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Tenho Sede: campanha da ASA pretende levar um milhão de cisternas e mais dignidade ao Semiárido

Tenho Sede: campanha da ASA pretende levar um milhão de cisternas e mais dignidade ao Semiárido

Lançada em setembro deste ano, a campanha “Tenho Sede” visa arrecadar recursos para a construção de um milhão de cisternas para famílias que ainda sofrem com a falta de água para consumo humano e produção de alimentos. A ação de arrecadação é promovida pela Articulação Semiárido Brasileiro – ASA, organização que há mais de duas décadas iniciou um trabalho ousado de construção de um milhão de cisternas no Semiárido, algo visto por muita gente como utopia das organizações populares, mas que se tornou um sonho concretizado, contribuindo fundamentalmente para a saúde, a qualidade de vida e o protagonismo das pessoas do Semiárido, em especial das mulheres e crianças.

Nós conversamos com Naidson Baptista, integrante da Coordenação da ASA-Bahia e uma das pessoas que há 21 anos sonhou com o primeiro milhão de cisternas no Semiárido. Naidson relembrou o quanto foi desafiador aquele momento para o povo, assim como agora, tendo em vista inclusive a opção do governo Bolsonaro em não contribuir para a construção de cisternas.

Porém, ele destaca que, apesar deste cenário, uma das motivações que ajudou a acreditar que é possível mobilizar pessoas para este envolvimento, foi o sucesso da campanha Bahia Solidária – do sertão ao litoral, que mobilizou doações de alimentos para pessoas carentes, com situação agravada pela pandemia. Naidson fala ainda sobre a adesão do artista de Gilberto Gil à campanha “Tenho Sede”.

 

Irpaa - Como surgiu a ideia da campanha Tenho Sede?

Naidson Baptista - Muitas pessoas e organizações que assessoraram e ajudaram a ASA, nesse tempo de ação da ASA, seus 21 anos, falavam que a Asa e a AP1MC [Associação Programa Um Milhão de Cisternas], pelo significado do trabalho e dos resultados, principalmente das cisternas e sementes, precisava fazer uma campanha que projetasse a imagem da ASA e que captasse recursos para a efetivação do nosso trabalho, por que aí a ASA ficaria com recursos governamentais e recursos da sociedade, o que daria a ela uma perspectiva maior de sustentabilidade. Então essa ideia foi amadurecendo e surgiu a ideia de, juntamente com o Consórcio de Governadores do Nordeste, fazer uma campanha inserida na parte da agricultura familiar da ação do consórcio, na busca de captação de recursos para a ampliação do Programa Um Milhão de Cisternas. O surgimento foi esse, mas foi se aperfeiçoando com consultorias, com organizações do exterior que apoiam nosso processo, como a Misereor, a Cáritas Francesa.

 

Irpaa - Quando foi lançado o Programa 1 Milhão de Cisternas, o povo da ASA foi chamado de louco. Depois de construídas mais de um milhão de cisternas ficou provado que não era loucura, era uma necessidade e que havia viabilidade na proposta. Há uma situação semelhante agora?

Naidson Baptista - Quando nós lançamos o P1MC [Programa Um Milhão de Cisternas] foi baseado na necessidade de atendimento das famílias esparsas no Semiárido. Havia na época, um milhão de famílias que bebiam água suja, que bebiam lama, que mendigavam água, que trocavam o seu voto por água e essas famílias tinham o direito de uma água de qualidade.


Pensar um milhão de cisternas na época era realmente uma loucura, porque todas as organizações que trabalhavam com cisternas construíam 15, 20, 30, 50, quando muito 100 cisternas por ano e celebravam as 100 cisternas. Era muita coisa, porque era sempre com recurso do exterior.


Então pensar em um milhão de cisternas tendo como perspectiva o orçamento da União era uma maluquice, era uma loucura, porque o orçamento da União tá sempre reservado para os ricos, tá sempre reservado para as grandes obras, para as grandes ações, para os grandes empreendimentos e os pobres, os marginalizados sempre sobram.

A gente já sabe pela história que as grandes ações sempre foram feitas ou iniciadas por loucos […] A economia de Francisco, como se fala hoje, veio de um louco que é Francisco de Assis. O cristianismo, embora hoje em boa parte infiel a Jesus, nasceu de um louco, que se chama Jesus. Jesus era um andarilho pregando a liberdade, pregando o respeito, pregando os direitos entre os povos mais marginalizados da sua terra. Jesus não foi o fundador de uma religião, ele queria projetar uma vida descente para todas as pessoas, porque as pessoas são filhas de Deus e merecem essa vida. Gandhi na Índia foi assim. Dom Élder aqui no Brasil, o muito que fez se deve às loucuras. Então nós da ASA nos orgulhamos de termos sidos caracterizados como loucos, porque foi acreditando na loucura de um milhão de cisternas que nós conseguimos inserir o direito das pessoas a água potável no orçamento [...] Comunidades e governos da África, da América do Sul e América Central estão procurando a ASA para aprender essa perspectiva. Essa loucura valeu a pena!

 

Irpaa - Recentemente a ASA Bahia realizou a campanha Bahia Solidária, que teve como principal foco a arrecadação de alimentos para famílias carentes. Tendo por base a solidariedade demonstrada pelo nosso povo durante a campanha Bahia Solidária, é possível acreditar no sucesso da campanha Tenho Sede?

Naidson Baptista - A Campanha Bahia Solidária foi uma das coisas mais bonitas que nós realizamos nos últimos tempos: arrecadar alimentos, levar os alimentos, ajudar as pessoas a saciar a fome. Ajudar as pessoas a permanecer vivas, despertar a solidariedade é algo importantíssimo, especialmente nesse momento que a gente vive no Brasil, em que se fala de ódio, que se fala em matar, em destruir direitos, destruir perspectivas, destruir programas que levam melhor vida às pessoas, especialmente às pessoas mais pobres. A gente escuta a diminuição da alimentação escolar, o corte do PAA [Programa de Aquisição de Alimentação], a paralisação do Programa Cisternas.


Nesse momento a ASA ser capaz de suscitar a solidariedade de milhares e milhares de pessoas e levar cestas alimentares a cerca de 13.500 famílias é algo muito importante. Não é levando cestas que a gente vai resolver o problema da fome. A gente vai resolver mudando as estruturas que geram a fome: desemprego, falta de terra, falta de assistência técnica, falta de crédito, todas essas coisas geram a fome. Mas levar o alimento quando as pessoas estão mais necessitadas do alimento para manter sua vida é algo essencial no nosso trabalho. E o bonito é que a ASA fez isso com arte: com música, com festa, com canções, com poesia, com lives extraordinárias, que atraíram milhares de pessoas. Trabalhar a erradicação da fome envolvendo esse trabalho da arte é bom. Essa campanha, como muitas outras que acontecem no Semiárido, mostram que nós somos um povo capaz de ser solidário. E se a gente for efetivamente solidário, nós vamos fazer muitas loucuras, como se disse anteriormente. E essas loucuras trazidas pela solidariedade serão muito boas, porque são loucuras que trazem a vida.

 

Irpaa - O primeiro milhão de cisternas causou uma revolução na saúde, alimentação e qualidade de vida na em nossa região. Como você imagina o Semiárido com um milhão de cisternas a mais?

Naidson Baptista - Para o Semiárido crescer, para virar um lugar digno de sua gente, nós temos sempre que pensá-lo mais bonito do que é hoje. Nós pensamos há 21 anos, um Semiárido com 1 milhão de cisternas para a água de consumo humano. Hoje a gente tem um Semiárido com 1,2 mi de cisternas para água de consumo humano. Nós fomos capazes de ver isso, e vendo não nos iludimos. Corremos atrás, tomamos pancadas, perdemos, levantamos, caímos, saímos feridos, mas saímos vitoriosos. Hoje é importante a gente pensar o Semiárido mais bonito ainda. É o Semiárido com a agricultura familiar tendo água para consumo humano, mas tendo também água para produzir, água para suas hortas, água para seus roçados, água para seus quintais, água para seus animais. Água suficiente para viver de modo decente, como gente, como ser humano. E essa água vai produzir segurança alimentar, vai produzir alimento para mais de um milhão de famílias e, mais do que isso, essas famílias vão produzir alimentos para si e para vender no mercado, alimentos saudáveis.


Então a gente começa a ver o Semiárido sem sede, sem compra de votos, sem miséria, com água, com sementes, com produção de comida saudável, com pessoas que podem e têm o direito de sorrir e de viver bem.


Quando nós queremos 1 milhão de cisternas a mais, é na maioria cisternas de produção, para que as pessoas possam produzir alimento, produzir vida, viver bem e ser feliz. Naturalmente esse Semiárido não vai acontecer assim somente a partir da água, precisa que as pessoas tenham terra, educação contextualizada, moradia, boas condições de trafegar seus produtos. Que possam vender sua produção, que possam se divertir, que seja valorizada a cultura do Semiárido.

Irpaa - O Brasil vive um momento difícil de várias crises, inflação e redução de investimentos públicos em áreas sociais. Qual foi o momento em que houve mais investimento governamental para a implementação de tecnologias? E qual o comparativo se faz com os dias de hoje?


Naidson Baptista - Em geral, quando há crises, sempre se diz que não há dinheiro para os mais pobres. Os mais pobres sempre pagam o custo das crises, enquanto os mais ricos sempre enriquecem nas crises. O que a gente tem que fazer é pressionar governos, deputados, senadores para que no orçamento, que mesmo na crise, é grande e tem muito dinheiro, que haja recurso para o atendimento às necessidades dos mais pobres. A crise existe, mas o dinheiro também existe e a grande questão é o que faço com o dinheiro. A gente pode doar ou fazer coisas para os que já estão podres de rico, ou a gente pode melhorar a vida dos que hoje no Brasil não estão tendo nem o direito a viver porque estão sem moradia, sem escola e, principalmente, sem alimento.


A época que teve mais investimento [no Programa Cisternas] foi no final do primeiro governo Dilma, mas no governo Lula teve bastante investimento. Comparando com hoje, hoje é zero! Nos governos Lula, Dilma e um pouco no governo Temer, nós chegamos a 1,2 mi de cisternas [para captação de água para consumo humano]. No governo Bolsonaro nós não construímos nenhuma. É uma questão da escolha, a escolha de aplicar recurso com os ricos ou com os pobres.

Irpaa - A campanha Tenho Sede conta com um grande aliado das causas sociais e ambientais: o cantor e compositor Gilberto Gil. Como tem sido a recepção do público ao ver a imagem de Gil em mais uma causa tão importante para o bem das famílias brasileiras?

Naidson Baptista - Ter conosco nessa campanha o cantor e compositor Gilberto Gil, figura apaixonada pelo Nordeste, pelo Semiárido, por essas causas de cultura, de vida que nós também defendemos é algo mais do que importante, é um presente do céu. Gilberto Gil chama a atenção do Brasil para o fato de que no Semiárido há sede e que essa sede pode matar [...] Abrir essa campanha com Gilberto Gil cantando para nós foi bom demais! Posteriormente, nós vamos agregar outras imagens que possam se somar. Nós queremos uma campanha que balance a solidariedade de várias maneiras, uma campanha que atinja o Semiárido, mas que atinja o Sul, o Centro-Oeste, o Norte, o Sudeste e atinja como já está fazendo, o exterior [...]

Nós queremos uma campanha onde o mais abastado possa contribuir, a pessoa de posses médias possa contribuir, mas onde o pequeno também possa contribuir. Por exemplo, por que nós não podemos levar essa campanha às famílias que já têm cisternas, e discutir com elas que, para outras famílias era bom que elas contribuíssem? É o suscitar e o exercitar da sabedoria e da solidariedade.

Essa campanha puxada por Gilberto Gil, apoiada pela Misereor e pela Cáritas Francesa, por várias organizações, por várias pessoas, tem tudo para ser uma campanha de sucesso, de sucesso na projeção de que ainda há gente com sede no Brasil, ainda há necessidade de água para produzir alimentos no Semiárido, de que nós somos responsáveis por mudar essa situação. Uma campanha que arrecade recursos para que, num momento como esse, em que o governo federal resolve bloquear uma ação do porte do Programa Um Milhão de Cisternas, nós possamos, pela força e pela generosidade da sociedade, mostrar a todos que o caminho é bom, que o caminho é possível, que será percorrido.

 

Entrevista: Eixo Educação e Comunicação do Irpaa
Foto: Agência Quintal

 


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