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Extinção do Consea tira da sociedade civil poder de contribuir com políticas de segurança alimentar

Extinção do Consea tira da sociedade civil poder de contribuir com políticas de segurança alimentar

Todos os dias, ao acordar, 5,2 milhões de brasileiros e brasileiras sabem que na dispensa de casa não têm os alimentos necessários para suprir uma dieta equilibrada e necessária à vida. Mais de 2,5%, dos 205,5 milhões de pessoas que vivem no Brasil, encontram-se em estado de subnutrição e/ou desnutrição, no mesmo país que desperdiça 41 toneladas de comida por ano, segundo dados da instituição de pesquisa internacional, World Resources Institute (WRI). Este Brasil da desigualdade é o mesmo que em 2014 havia deixado de figurar no Mapa da Fome da ONU e, que nos últimos dois anos, tem acumulado retrocessos em programas e políticas que estavam garantindo que famílias tivessem alimento em seus lares.

O estopim deste cenário eclodiu no primeiro dia deste ano quando por meio da Medida Provisória 870, o presidente Jair Bolsonaro revogou disposições da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), que visam assegurar o direito humano à alimentação adequada para toda a população. A medida literalmente acaba com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão de controle social, elaboração e proposição de políticas de segurança alimentar ligado diretamente à Presidência da República que era formado por dois terços de representação da sociedade civil e um terço de representantes do governo.

“A extinção do Consea significa um retrocesso incalculável para os processos de construção das políticas de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil. Ao retirar o Consea do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional do País, o Governo mutila o sistema, retira da sociedade civil a possibilidade de participar no processo, assume uma perspectiva autoritária quando quer construir políticas apenas com seus próprios representantes e priva a si mesmo de ouvir a população e comunidades. Autoritariamente ignora um direito básico da sociedade e do cidadão de participar na gestão dos destinos do País”, avalia o coordenador da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) pelo estado da Bahia, Naidison Quintela, o qual representava a ASA no Consea.

A decisão fere o artigo 6º da Constituição Federal, que trata da alimentação como direito social e, na prática, significa que a sociedade não mais poderá participar das decisões em torno das ações em prol da segurança alimentar. A nutricionista, professora e pesquisadora, Elisabetta Recine estava presidenta do Consea quando a MP foi publicada. Ela foi eleita pelos integrantes do Conselho para presidir o órgão no período 2017-2019. Para ela, a medida desestrutura a lógica de organização do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) instituído pela Lei Orgânica de SAN (Losan), aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional em 2006.

“O Consea era o espaço de monitoramento da realidade, da implementação de programas e de proposição. Com sua extinção – este canal de diálogo direto do governo federal com diferentes setores da sociedade brasileira envolvidos com este tema e que também sofrem as consequências de um sistema alimentar injusto foi interrompido. Além disso, o Consea nacional exercia também a função de articular toda a rede de conselhos estaduais, pois a Losan previu na sua origem que a participação e o controle social deveriam existir em todas as esferas administrativas. A extinção do Consea empobrece, potencialmente, a formulação e implementação de políticas dirigidas aos grupos em situação de maior vulnerabilidade e nega o direito de participação dos titulares de direito na definição de políticas públicas que devem atender às suas necessidades”, enfatiza Recine.

Agora, iniciativas que estavam garantindo dignidade para populações mais vulneráveis, sobretudo as que residem nas periferias das cidades e nos campos, e em regiões como Norte e Nordeste, em especial a região Semiárida, estão ameaçadas. Neste contexto, o conjunto de ações que envolve as políticas de proteção social sofrem mais um golpe forte. Entre estas políticas destacam-se as de transferência de renda (a exemplo do Bolsa-família); os Programas de Acesso à Água (Água para Consumo Humano, a exemplo do Programa Um Milhão de Cisternas - P1MC, Água para Produção de Alimentos, a exemplo do Programa Uma Terra e Duas Águas - P1+2, Água para as Escolas Rurais, a exemplo do Programa Cisternas nas Escolas); Compras Institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, que vincula a compra de 30% dos recursos repassados pelo Governo Federal à compra da Agricultura Familiar; o Garantia Safra; o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

Em carta publicada no ultimo dia 04, a ASA destaca a relevância destas políticas e programas para o bem viver das famílias camponesas do semiárido, bem como para a permanência destas pessoas no campo. “A maioria destas políticas surgiu nos debates, nas proposições e no engajamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). São políticas e ações que tiveram e ainda têm papel significativo na transformação para melhoria da vida das pessoas do Semiárido, fazendo com que esta população fosse capaz de resistir a uma das estiagens mais fortes e violentas da história (2011 a 2017), sem que houvesse morte humana e migrações em massa para outras regiões. Igualmente contribuíram para retirar o país do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU)”.

Neste contexto, Elisabetta Recine lembra o quanto é preciso estar em alerta para assegurar os direitos das populações, principalmente de jovens, mulheres, indígenas quilombolas e povos tradicionais. “Os sinais e informações que temos até o momento apontam para o aprofundamento das desigualdades e perda de direitos básicos. A sociedade civil precisará estar atenta e ativa para que suas necessidades e direitos sejam respeitados e promovidos”, alerta. Sobre o assunto, Naidison Quintela afirma que “o Governo Federal, ao extinguir o Consea, demonstra claramente que estas políticas não estão mais no foco de suas preocupações e, consequentemente, estes povos e comunidades atravessarão enormes dificuldades para conquistar seus espaços”.

O cenário parece desolador, mas ainda há esperança e a palavra da vez é resistir, como salienta Quintela: “nosso papel, no entanto, enquanto sociedade civil que tem direito de participar e quer participar, é resistir e resistir. Esta resistência se expressa pelo diálogo, mas também pela mobilização de todos os sujeitos possíveis contra esta medida; de ocupar todos os espaços possíveis para debater estas questões e sensibilizar as pessoas a este respeito; de mobilizar os deputados e senadores para apresentarem emendas à MP, no sentido de reverter a própria medida provisória”, sugere.

Diversas organizações e articulações têm se manifestado e registrado seu repúdio à decisão arbitrária de acabar com o Conselho, a exemplo da Abrasco, Ação da Cidadania, FBSSAN, ANA. Além de chamar a atenção para as consequências da extinção do Consea, as notas falam de esperança e resistência. Em consonância com este “esperançar”, Naidison Quintela enfatiza o que faz com que a sociedade civil, sobretudo a ASA, permaneça em marcha. “Vamos continuar porque os milhares de pessoas que se reúnem ao redor da ASA vão continuar armazenando água para a vida e para a produção de alimentos saudáveis, os bancos e casas de sementes continuarão a guardar as sementes da vida, cuidar delas e fazê-las vicejar; a economia solidária seguirá sua estrada, apesar das dificuldades e empecilhos que coloque o Governo. Vão continuar... as milhares de experiências e iniciativas das pessoas, comunidades e grupos e governos que acreditam e querem, um mundo com lugar para todos”, finaliza. 

Texto: Elka Macedo/ Asacom

Foto: Arquivo Consea


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