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ASA 20 Anos: Água potável é vida e bênção para a infância do Semiárido

ASA 20 Anos: Água potável é vida e bênção para a infância do Semiárido

 “O tempo da minha cisterna é de 18 a 20 anos, mais ou menos de 18 a 20 anos. Naquele tempo meu filho mais velho tinha 12 anos e ele foi quem me ajudou a construir a minha cisterna, hoje ele tem o quê? 31 anos. Faz as contas aí?” As contas deram 19 anos de cisterna da família de D. Lindalva Santana dos Reis, do Sítio Camarada, no município de Passira-PE, uma das primeiras cisternas de placas construída pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), com apoio da comunidade e da família.

Na época, lá em 2000, Dona Lindalva e seu Joaquim Vicente dos Reis tinham quatro filhos ainda menores, André o mais velho que ajudou na construção da cisterna e as meninas Joelma, Josélia e Rita do Reis, que tinham 11, oito e seis anos, respectivamente, na época. “Graças a Deus criei minhas quatro bença. Porque antes da cisterna a gente pegava (água) no barreiro e bebia. Era o que tinha. Mas graças a Deus, meus filhos tinha tudo saúde, mesmo tomando água de barreiro, nunca tiveram nada mais sério.”

Mas o mesmo não aconteceu com outras pessoas da comunidade e da própria família de dona Lindalva, que nos contou sobre a perda dos sobrinhos, ainda pequenos, por conta da doença diarreica aguda (DDA), responsável pelo número alto de mortalidade infantil no Semiárido Brasileiro. “Por conta dessas águas sujas de barreiro, a minha irmã mais velha perdeu os quatros filhinhos, antes das cisternas chegarem por aqui, eu ainda era solteira (...) os quatro, um atrás do outro, tudo criança ainda, com diarreia. A gente cuidava, levava pro médico na cidade, dava remédio, mas não adiantou. Uma tristeza. E era por conta da água, água ruim de barreiro e nós não tinha dinheiro para comprar água limpa, né? Na seca, tinha que beber aquela mesmo, dar para as crianças. Tristeza, muito anjinhos por aqui se foram e tudo por conta da água, da falta de água boa, um desgosto”, lamenta dona Lindalva.

O acesso à água limpa e segura é um direito humano fundamental, não é privilégio, é um direito que dá autonomia para poder plantar e colher, produzir e criar da forma correta, sem veneno. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 2,2 bilhões de pessoas no mundo ainda não têm serviços de água potável gerenciados de forma segura. Para este direito ser garantido a todos e todas, não basta ter acesso, é preciso que a água seja limpa e de qualidade. Essa inacessibilidade de fontes seguras ainda vem trazendo problemas relacionados à saúde, principalmente à saúde infantil. Ainda de acordo com a OMS, a cada 90 segundos, uma criança no mundo morre. Todos os anos, 297 mil crianças menores de cinco anos morrem devido à diarreia associada à água, saneamento e higiene inadequados.

No Semiárido brasileiro, a água é um bem, riqueza, preciosidade, uma benção, como classificam muitas famílias rurais, como a de dona Lindalva e seu Joaquim. Região onde por muito tempo, uma história inteira, a escassez de chuvas e a pouca água sempre desafiou homens e mulheres que vivem tanto no campo, como na cidade. Uma área presente nos nove estados do Nordeste, no Vale do Jequitinhonha e no Norte de Minas Gerais, que quase sempre é representada como lugar sem vida, improdutivo, de miséria, fome. E assim era, porque era lá onde as políticas públicas não chegavam, só os políticos interessados nos “currais de votos”, explorando a sede, a fome, a miséria de mulheres, homens e crianças do Semiárido, em troca de votos, de poder.

E neste cenário era comum que a morte chegasse cedo, cedo demais para meninos e meninas que, quando nasciam, já vinham sem ter direito à vida. A mortalidade infantil por diarreia no Semiárido era corriqueira e impactante para as famílias e as comunidades que perdiam suas crianças. A partir de 1999, por meio do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), a ASA, articulando junto às suas organizações, comunidades rurais e parceiros, vem implementando políticas públicas para garantir água potável e de qualidade às pessoas, em especial, às crianças rurais da região.

“É uma benção (a cisterna) e eu agradeço muito - primeiramente a Deus e depois a vocês”(...) - dona Lindalva grata a ASA e me incluí no seu agradecimento , e eu o acolho. Afinal, é para os registros dessas histórias de luta e resistência que a gente produz conteúdos. Depois de expressar sua gratidão, dona Lindalva segue falante: “Sem ela não tinha terminado de criar meus filhos. Meus filhos quando casaram não tinham cisternas e era essa daí que garantiu água pra nós tudo, pros netos, que são três, dois meninos e uma menininha, umas bença. Hoje todos já têm sua cisterna, mas antes eles vinha pegar aqui e ela abastecia as casas todas. E é só para beber e cozinhar, então economizando dava”.

A alegria e simpatia de Dona Lindalva foi passada para a filha Josélia dos Reis, 27 anos, também agricultora e moradora do Sítio Camarada. Ano passado, em fevereiro, ela conquistou a sua cisterna de primeira água. “Quando era criança, me lembro como se fosse hoje, a gente carregava água de um barreiro pra beber. Água pra gente tomar banho a gente ia buscar longe também, em carro de mão, ou em burro, antes de ir pra escola tinha que pegar água, eu e meus irmãos... Passamos depois a dividir a água da cisterna da minha mãe, que mora mais embaixo. Mas quando chegou essa cisterna pra minha família, foi tudo na vida da gente porque água é vida, a gente não vive sem água. É uma riqueza na vida da gente!"

Josélia, que tem uma filhinha de dois anos e dois meses, lembra que antes da cisterna dela chegar o que salvou muito foi o abastecimento na de dona Lindalva. “Só dava a água de cisterna para ela beber, mas pegava nós tudinho, a cisterna de mainha era para quatro famílias: a minha, da minha irmã e do meu irmão. Quando essa seca veio, não deu pra tanta gente e a gente comprou água doce de botijão, mineral, para dar de beber principalmente para a neném, mas aí ela teve salmonella, não sei como, mas só acho que foi da água [a salmonella é uma bactéria que pode ser transmitida pela ingestão de água contaminada]. Graças a Deus, ela está bem com saúde e hoje temos nossas cisternas, eu e meus irmãos”.

Esse conjunto de organizações comunitárias e da sociedade civil vem transformando as realidades e os cenários do Semiárido. Por meio da construção das cisternas de placas e outras tecnologias simples e eficientes, baseadas no saber tradicional das mulheres e homens do campo, a convivência com o Semiárido vem se efetivando para milhões de famílias rurais que conquistaram acesso à água para o consumo familiar.

Os reais impactos do P1MC sobre a saúde infantil nos municípios da região ainda não foram devidamente estudados nesses 20 anos de atuação da ASA. Mas a equipe do Grupo de Avaliação de Políticas Públicas e Economia, do Programa de Pós Graduação em Economia da Universidade Federal de Pernambuco (GAPPE/ PIME/ UFPE), examinou os efeitos da expansão de acesso à água potável, a partir das cisternas do P1MC, sobre os indicadores de mortalidade infantil por doença diarreica aguda (DDA) na faixa etária de zero a quatro anos dos municípios do Semiárido, durante o período de 2000 a 2010.

Os resultados obtidos mostram clara evidência quanto ao tempo de atuação do P1MC sobre a redução nas taxas de mortalidade infantil por DDA. O estudo apontou uma redução de 19%, onde o programa atuou por dois anos, e de 69% nas localidades onde o tempo de atuação foi de nove anos, quando comparados com a média de mortalidade por diarreia que tais municípios apresentavam em 2000. Além disso, o efeito do programa mostrou-se mais forte nos municípios com maior proporção de população rural e com maior expectativa de anos de estudo, além de crescente com o número de cisternas instaladas.

Processos de transformações sociais como estes ficam claros nos rostos e sorrisos das famílias rurais que conquistaram suas cisternas. Na Paraíba, a chegada das cisternas foi antes. Em 1996, a família de seu José Maciel, do Sítio Caiçaras, em Pocinho, conquistou a primeira cisterna. “A cisterna que recebi aqui foi do Fundo Rotativo. Foi uma época de grande estiagem. Quando eu fiz a primeira cisterna só tinha a minha filha nascida, ela tinha quatro anos, meu menino só nasceu em 1997, um ano depois da primeira cisterna. Coisa melhor do mundo, mudou a vida do ser humano no geral. Quem teve e tem o cuidado com a cisterna nunca mais faltou água. Para mim, de 96 para cá, num faltou água de beber, de beber e cozinhar. Não faltou mais água de qualidade aqui em casa. Antes disso, sempre era água de barreiros, de tanque, da forma que for. E hoje a gente tem água de qualidade e quando a gente tem água de qualidade, a saúde melhora!”

A chegada da cisterna foi essencial para a família, para a saúde das crianças. “A menina que já era nascida sempre tinha problemas, diarreias, febres vômitos, porque a água não era de qualidade. Essas doenças era quase geral na comunidade, nas crianças das famílias sempre aparecia. Ai aqui em casa, quando o menino nasceu, que foi um ano depois de nós ter a cisterna, essas doenças quase não aparecia mais, porque aí já era outra água, água de qualidade,” avalia seu Zé Maciel.

Além de garantir a saúde e evitar a mortalidade infantil por DDA, a conquista da cisterna para a infância rural do semiárido significa mais tempo para brincar estudar, ser criança. A imagem de crianças franzinas, carregando baldes e latas de água dos barreiros, muitas vezes a léguas de casa, também, era frequente, mas essas imagens estão ficando cada vez mais no passado, apenas na memória de um Semiárido que é vivo e próspero para meninos e meninas da região. “Todo mundo na casa tinha que trazer os baldes, as latas com água, muitas vezes de barreiros longe, porque era os que tinham água, água suja, mas era água, agora não. Hoje com as cisternas, não só aqui em casa, mas em todas as famílias não tem essa história de ninguém ficar caçando água, nem as crianças, foi mudança de vida, num lugar de ir atrás de água, os meninos agora faz outras atividades, as crianças vão brincar, estudar”, completa seu Zé Maciel.

Quando pergunto a seu Zé Maciel qual a diferença de viver na estiagem antes da cisterna e agora, ele me conta em tom professoral uma lição que o povo da região sabe bem: “houve esses anos de seca e estiagem. De 2012 pra cá tem chovido muito pouco, mas é totalmente diferente da seca de 93, porque hoje todo mundo se organizou, tem sua cisterna, tem sua água, tem água de qualidade, tem facilidade. Antes das cisternas, mesmo se tivesse recurso para comprar água não tinha onde colocar a água. A chegada da cisterna é muito importante, tanto para minha família como toda família do Semiárido. A nossa vida é totalmente diferente de antes. Hoje, mesmo com a estiagem, é diferente das secas passadas, temos água para beber cozinhar, e dar pros bichos. Temos água todos os dias em casa, não precisamos nos levantar de madrugada para andar correndo atrás de água,” nos ensina seu Zé Maciel.

O direito humano à água surge como tema relevante nos debates para a promoção e garantias dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes em todo o mundo, adquirindo importância ainda maior nos contextos onde a água é escassa e, às vezes, se constitui em fonte de disputas, como acontece em diversas regiões do mundo, inclusive no Semiárido brasileiro. A experiência do P1MC, com 625.942 cisternas de 16.000 litros construídas contemplando as famílias rurais, aponta o caminho para a construção das políticas públicas inspiradas pelo P1MC, a construção de outras 466.942 cisternas ao lado das casas. E hoje em todo o Semiárido já foram construídas cerca 1 milhão e 100 cisternas.

Em duas décadas, o acesso à água de beber no Semiárido virou uma política de governo e passou a ter recursos previstos no Orçamento Geral da União. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) reconhece e legitima as cisternas do P1MC da ASA como elemento de segurança hídrica e alimentar.

Como as famílias de dona Lindalva e de seu Zé Maciel, muita gente no Semiárido brasileiro já recebeu sua cisterna para beber, a cisterna de primeira água, mas ainda há 350 mil famílias na região aguardando acesso a esse recurso. ”E é preciso que os governantes vejam as famílias novas, que vão aparecendo dos mais jovens, que precisam de terra e de água, precisam da cisterna também, tem muitas dessas famílias novas que ainda não têm cisternas, não têm água boa, de qualidade em casa. É preciso abrir as portas, porque a família que não tem uma cisterna ela está em dificuldade e não pouca não. Vão ter os filhos e não vai ter água boa para dar às crianças. Os miúdos vão ficar doentes e podem morrer como a gente via muito antigamente”, lembra seu Zé Maciel.

Observando a importância da água de qualidade para beber e cozinhar para o desenvolvimento infantil na região, a ASA lançou em 2009 o projeto-piloto Cisternas nas Escolas, por entender que depois da casa, da família, a escola é o espaço onde a criança passa mais tempo e precisa de água de qualidade para beber e para a alimentação escolar. Até agora já são 6.910 cisternas escolares de 52.000 litros construídas em escolas rurais de nove estados do Semiárido.

Ações simples que garantem água e dignidade e contribuem com o aprendizado de meninas e meninos de uma região de prosperidade e abundância, para seguirem aprendendo, convivendo e desafiando, com conhecimento vindo de dentro do Semiárido, as diversidades desta região. Porque é no Semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que as crianças são e serão felizes!

Texto: Rosa Sampaio - Asacom / Foto: Asacom


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