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Intercâmbio desperta para o turismo rural e a importância dos fundos rotativos solidários no Semiárido

Intercâmbio desperta para o turismo rural e a importância dos fundos rotativos solidários no Semiárido

Jovens e representantes de organizações dos Territórios Sertão do São Francisco e Piemonte Norte do Itapicuru conheceram experiências bem sucedidas de turismo rural, de articulação da juventude e de práticas de fundo rotativo solidário no estado da Paraíba. O intercâmbio aconteceu nos municípios de Areia e Queimadas, nos dias 17 e 18 de novembro.

Com mais de 600 metros acima do nível do mar, o município de Areia é conhecido também pelas atividades de preservação ambiental no Parque Estadual do Pau-Ferro, localizado na comunidade Chã de Jardim. A Unidade de Conservação foi criada em 1992, mas depois, em 2005, passou para a categoria de Parque, o que permitiu a abertura do local para visitação. São 600 hectares que abrigam uma riqueza natural fascinante que só pode ser apreciada em áreas de Mata Atlântica, de brejo de altitude.

Também em 2005 foi criada a Associação para o Desenvolvimento Sustentável da Comunidade Chã de Jardim - ADESCO, iniciada na época por um grupo de jovens ligado à Igreja Católica. Através da mobilização do grupo, e com a liderança local de uma das integrantes, Luciana Balbino, uma educadora da região, a comunidade se tornou uma importante referência quando o assunto é organização social, empreendimentos sustentáveis e turismo.

É possível observar em Chã de Jardim uma integração de atividades. Quem visita a comunidade pode participar de uma trilha no Parque, se alimentar no Restaurante Rural Vó Maria, se hospedar no Sítio Casa de Vó, consumir o picolé artesanal Vó Maria, adquirir produtos da fábrica de polpa de frutas e itens da associação comunitária de mulheres artesãs. Os dois últimos são encontrados numa bodega ao lado do restaurante, onde são vendidos outros produtos regionais. No total, 25 associados/as da Adesco, estão envolvidos/as nos empreendimentos locais, que beneficiam mais de duzentas famílias.

A guia turística e ecóloga Cristiane Ribeiro destaca essa integração. A partir das trilhas, que têm um objetivo pedagógico, para que as pessoas conheçam o bioma e se sensibilizem para a necessidade da preservação ambiental, é possível ainda observar, na prática, a possibilidade de extrativismo. “A trilha também possibilita fazer uma ligação do que a gente viu lá, como por exemplo os frutos aqui, como jatobá, macaíba. O turista vê na trilha, mas quando chega no restaurante Vó Maria ele pode fazer uma degustação, por exemplo de um picolé que é produzido a partir da macaíba, do jatobá, do cajá, que são espécies que estão presentes também na mata e nos sítios aqui da região”, pontua Cristiane.

Com criatividade, trabalho e o apoio financeiro da associação, através de um pequeno empréstimo (a partir de um fundo rotativo) para investir no seu negócio de picolés artesanais, a sócia Dailany Silva mudou de vida ao focar na habilidade natural para empreender. O diferencial? Olhar para a localidade e buscar a valorização das espécies nativas, apostando em novos sabores. Deu tão certo que hoje ela se orgulha do sucesso, já tem até uma máquina que fabrica mais de 40 picolés em 10 minutos. Mas Dailany afirma que o importante mesmo é ver a satisfação das pessoas com as sensações provocadas pelo picolé, que é oferecido para degustação.

O picolé é incluso nos serviços de guiamento durante a trilha no Parque. “Eu trago um produto que traz a lembrança para as pessoas. Então é muito massa você chegar e dar o seu produto, não por dinheiro, mas trocar por um sorriso, um obrigado, então isso é o que é legal, que eu me inspiro”. A jovem empreendedora espera ter motivado os/as visitantes que almejam implementar ideias semelhantes na nossa região. “Esse é o nosso legado, poder inspirar as pessoas a dar um estalo na mente. Não sei o produto que eles querem fazer, mas a ideia [é ir] crescendo degrau por degrau”, afirma Dailany.

A gerente do restaurante rural Vó Maria, Lucineide Balbino, destaca que o empreendimento também contribui para a transformação da realidade local. “Crescer aqui, valorizar o que a comunidade tem a nos oferecer, que nos ofereceu. Hoje a gente consegue ter a nossa renda, conseguimos criar a nossa família, resgatar outras famílias aqui pra nossa comunidade”. De acordo com a gerente, o restaurante “está fazendo a economia girar na comunidade, na nossa cidade e também é positivo porque trouxemos vários parceiros para junto de nós, agricultores, onde hoje trabalhamos com agricultura familiar”. Há 9 anos o restaurante mantém a fidelidade da compra de suprimentos de famílias agricultoras locais.


Além de gerar renda para mais de duas centenas de famílias, os empreendimentos pagam para a Adesco uma contrapartida financeira, por esta ser a proprietária da área em que os estabelecimentos estão instalados. Os nomes dos empreendimentos envolvem a figura da avó (Casa de Vó e Vó Maria) porque o intuito é trabalhar a memória afetiva, um diferencial dos espaços, que se fazem muito aconchegantes, despertando sensações e que nos remetem a uma época em que a simplicidade. “A gente lembrou muito da nossa bisavó, fez muito lembrar os momentos que nós vivemos com ela. O momento de comida, de brincadeira, de reza e a nossa ideia foi isso, para que quando as pessoas aqui chegassem, a gente pudesse fazer com que ela voltasse ao passado. Que ela lembrasse de alguém que viveu na sua vida. E a gente tem conseguido isso, a gente vê as pessoas chorarem em provar a comida, o café e dizer assim: ‘ah, isso, eu lembrei da minha vó, eu lembrei da minha mãe’. Então, a memória afetiva é isso [...] fazer com que você lembre de alguém especial em sua vida”, enfatiza Lucineide Balbino.

Todas essas experiências bem sucedidas serviram de inspiração e motivação para os/as participantes do intercâmbio. Um deles é o agricultor familiar e uma das lideranças na Comunidade Lagoa da Roça, em Campo Formoso-BA, Aderbal Nascimento. Ele afirma que já existem iniciativas na sua região nesse sentido de fazer turismo rural de base comunitária, principalmente para dar visibilidade às riquezas naturais e do extrativismo. “Trago a experiência da importância da agregação de valores e a valorização cultural da comunidade. A gente observa que tem um restaurante que valoriza a comida da região, gera renda para as famílias e aí é uma experiência interessante que a gente leva pra lá [Lagoa da Roça]. A hospedagem é um espaço no interior, na comunidade, ou seja, muitas vezes as pessoas valorizam, quando falam turismo, lembram só dos hotéis na sede do município. Não! Então, eu trago essa experiência que a gente pode sim valorizar a comunidade, levando a questão da hospedagem no próprio interior", ressalta Aderbal.

Quem também gostou de ver esses exemplos foi a integrante do coletivo Carrapicho Virtual, Roseane Santos, a qual deseja realizar na sua localidade o que viu em Areia. “Pegar algumas ideias e aplicar no Salitre, para que o nosso povo possa também estar se beneficiando com o ecoturismo, o turismo de base comunitária”, projeta. A jovem, que é estudante de Jornalismo e já atua com práticas educomunicativas, que faz uma comunicação em prol da divulgação das riquezas locais e da defesa do território, se encantou com essa ideia de valorizar artigos como panelas de barro, que remetem a uma memória afetiva. “Isso me cativou bastante”, destaca.


Fundos Rotativos

O intercâmbio também passou pela comunidade de Soares, no município de Queimadas. Lá, houve uma roda de conversa com a juventude local e integrantes da organização AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia. Na ocasião, houve troca de conhecimentos sobre temas como o engajamento da juventude em feiras agroecológicas e na luta em defesa dos territórios, frente às ameaças dos parques eólicos.

O jovem Mateus Manassés partilhou as atividades desenvolvidas na região e em sua propriedade. Ele contou detalhes da atuação na comunidade, junto à Associação dos Produtores Rurais de Soares e também no sindicato e outras entidades. O jovem fez questão de ressaltar a importância das práticas locais de banco de sementes crioulas e fundo rotativo solidário para a transformação da realidade local e o fortalecimento dos vínculos fraternos com a comunidade. “Hoje o fundo rotativo da comunidade Soares é tanto de animais, como ovelhas, porcos e galinha de capoeira, mas também financia fogões ecológicos, rolos de tela, galinheiros de alvenaria, apriscos de alvenaria, pocilga e o que for o desejo das pessoas que fazem parte”, afirma o jovem agricultor.

Um exemplo apresentado por Mateus foi de uma porca reprodutora que circula pelas propriedades dos/das beneficiários/as. No final de cada desmame, após cuidar da cria, a pessoa devolve a porca mais um filhote e fica com o restante dos animais. E isso segue com outra família após outro ciclo reprodutivo. No final todos/as ganham e fortalecem o espírito colaborativo.

As experiências com fundo rotativo em nível comunitário, em Soares e em nível municipal, em Queimadas traz o diferencial de ser amplo, mas também investe com valores monetários e não há cobrança de juros. “Hoje se uma família tiver vontade de fazer uma cisterna, uma fossa, ou uma prótese dentária, esse mesmo valor que foi pego a família devolve ao fundo, mensalmente. A gente exige uma taxa mínima [parcelas] de 50 reais, independente do valor que a família pegou, mas não quer dizer que se a família gerou mais renda ela não possa dar mais e assim terminar esse valor ‘x’ que ela pegou no início”, pontua Mateus.

 

Durante as discussões, os/as participantes tiraram dúvidas sobre o funcionamento dessas articulações para impulsionar a economia de forma solidária, levando em consideração outras questões, como o fortalecimento das associações com o engajamento juvenil e das mulheres. O Irpaa vem investindo em formações e iniciativas da juventude que possam gerar renda numa lógica de uma nova economia, principalmente a partir dos princípios da chamada Economia de Clara e Francisco.

Juventude vivendo no campo e protagonista

Esteve em debate ainda a permanência da juventude no campo, e com qualidade de vida. Mateus afirma que muitas das suas conquistas pessoais, como a carteira de habilitação, a aquisição de uma moto e viagem a passeio, foi graças ao trabalho de criação e dessa organização social e união. “A somatória de todas essas conquistas, se fosse eu Mateus sozinho, isolado no meu sítio, eu não tinha conseguido. Isso é fruto de um trabalho coletivo, que a gente vem desenvolvendo e que o Polo da Borborema vem com esse trabalho alguns anos atrás”, celebra Mateus.

O jovem destaca também a importância da troca de saberes para que ele hoje chegasse ao ponto de produzir mensalmente, por exemplo, 150 litros de leite cabra. “Eu sou fruto de um intercâmbio! Hoje eu acesso o mercado de queijo de leite de cabra, que eu dou graças a um intercâmbio que fui. Caso contrário, eu não tinha conhecido aquelas brilhantes pessoas que me ensinaram o que é fazer queijo de cabra. Não tem como a gente ser bem sucedido se a gente não tiver essa troca”, finaliza.

O coordenador do coletivo de Jovens CUC (Canudos, Uauá e Curaçá), Alan Souza, observou nessa experiência de fundo rotativo uma possibilidade para buscar a geração de renda aqui na região, que tem semelhanças com o Semiárido paraibano. “Quando você vê a experiência de que um jovem vai receber um animal, no caso deles e depois vai devolver aquele animal, depois de aproveitar a chance dele e passar para outro jovem, isso é muito interessante e chama a atenção quando a gente pensa em implementar isso em nossa região, porque são realidades bem parecidas e que também estamos nessa pauta de juventude, de animar a juventude e fortalecer a permanência da juventude no campo, mas uma permanência digna, que possa, de fato, viver com dignidade”.

A partir das visitas, Alan, que participa de associações há 4 anos, destaca a importância de trabalhar ainda mais o associativismo e buscar o engajamento dos/as jovens. “Sou o atual presidente de uma associação. Vejo a dificuldade de estar atraindo outros jovens para associações, o que eu vi diferente lá, nessas duas experiências, muitos deles acompanham desde o início, de novinho. Então já cresce com uma relação mais fortificada”. Alan Souza observa que essa é uma realidade ainda muito diferente do que acontece por aqui, no Semiárido baiano. “A gente ainda tem essa resistência por conta da juventude não saber para que serve uma associação, muitos têm na cabeça que a associação só pra você se aposentar, coisas desse tipo. Mas a gente sabe que não. O desafio é mostrar para esses jovens que associação está muito além disso e que os jovens têm que se engajar e cobrar direitos e melhorias através das associações”, conclui o jovem agricultor.

Concordando com o Alan, Roseane Santos afirma ter se despertado para ajudar a fortalecer a atuação da associação da comunidade, na região do Salitre, em Juazeiro. “Eu refleti muito isso, até então eu não era associada à associação da minha comunidade. Depois de ver a experiência da galera, de ver a galera toda empolgada falando em associação, que estava dando certo eu pensei: por que não o jovem assumir a associação, fazer um movimento legal e gerar renda para as comunidades?”, reflete a jovem do Carrapicho Virtual.

No total, 25 pessoas vivenciaram esse intercâmbio, que foi realizado pelo Irpaa. Além de colaboradores/as da instituição, a atividade contou com a participação de jovens da República do Irpaa e representantes de outras organizações ou coletivos, como a Escola Família Agrícola de Sobradinho - EFAS, o grupo Jovens da Caatinga e o coletivo cultural Galeota das Artes, de Curaçá-BA.

A coordenadora do Eixo Educação e Comunicação do Irpaa, Aldenisse Souza, enfatiza a missão da entidade, que tem como essência a educação. Ela destaca a necessidade de olharmos para a nossa realidade, buscando novos conhecimentos, a valorização dos espaços e a solidariedade, fugindo da lógica capitalista, que busca apenas o lucro. Nisse, como é conhecida, ressalta ainda a importância da troca de saberes para os/as jovens e da promoção desse despertar que acontece após conhecer novos espaços e outras práticas. “Possibilitar que os jovens, que a equipe vá visitar essas experiências e ver como que isso pode ser aplicado em nossas comunidades, claro, considerando as especificidades, é algo importante para a educação, para educomunicação, para a formação como um todo e para a Convivência com Semiárido”, destaca.

Texto e fotos: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa
 


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