo. “O modelo de mineração adotado pela CBPM favorece interesses estrangeiros, enquanto nossas comunidades sofrem com os impactos ambientais e sociais,” criticou Beniezio.

A necessidade de uma perspectiva crítica em relação às políticas ambientais, mesmo em governos de esquerda, foi destacada. Hilton Coelho enfatizou que a luta política e a presença nos espaços institucionais são essenciais para garantir avanços ambientais e sociais. Ele defendeu que as comunidades tradicionais são verdadeiras guardiãs do meio ambiente, em oposição a políticas que favorecem o agronegócio e a mineração.

Na audiência, o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), foi representado pelo Coordenador Institucional, Clérisson Belém, que destacou o apoio da organização aos movimentos, às comunidades, aos agricultores e agricultoras que constroem o bem-viver, e chamou atenção para os perigos causados às comunidades pelos grandes empreendimentos de mineração. “Não tem Convivência com o Semiárido sem falar de gente. A gente não pode falar de nenhum tipo de desenvolvimento sem falar das pessoas e o que a gente tem visto são os projetos chegando, atropelando as comunidades, o povo e principalmente os povos tradicionais (...) apesar do minério estar debaixo do chão, o povo está em cima, e não se acessa a parte debaixo sem passar por cima do chão. Primeiramente a gente precisa reconhecer isso”, pontuou.

Clérisson também registrou a ausência de algumas representações do Governo da Bahia, a exemplo da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, que não compareceu ao evento. “A gente fala tanto de Comunidades Tradicionais e a gente precisava ter a Sepromi aqui ouvindo todos os relatos que vem das lideranças do territórios porque os povos e comunidades tradicionais são os principais atingidos por esses grandes projetos”.

Outro destaque feito pelo coordenador do Irpaa foi em relação aos processos de especulação fundiária dos territórios. Ele explicou que, "quando esses projetos são mapeados, começa a especulação antes mesmo do povo saber e aí vem a grilagem. A grilagem de terra chega-se com pessoas dizendo que são donas desses territórios. Isso ocorre principalmente nas áreas coletivas, como os fundos e fechos de pasto, e entre comunidades quilombolas e indígenas que ainda não têm seus territórios regularizados. Então fica uma demanda para o estado [da Bahia] da regularização ambiental e fundiária. Isso é cidadania, isso é dignidade para os povos que estão lá nos territórios, vivendo e cuidando do ambiente. E não é produzindo alimento, mas cuidando do ambiente”, destacou.

Cristiane Ribeiro, representante de Curaçá, criticou a ilusão de desenvolvimento promovida pela mineração, que resulta em destruição ambiental e social. “A mineração destrói nossas terras e nossas vidas, e não somos consultados antes que isso aconteça”.

Allan dos Santos, de Uauá, destacou que os investimentos em grandes empreendimentos mineradores não beneficiam as comunidades locais, que acabam por suportar os impactos ambientais e sociais. Para Allan, “Os grandes projetos mineradores trazem lucro para poucos e sofrimento para muitos”.

Claudiana dos Santos, de Jacobina, ressaltou os danos provocados pela mineração em sua região, questionando o verdadeiro desenvolvimento trazido por essa atividade que compromete a qualidade de vida e o ambiente. “A mineração destrói tudo ao seu redor, e nós pagamos o preço", afirmou Claudiana.

Tawary Titiah, indígena Pataxó Hã-hã-hãe, lamentou a perda de líderes indígenas e criticou a falta de proteção do Estado, enfatizando a importância do território para os povos indígenas e comunidades tradicionais: “Nossos líderes estão sendo perdidos, e o Estado não nos protege”. Taciere Santana, representando a Chapada Diamantina, destacou os impactos negativos da mineração na gestão das águas e na economia de subsistência das comunidades locais, destacando a importância da organização comunitária para resistir aos impactos da mineração: “A mineração compromete nossas águas e nossa subsistência”.

A audiência foi concluída com a leitura de uma carta consolidando as demandas e propostas discutidas durante o I Encontro Estadual do MAM Bahia. O documento reforçou a luta por um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável para a Bahia, destacando a mobilização popular e a resistência das comunidades tradicionais como fundamentais para enfrentar os desafios impostos pela mineração e promover um futuro mais equitativo e sustentável. “A resistência das comunidades é a chave para um futuro mais justo”, declarou Simone Jesus, da direção nacional do MAM Bahia. “Juntos, podemos construir um modelo de desenvolvimento que respeite nossas terras e nossas vidas,” concluiu a militante do MAM. Confira a carta de demandas e propostas do I Encontro Estadual do MAM Bahia:


 

Carta política - Por um modelo mineral Soberano e popular

Entre os dias 14 a 17 de junho de 2024 estivemos reunidas e reunidos, aqui em Salvador, com muita animação e rebeldia realizando o 1º Encontro Estadual do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração-Bahia.

Foi sob o lema ‘’Debater, Unir e Organizar: Por um Modelo Mineral, Soberano e Popular’’ que os afetados e afetadas pela mineração na Bahia, em conjunto com uma rede de setores críticos ao modelo mineral construiu a presente carta política para demarcar as nossas reivindicações diante da estrutura e da conjuntura mineral conflituosa no Brasil e na Bahia. Diversos assuntos foram aprofundados e investigados nesta semana de pré São João na Bahia, objetivando uma maior compreensão do modelo mineral vigente e ensejando alteração profunda por um outro modelo soberano e popular.

Diante da compreensão que esse modelo mineral brasileiro e latinoamericano se apresenta como uma grande contradição, cujas trocas desiguais no mercado internacional perante a dependência econômica e política ainda vigente são decorrentes da formação social brasileira e sob forte influência e dependência econômica do capital global de países hegemônicos.

Tendo consciência da priorização e destinação das explorações minerais na pauta de exportação, muitos sem qualquer tipo de beneficiamento, e que essa atividade acarreta severas destruições aos territórios de comunidades tradicionais e camponesas, populações de bairros periféricos e até mesmo os trabalhadores do setor mineral, que são amplamente terceirizados e precarizados.

Sabendo que historicamente é consolidado que somente a organização e a mobilização permanente e ativa dos/as afetados/as pela mineração seja um instrumento que possa viabilizar resistências e favorecer uma possível reformulação da política mineral com base popular.

Frente a um Governo Federal e estadual na Bahia que venceu democraticamente o fascismo nas urnas e a indústria da desinformação e do ódio, um breve respiro democrático alcançado, eleito com discursos e intenções políticas de contribuir com os povos do campo, das águas e das florestas, o respeito à natureza e a erradicação da fome, que se reitera a necessidade do permanente diálogo e a participação e o controle popular sobre a mineração no intuito da defesa de territórios de vida e de produção de alimentos saudáveis com a preservação da natureza.

Sendo assim, diante dessa breve conjuntura apresentada que o MAM se manifesta na presente carta reivindicando pautas urgentes e já garantidas na Constituição Federal e adjacências como:

  1. Questão Agrária como primeiro e um dos principais assuntos de extrema relevância no “drama e na sangria” do território brasileiro; a regularização fundiária de terras e territórios de camponeses (acampados e assentados de reforma agrária), bem como o reconhecimento e a regularização de territórios indígenas, quilombolas, Fundo e Fecho de Pasto, Pescadores e Ribeirinhos, que são as populações que mais preservam a natureza;
  2. Segurança hídrica e preservação dos biomas como única saída para questões climáticas frente ao cenário alarmante de previsões científicas e ocorrências catastróficas percebidas no Brasil como as secas na Amazônia, intensas tempestades no sul e o avanço da aridez no nordeste brasileiro. São as comunidades tradicionais e os movimentos sociais que possuem as principais respostas e saídas para questões climáticas. A Bahia e sua vasta região semiárida necessita de atenção especial diante projetos minerais que poluem e/ou fazem uso excessivo de água em seus processos extrativos e de beneficiamentos;
  3. A urgente necessidade de ampliar e diversificar a produção de alimentos de base agroecológica e o fomento a outras formas de geração de renda em territórios impactados pela mineração na Bahia, estado marcado por forte índice de desemprego e informalidade;
  4. A atenção à Saúde, um direito universal e de primeira ordem garantidos pela luta e manutenção do SUS no Brasil, sejam priorizados em regiões onde a mineração atua com maior incidência, pois é sabido que qualquer alteração do ecossistema e os impactos ambientais provenientes da exploração mineral promovem o adoecimento humano a curto, médio e longo prazo tanto das populações que residem ao redor dos empreendimentos e dos trabalhadores/as do setor;
  5. Que a renda mineral gerada pelo setor ao extrair um bem finito e pertencente a União/coletividade brasileira seja diretamente revertida para as populações afetadas, de forma prioritária, tendo o povo a incidência nas decisões de alocação de recursos, bem como melhorando a infraestrutura local e o incentivo a diversificação das formas de geração de renda, a fim de evitar efeitos de dependência econômica exclusiva e predatória.
  6. Os instrumentos de participação e controle popular, medidas garantidas em legislações e acordos internacionais, sejam respeitados e aperfeiçoados. A luta por soberania é uma luta ativa pela garantia de direitos e no exercício da cidadania plena, conforme direitos universais. Um modelo econômico predatório que subjuga o povo brasileiro e baiano não é compatível com uma democracia que se almeja estar ao lado dos povos do campo e populações tradicionais.Desta forma, a participação e as definições do rumo que o setor mineral deverá tomar, daqui em diante, é imprescindível sem a população brasileira participando ativamente dessa escolha e processo coletivo.

Portanto, após esse rico encontro e intercâmbio de saberes e conhecimentos provenientes dos territórios baianos, com forte presença de jovens e mulheres, que o MAM torna esta carta pública expressando a nossa firmeza em lutar por um novo modelo mineral soberano e popular.

Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!

Bahia, Salvador, 17 de junho de 2024.


 

O evento, que contou com a presença de comunidades atingidas pela mineração, organizações, movimentos sociais, pesquisadores, ambientalistas, deputados e deputadas estaduais, foi uma oportunidade para ampliar o debate sobre a mineração na Bahia e buscar soluções para os desafios enfrentados por essas comunidades. A íntegra da audiência pode ser conferida no link abaixo.


 

Contexto brasileiro

Enquanto os dilemas de saúde e destruição de ecossistemas nas áreas mineradas são extensos, o Estado brasileiro concedeu, em um ano, R$ 26,29 bilhões em renúncias fiscais para mineradoras responsáveis por 776 ocorrências de violência nos territórios de 2020 a 2022.

Nove mineradoras estão entre as 100 empresas mais beneficiadas no periodo. São elas, respectivamente: Vale S.A. (2ª do ranking geral), Yara Brasil Fertilizantes S/A (11), Mosaic Fertilizantes Do Brasil Ltda (17ª), Braskem S.A. (33ª), ArcelorMittal (40), Usinas Siderúrgicas De Minas Gerais S/A - Usiminas (44), Ternium Brasil Ltda (60°), Paranapanema S.A. (66) e Mineração Caraíba S/A (95ª). Ao menos 768.723 pessoas sofreram violência em decorrência da ação ou omissão dessas mineradoras entre 2020 e 2022.

As informações sobre os benefícios tributários concedidos a cada empresa são da Controladoria Geral da União (CGU), referentes a 2021, último ano disponível para consulta no Portal da Transparência.

Já os dados de ocorrências de violência foram sistematizados por Diego Fraga, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil.

Jovens Lideranças fortalecidas

O Curso de Formação Continuada de Jovens Lideranças para Convivência com o Semiárido (CFJL) é uma realização do Irpaa com apoio do Projeto Agenda 2030, a cooperação internacional, através da Misereor, além de organizações sociais da Bahia. A formação teve início em setembro de 2023 e segue até 2025.

 

Texto e fotos: Coletivo de Comunicadores do I Encontro Estadual do MAM-BA


Veja também

< voltar    < principal    < outras notícias

Página:

Juventudes discutem soberania popular na mineração em 3º Módulo do Curso de Jovens Lideranças, durante encontro estadual do MAM, realizado em Salvador-BA

Para:


Suas informações:



(500 caracteres no máximo) * Preenchimento obrigatório




Campanhas

Newsletters

Cadastre seu e-mail para receber notícias.

Formulário de Contato





Faça sua doação


Copyright © 2005 - 2009 IRPAA.ORG Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA
Avenida das Nações nº 04 - 48905-531 Juazeiro - Bahia, Brasil
Tel.: 0055-74-3611-6481 - Fax.: 0055-74-3611-5385 - E-mail: irpaa@irpaa.org - CNPJ 63.094.346/0001-16
Utilidade Pública Federal, Portaria 1531/06 - DOU 15/09/2006 Utilidade Pública Estadual, Lei nº7429/99
Utilidade Pública Municipal, Lei nº 1,383/94 Registro no CNAS nº R040/2005 - DOU 22/03/2005