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Tão presente na mesa dos brasileiros, o feijão carioca chega nas prateleiras na versão geneticamente modificada ainda este ano

Tão presente na mesa dos brasileiros, o feijão carioca chega nas prateleiras na versão geneticamente modificada ainda este ano

Além da soja, milho e algodão, os campos brasileiros terão outro cultivo transgênico: o feijão carioquinha, que está entre os mais consumidos no país. A tecnologia, desenvolvida ao longo de 15 anos pela Embrapa, com investimento de R$ 3,5 milhões, foi liberada para multiplicação no semestre passado e deverá chegar nas prateleiras dos supermercados no final de 2019, que já desponta como o ano em que as porteiras para o agrotóxico foi escancarada pelo governo federal.

"O feijão será o primeiro produto transgênico que poderá ser consumido diretamente", comenta Ana Cláudia Silva, doutora em Agricultura e Assessora Técnica do Programa Sementes do Semiárido, da ASA. "Os outros produtos [transgênicos] eram utilizados no processo de industrialização, como a soja, o milho e o algodão", acrescenta ela.

E o que isto representa para a saúde de milhares de brasileiros? Segundo Ana Cláudia, o feijão transgênico foi avaliado pela Comissão Técnica Nacional de Biosseguração, a CNTBio, e não foi apontada diferença entre o feijão geneticamente modificado e o convencional. "Talvez, as consequências só serão sentidas daqui há um tempo, uma vez que é provável que não se tenha efeitos agudos referentes ao consumo, mas crônicos", diz ela. Por crônicos, leia-se: desenvolvimento de doenças como câncer, má formações genéticas, depressão...

Um dos argumentos de defesa do feijão transgênico da Embrapa é a alegação de que o uso de agrotóxicos para o combate à praga da mosca branca vai diminuir. Mas, na prática, isso não acontece. É o que vemos nos cultivos de outras espécies transgênicas em todo o mundo. Além do mais, a plantação deste transgênico ameaça as espécies de feijão crioulos, guardadas há gerações pelas famílias agricultoras de todo o Brasil e, especialmente, no Semiárido. As chances de contaminação por exposição na lavoura é bem menor do que acontece com o milho, mas existe.
Na entrevista concedida à Asacom, Ana Cláudia fala também sobre a recepção dos consumidores a esta espécie geneticamente modificada. "Acredita-se que haverá rejeição e a procura por outras alternativas de proteínas. O pessoal ligado ao Instituto Brasileiro do Feijão e dos Pulses (Ibrafe) tem se colocado contra, por acreditar que o mercado será desaquecido, uma vez que diminuirá o consumo de feijão."

Asacom - O que significa ter feijão transgênico à venda para consumo uma vez que o feijão é um dos ingredientes mais presentes na dieta dos/as brasileiros/as?
Ana Cláudia - Ainda não se sabe qual será a aceitação dos consumidores sobre o feijão transgênico, mas acredita-se que haverá rejeição e a procura por outras alternativas de proteínas. O pessoal ligado ao Instituto Brasileiro do Feijão e dos Pulses (Ibrafe) em se colocado contra, por acreditar que o mercado será desaquecido, uma vez que diminuirá o consumo de feijão. O feijão será o primeiro produto transgênico que poderá ser consumido diretamente. Os outros produtos eram utilizados no processo de industrialização, como a soja, o milho e o algodão. Vale lembrar que o tipo de feijão que está sendo ofertado para consumo dos/as brasileiros/as é o feijão tipo carioca. Majoritariamente é o mais consumido.
A previsão do mercado é que o feijão abaixe o preço, uma vez que se terá menos gastos com agrotóxico nas lavouras, mas não foi o que aconteceu com outras commodities produzidas no Brasil, além de se consumir sementes mais caras, fez-se o uso de pacotes tecnológicos de forma bem mais intensa, como adubo e agrotóxicos.
Por fim, não se pode afirmar, com certeza, qual a consequência na saúde de milhares de brasileiros que consumirão o feijão, ao longo dos anos. No estudo para a liberação do feijão transgênico, disponível na página da CTNBio [Comissão Técnica Nacional de Biossegurança], é possível verificar que, de acordo com os estudos feitos de Avaliação de Risco à Saúde Humana, Animal e ao Meio Ambiente, não houve diferença entre o feijão geneticamente modificado e o convencional. Talvez, as consequências só serão sentidas daqui um tempo, uma vez que é provável que não se tenha efeitos agudos referentes ao consumo, mas crônicos.

Asacom - O que o desenvolvimento deste feijão transgênico revela sobre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), uma empresa pública que deveria estar a serviço de estudos que promovam a qualidade de vida da população?
Ana Cláudia - Embrapa é uma empresa de pesquisa que possui diferentes linhas de pesquisas para atender os setores divergentes da agricultura brasileira. O feijão é o primeiro produto que lançam com a tecnologia transgênica, ou seja, a primeira vez que se tem um transgênico com a tecnologia nacional. O feijão transgênico será disponibilizado através de uma oferta pública para parceiros que tem experiência com o comércio de feijão para realizarem campos de multiplicação, para posterior distribuição das sementes.
Antes de pensarmos no feijão transgênico na prateleira do mercado, precisamos entender porque o feijão transgênico foi desenvolvido. O feijão transgênico é uma demanda dos produtores que principalmente cultivam feijão em áreas extensas, com áreas altamente tecnificadas, artificializadas. O objetivo do desenvolvimento desse feijão é o controle do mosaico dourado transmitido pela mosca branca, pois segundo os pesquisadores, agricultores entravam com a aplicação de inseticidas, aproximadamente 20 vezes por 3 meses para tentar controlar o vetor do mosaico dourado. Segundo eles, nessas áreas de monocultivo, não havia mais manejo que pudesse realizar este controle. Portanto, para pensar o feijão transgênico é preciso refletir sobre toda uma prática de cultivo que é realizada, que prioriza áreas de monocultivos, sem a quebra da proliferação de organismos considerados pragas.
Para mim, a Embrapa não surpreende desenvolvendo essa tecnologia, uma vez, que tem sido recorrente as linhas de pesquisas voltadas para atender ao agronegócio que nada mais é que uma “renovação” e continuidade da revolução verde.
Acho que alguns aspectos devem ser considerados nesse sentido, o primeiro é que é uma tecnologia que não está sendo devolvida diretamente para a mão dos agricultores/as brasileiros/as. Ela será entregue para empresas, ou seja, beneficia o setor privado. Outro aspecto, é como isso afetará a população que consome feijão carioca diariamente como fonte da única proteína disponível em seu cardápio.

Asacom - Foram 15 anos de pesquisa e cerca de R$ 3,5 milhões investidos. Quem vai ganhar com isso?
Ana Cláudia - As cultivares desenvolvidas pelas Embrapa, transgênicas ou não, vão para oferta públicas, não é passado direto para agricultores, porque a empresa não tem área para multiplicação de sementes. Dessa forma, o lucro irá para as empresas que multiplicarão as sementes para a venda e a Embrapa com o royalties.

Asacom - Há alguma relação entre o lançamento desta semente e o governo Bolsonaro, que tem aprovado medidas favoráveis ao uso desmedido de agrotóxicos?
Ana Cláudia - Como afirmado anteriormente, a semente está sendo desenvolvida há 15 anos. Porém, entendo que foi criado um ambiente favorável, dentro do processo de amadurecimento e etapas para o desenvolvimento da própria tecnologia, para o lançamento do feijão nesse momento, uma vez que o governo Bolsonaro tem facilitado a aprovação de agrotóxicos entre outras tecnologias que compactuam com as tecnologias ligadas ao agronegócio. A tecnologia era para ter sido lançada há 2 anos, e seguraram porque identificaram uma nova doença o carlavírus, que acometia tanto o feijão transgênico como o convencional.
Acho que de qualquer forma há um risco para a própria empresa, um desgaste, no sentido de tentar convencer sobre o uso da tecnologia. Uma vez que grande parte da sociedade é contra o uso dessa tecnologia, entre eles, o próprio Ibrafe, agricultores e além dos/as consumidores/as, há uma pressão, para que o produto atenda a função para qual foi desenvolvido e não cause danos para a sociedade.

Asacom - Quais são os riscos do uso do feijão transgênico para plantio? Existe diferenças da soja e do milho?
Ana Cláudia - A planta de feijão é autógama, diferente da planta de milho que é alógama, e que tem contaminado grande parte das sementes crioulas em todo território brasileiro. Porém existe uma taxa de cruzamento que pode ser de até 5% para o cruzamento de uma ou outra planta de feijão e que pode contaminar os campos de sementes de feijão livres de transgenia.
Diferente das tecnologias do milho e da soja, a transgenia no feijão não controlará o inseto transmissor do vírus do mosaico dourado, a mosca branca. É como se a planta tivesse imune ao vírus.
Outro aspecto, é que agricultores familiares podem usar o grão distribuído para alimentação e poderá semear plantas de feijão transgênicas em sua lavoura, misturando com as sementes que estão em seu domínio há tempos. Descaracterizando e perdendo sementes que já haviam sido selecionadas e adaptadas ao longo do tempo por seus ancestrais. Esse é um risco que se corre, porque além da distribuição a semente poderá ser comprada para consumo de comunidades tradicionais ou em outros territórios, acelerando a erosão genética e contribuindo para a perda da diversidade genética existente nas mãos dos agricultores.

Asacom - Você quer acrescentar algo?
Ana Cláudia - Quero acrescentar que o tema transgênicos é algo que precisa ser amplamente discutido e esclarecido para a sociedade. É importante que o consumidor saiba o que é um alimento transgênico, os riscos, as desvantagens do uso da transgenia. É necessário sempre deixar no rótulo, de maneira visível, a informação de que o produto é transgênico. Também quero acrescentar que o ideal é que o manejo das culturas seja feita de maneira responsável, sempre pensando na biodiversidade, no meio ambiente, no bem estar de quem está produzindo e de quem está consumindo. O ideal não é que produtos transgênicos não sejam ser desenvolvidos. O ideal é que os manejos sejam integrados e diversificados.

Texto: Fernanda Cruz e Verônica Pragana
Foto: Wikimedia Commons 


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