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Memórias e sabores: apesar de invisibilizadas, as Pancs estão presentes na vida do povo do Semiárido

Memórias e sabores: apesar de invisibilizadas, as Pancs estão presentes na vida do povo do Semiárido

A agricultora Gilmara Silva, da comunidade Xique-Xique, em Remanso-BA, lembrou de um tempo em que sua mãe lhe apresentava a profecia de que um dia a palma, alimento muito comum para os animais, estaria na mesa das pessoas do Semiárido. “Ela falava bem assim: ‘meus filhos, vai chegar tempo de a gente ter que comer palma’. Na mente dela, ia chegar tempos difíceis, de a pessoa não ter alimentos e a gente ia consumir palma”, lembra Gilmara.

Parte da previsão feita pela mãe se cumpriu, mas para a surpresa de Gilmara, o consumo da palma não foi motivado pela falta de outros alimentos. “A gente tá vivendo uma situação difícil, mas graças a Deus todo mundo tem o que comer”, explica se referindo à crise econômica, ampliada pela pandemia do Coronavírus. Ao inserir a palma, que é uma Planta Alimentícia Não-Convencional – Panc, na alimentação amplia-se a oferta de alimentos nutritivos, acessíveis e há uma diversificação nos cardápios. Além disso, a presença das Pancs nas refeições é também uma forma de valorizar os produtos naturais, locais, as tradições, costumes e saberes ancestrais.

Planta resistente, rica em elementos como as vitaminas A e C e adaptada ao clima do Semiárido, a palma está em muitas propriedades da região, garantindo o contraste em tons de verde, mesmo nos tempos em que a Caatinga deixa as folhas cair para garantir a vida, pintando o cenário de um cinza que pode ser entendido na palavra sabedoria.

Na visão de Gilmara, o fato da palma ser uma cultura que produz durante todo o ano, garante a possibilidade de inserir o vegetal no cardápio até mesmo em substituição a outros, que por sua vez são mais difíceis de produzir nos tempos secos. “Vale a pena a gente investir na palma. É uma coisa que a gente tem no quintal. Durante a seca a gente não tem abóbora, nem chuchu e nem maxixe, então a gente pode sim substituir pela palma”, avalia Gilmara.

A agricultora achou o sabor da palma semelhante ao chuchu e maxixe, vegetais já comuns no cardápio das famílias do Semiárido. “Quando a gente não tiver abóbora, nem chuchu, nem maxixe, a gente pode sim fazer o quibebo com a palma, que pode botar a carne, quando terminar temperar com nata, que fica muito gostoso”, sugere a agricultora.

O sabor da palma agradou a Dona Ana Maria dos Santos, também moradora da comunidade Xique-Xique. “Eu gostei da palma. É deliciosa! A palma tem aquele saborzinho assim de maxixe, quibebo [...] Eu vou fazer mais vezes que é para eu pegar o paladar dela e botar em prática”, projeta a agricultora que acredita na fácil inserção da palma na alimentação de sua família.

A experiência de cozinhar alimentos incomuns aconteceu durante uma oficina realizada pelo Irpaa como uma das atividades do Projeto Bahia Produtiva. A temática surpreendeu outra moradora da comunidade, Dona Veronice dos Santos, que em outros tempos trabalhava como doméstica em São Paulo. Sua empregadora era uma japonesa, que sempre fazia umas saladas “diferentes”. “A Japonesa fazia a salada do bredo: cortava, picava bem miudinho, botava sal e outros temperos, aí ela comia aquela salada, mas só que eu não comia não”, conta com ar de riso a agricultora.

Apesar de conviver com o bredo desde a infância, Dona Veronice se assustou ao ver alguém comendo aquelas folhas que no Semiárido geralmente é servida apenas para os animais. “Eu falava para ela assim: tinha o bredo aqui no meu lugar, mas só que eu nunca fiz isso para comer, né?” A ideia soava tão estranha que a agricultora jamais experimentou a tal salada e se mantinha firme na ideia de comer apenas aquilo que já tinha costume. “Eu era aqui do Brasil e ela era estrangeira, comia as comidas dela, diferentes, e eu comia a minha aqui do Nordeste”, relembra.

Agora Dona Veronice recebe com mais naturalidade a ideia de comer o bredo, que assim como alface, rúcula e tantos outros, são vegetais que podem ser cultivados. A agricultora começa a enxergar outras possibilidades de consumo das Plantas Alimentícias Não-Convencionais - Pancs. “Ninguém nunca comeu aqui, nunca fez. É muito interessante. Agora a gente pode fazer para comer, aproveitar as coisas que a gente tem, mas não sabe preparar”, evidencia Dona Veronice.

Muitas das Pancs não são consumidas devido à falta de conhecimento ou costume. Mas nem sempre foi assim, elas já foram utilizadas no passado, pelos nossos antepassados, porém o consumo foi diminuindo por conta da praticidade dos alimentos industrializados. Hoje, o interesse pelas Pancs está aumentando cada vez mais e impulsionado o cultivo desses vegetais produzidos por agricultores e agricultoras familiares, o que ajuda na inserção da dieta alimentar, iniciativa que também contribui para a preservação da biodiversidade e das culturas alimentares. Além disso, o fácil cultivo e a resiliência das Plantas Alimentícias Não-Convencionais contribuem na saúde e na segurança alimentar e nutricional, em um cenário de redução de alimentos, também influenciada pelas mudanças climáticas.

Uma das iniciativas para incentivar e difundir o uso das PANCs é a oficina de produção de pratos com Pancs, atividade que visa melhorar a alimentação das famílias assessoradas pelo Irpaa através do Projeto Bahia Produtiva, uma ação da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional - CAR, órgão ligado à Secretaria de Desenvolvimento Rural - SDR. O projeto é fruto de um acordo de empréstimo entre o Governo do Estado da Bahia e o Banco Mundial

Texto e fotos: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa


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