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E nos caminhos abertos, seguiremos defendendo a Convivência com o Semiárido

E nos caminhos abertos, seguiremos defendendo a Convivência com o Semiárido

 A foto foi enviada pelo WhatsApp no dia 17 de novembro, após o acaso de um rápido encontro presencial. Era de um senhor de 79 anos, durante a subida no morro na Romaria de Todos os Santos. Já o relato da aventura foi feito com a empolgação de um pré-adolescente despreocupado, que encarou até neblina a ponto de pegar uma infecção. Essa talvez tenha sido uma de suas últimas viagens pelo Semiárido, se não a última.

“Abrir caminhos novos, para mim, sempre leva a novas descobertas.” Esta frase diz muito sobre essa aventura recente de Haroldo quando esteve pela primeira vez na tradicional Romaria em Monte Santo (BA). Mas, na verdade, ele mencionou isso em entrevista concedida para escrita de sua biografia, quando se referia a sua experiência enquanto criança e adolescente, lembrando o quanto passava horas abrindo o caminho repleto de urtigas e descobrindo vestígios da guerra que anos atrás havia destruído o lugar onde vivia.

Harald Schistek nasceu em Viena, na Áustria, continente europeu, há quase 80 anos, os quais completaria no próximo 13 de janeiro. Aqui no Brasil ele se tornou Haroldo, um profundo conhecedor do Semiárido, da Caatinga, um homem que fazia questão de compartilhar suas descobertas, constatações e que não se importava em palestrar com o bonezinho do Irpaa já surrado, fosse falando com doutores/as, agricultores/as ou gestores/as públicos.

Mas pouca gente sabia quem era Haroldo para além do Irpaa, um menino que nasceu em meio ao caos das duas guerras mundiais. Apesar de recém casado, seu pai foi afastado de sua mãe após ter sido convocado para servir à guerra. Passada a guerra, divorciaram, construíram novas famílias e o Haroldinho foi criado pela avó materna, uma jornalista do Caderno de Esportes, de quem herdou o hábito pela leitura.

Com a avó viveu até os 18 anos. Teve uma infância tranquila, onde pode estudar, brincar, ler bastante, descobrir coisas novas o tempo todo, ao observar a natureza e ao passar horas em uma oficina de construção de trenós. O envolvimento na igreja católica despertou uma vocação para ser padre e assim foi para um mosteiro aos 22 anos. Essa experiência o trouxe para o Brasil em uma missão, onde partiu de Salvador (BA) para o sertão, passou por Juazeiro, foi ao Piauí, seguiu para a Bahia novamente, passando por Campo Alegre de Lourdes, Remanso e depois seguindo viagem pelo Rio São Francisco até o município de Barreiras, também na Bahia. Por lá viveu toda a “fama” de ser padre estrangeiro, aprendendo muito sobre cada lugar cada vez que chegava e puxava um banco para sentar-se e perguntar sobre a vida das pessoas, da comunidade, de forma bem natural.

De volta a Salvador, o jovem religioso mudou a direção da vida, conheceu Dulce, uma jovem oriunda do município de Belmonte-BA, mas que já vivia na capital há alguns anos. Ele retornou à Europa, mas depois voltou para casar-se e deu adeus ao clero. Dulce o acompanhou para Áustria, onde o ex-padre ganhou uma bolsa para estudar agronomia. Ainda sem terminar o curso, começou a prestar serviço para a entidade alemã Misereor, o que um tempo depois o oportunizou a retornar ao Brasil para coordenar projetos sociais.

No Brasil, a pesquisa por uma grade curricular semelhante à que estudava em Viena o trouxe a Juazeiro, onde concluiu o curso na antiga Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco - Famesf, hoje departamento da Universidade do Estado da Bahia - Uneb. Seguindo como Agente de Misereor, Haroldo estreitou cada vez mais os laços com a Diocese de Juazeiro e daí rendeu valiosos frutos, como a fundação do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - Irpaa.

Lá pelos anos de 1980, ao observar miséria, fome, saques em alguns lugares do Semiárido, notícias trágicas sobre a seca e se deparar com a fartura na casa de Seu Neném no distrito de Massaroca, em Juazeiro, Haroldo contava que percebeu que havia algo errado, algo que precisava ser corrigido. Isso ele observou durante uma rodada por regiões do Semiárido acompanhando uma equipe jornalística da Alemanha. A gente até imaginava a cena quando ele contava que encontraram nesse pedacinho de Semiárido fartura na feira, animais pela Caatinga, o povo alegre tomando cachaça. Haroldo e os visitantes não entendiam qual a diferença entre aquela e as demais regiões visitadas, inclusive de outros estados, até ouvir o pessoal contar que tinham terra, preservavam a Caatinga, criavam muitos caprinos e ovinos e tinham cataventos instalado pela Embrapa que garantia água nas comunidades. Dessa viagem, Haroldo tirou a lição de que era preciso saber o que produzir, valorizar o bioma, garantir o direito à terra e às tecnologias para acesso à água para poder passar bem pelo período de estiagem.

A partir desse olhar, foi encontrando mais e mais explicações para justificar suas primeiras conclusões sobre o que viria a ser a proposta de Convivência com o Semiárido, expressão que ele anotou certa vez em um de seus tantos cadernos possuídos ao longo da vida não escolar, onde ele contava que aprendeu muito mais. Na época, já se falava em Convivência com a Seca para romper com a ideia de Combate, já que não se pode combater o que é natural, mas para ele era preciso ir além, não seria ideal conviver com a seca, mas sim conviver com o clima e com tudo que a região dispunha.

Para fundar o Irpaa, houve um trabalho de formações amparado pela Diocese de Juazeiro nos municípios de Pilão Arcado e Campo Alegre de Lourdes, onde, de forma bem simples, com desenhos e pinturas, se chamava atenção dos agricultores e agricultoras sobre o clima, as dificuldades e possibilidades, uma troca de conhecimentos que agradou as lideranças da igreja que incentivaram a ampliação deste trabalho. Dentre outros, Padre Guilherme e Dom José Rodrigues acreditaram neste caminho. Dom José, bispo de Juazeiro na época, aceitou ser o primeiro presidente do Irpaa, cargo que Haroldo assumiu em 2014 e entregou no início deste ano para dedicar-se aos cuidados com sua saúde.

A voz de Haroldo sempre ecoou no Semiárido se somando a centenas de outras, tecendo as manhãs, como os galos do poema de João Cabral de Melo Neto. Ele não perdia a oportunidade de apresentar o Semiárido a cada novo/a estudante da República mantida pelo Irpaa, ou estagiário/a que chegava na instituição, a cada visitante, a cada jornalista, às famílias que moram no Centro de Formação Dom José Rodrigues, ou Vargem da Cruz, como ele chamava. Lá também foi um dos caminhos desbravados por Haroldo, que foi a primeira pessoa a ir de carro até o local, conforme ele contava.

Sua paixão pela fotografia, pelos livros, por exemplo, queria transferir para as outras pessoas (risos). Adorava ensinar os detalhes técnicos e super chatos (mais risos) de como funciona os hardwares e softwares dos computadores, os pixels da câmera, o processo de combustão nos veículos ou da fermentação do composto orgânico, a caracterização do Semiárido ou ainda a forma correta de capturar ratos. Era mesmo uma diversidade de conhecimentos que ele conseguia compartilhar em poucos instantes numa reunião, numa palestra ou mesmo numa viagem de carro Semiárido à dentro.

Pai de Débora, que quando criança usava almofadas e brinquedos para brincar de fazer reuniões, Haroldo conversava pouco sobre a família. Tinha suas reservas quanto aos sentimentos. Nem sempre sabíamos como ele poderia reagir com partidas e chegadas. Era carinhoso e demonstrava isso quando tinha vontade, mas também sabia ser indiferente, direto e até grosso. Tinha defeitos, era humano, suas falhas desagradaram. Ser humano é tudo isso, em qualquer lugar do mundo, na Áustria ou no Semiárido brasileiro.

Agora ele fez sua viagem, não foi para a roça do Irpaa, nem para sua roça que há muitos anos adquiriu no Alto Salitre e sempre ia aos finais de semana, também não foi para nenhum intercâmbio internacional ou romaria, muito menos viajou de férias como pouquíssimas vezes fez durante os cerca de 40 anos no Brasil. Ele seguiu, talvez, para outro lugar desconhecido. Sobre isso, nada sabemos ao certo.

Haroldo tinha um sonho: chegar o dia em que o Irpaa não precise mais existir. Neste dia, a Convivência com o Semiárido será algo natural. Seguiremos trabalhando incansavelmente para que seu sonho se realize.

Gratidão ao Irpaa pelos dez anos de muito aprendizado junto a Schistek e ao carinho e acolhida que sempre tive por parte do nosso companheiro e sócio fundador, que adorava me contar as novidades que descobria no mundo da comunicação e fazer fotos quando eu aparecia com meu visual diferente (risos). Sou grata também pela oportunidade de participar da construção da sua biografia (ainda não publicada), proposta pelo pesquisador Álamo Pimentel, e assim conhecer mais sobre essa bem vivida passagem de Haroldo por este mundo.

Gratidão por sua missão entre nós, Haroldo!

Por Érica Daiane Costa - salitreira, ex-comunicadora e sócia do Irpaa, atualmente membro da equipe de Comunicação da Articulação Semiárido brasileiro (ASA).

 


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