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Clima e água

Ao se propor em contribuir para a ruptura de paradigmas como o de “Combate à seca” para a “Convivência com a realidade climática local”, dentre outros eixos temáticos, o Irpaa adotou o Clima e Água como questões centrais e indissociáveis, para esse avanço almejado no Semiárido brasileiro. Considera-se requisito a isso, uma profunda compreensão de especificidades do clima – suas limitações e potenciais, e a busca apropriada e incessante por segurança hídrica universal, em quantidade, qualidade e regularidade, para as pessoas e para o meio ambiente, apesar das adversidades climáticas.

Desde o princípio da ação, evidencia-se que além do desafio de lidar com a estiagem de pelo menos 8 meses por ano, há de considerar: a forte irregularidade das chuvas em tempo, espaço geográfico e volume, cuja as médias desse último são quase sempre inferior a 800mm/ano; uma evapotranspiração potencial que alcança 3.000mm/ano; a predominância de subsolos de rocha granítica, maciça, rasa e rica em sais, com baixos volume e qualidade de água subterrâneas; e solos extremamente vulneráveis à desertificação.

Há poucos rios perenes, e mesmo o mais largo e farto de água – o Rio São Francisco, não garante a quantidade de água suficiente para a subsistência de toda a população local, pois, há poucos quilômetros da sua margem, ou a poucos metros de seus canais de transposição, a população já depende de outras fontes, e até mesmo dos carros-pipa. Além do mais, nos últimos anos, afluentes e rios perenes sofrem com mortes de nascentes, redução de vazão, assoreamento, poluição e contaminações de suas águas, e, portanto, sujeitos a crises ou mesmo intermitência. Dentro do território, esses fenômenos são desencadeados, sobretudo, por acentuada degradação ambiental – má gestão e estabelecimento de modelos de desenvolvimento insustentáveis.

Fora do Semiárido de décadas atrás (delimitação anterior à 2017), para além dos fatores citados, as mudanças climáticas impõem a milhões de pessoas, condições climáticas similar à de semiaridez, incluindo a incorporação de áreas adjacentes antes provida de outros climas à categoria de semiárido. Por tendência, o clima semiárido pode adquirir características de suas variáveis mais próximas do árido. Isso, aliado à falta de políticas públicas apropriadas para conter as causas de tais mudanças e promover processos de adaptação, se constituem como ameaça à capacidade das gerações presentes e futuras de usufruir dos direitos humanos, incluindo o direito à vida.

Uma das frases de D. José Rodrigues, um dos idealizadores da proposta, na década de 1990, “No Sertão não Falta Água, Falta Justiça”, soa como um marco do processo de mobilização e reflexão das pessoas em torno da busca por direitos e qualidade de vida. Esta se traduz em anunciar que existe chuva em volume suficiente para assegurar vida em abundância, mas, falta a estrutura para guardar a água do período de ocorrência das chuvas para uso na estiagem, ou quando há estoque em quantidade insuficiente à todas as demandas de água das famílias ou em propriedades privadas, sem acesso pela população. Uma outra frase não personalizada, “No Semiárido, viver é aprender à Conviver”, reconhece que há estiagens anuais e secas anuais e plurianuais, ambas natural e cíclicas, não podendo ser extinta ou modificadas, mas passivas de terem seus efeitos minimizados com soluções apropriadas e antecedentes à ocorrência das mesmas, baseadas não apenas, mas, sobretudo, na promoção de estoque de água de chuva, de modo artificial e natural, como cultura e como política pública de Estado.

Assim, temos, que os efeitos da estiagem não podem ser tratados como fatalidades, de modo que a perda de safra e outras frustrações tem origem não na ocorrência de secas, mas na pouca compreensão sobre especificidades do clima, que leva muitas vezes ao fomento à criação (tal como bovinos) e cultivos de espécies (a exemplo de feijão e milho, anuais) não adaptadas ao clima, e ausência de políticas públicas de acesso, gestão e uso eficiente dos bens naturais em vista à manutenção da biodiversidade do Semiárido brasileiro. A concentração de terra e das fontes de água são as principais causas da fome, sede, migrações e mortes precoces no Semiárido brasileiro. Muitos dos reservatórios existentes, são açudes que apesar de grandes estão em áreas privadas e não são apropriados, pois, concentram a água em amplos e espaçosos reservatórios, com grandes espelhos de água que facilitam a evaporação, não mantendo estoque por toda a estiagem.

É necessária a mudança de paradigmas, como: do Combate à seca à Adaptação ao clima; da Indústria da seca à Garantia de direitos; das Grandes obras hídricas à implementação de Reservatórios descentralizados; do Agronegócio à Produção Agroecológica.

É preciso compreender as especificidades do clima semiárido (regime de chuva, temperatura) e do bioma caatinga (solo, plantas, animais, povos), aprender sobre a “Convivência com o Semiárido” e transformá-la em política pública, além de fortalecer uma cultura de estocagem de água de chuva, sementes e alimentos.

Um exemplo bem-sucedido de escala territorial e que influenciou até mesmo outras regiões do Brasil, é o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido, Um Milhão de Cisternas (P1MC), que favoreceu o acesso à Formação e acesso à Água de uso doméstico, por meio da captação das chuvas, para mais de 1,2 milhões de famílias, por iniciativa e pressão da sociedade civil organizada sobre o Estado brasileiro. Este, por sua vez, contribui mais, menos ou nada, conforme nível de sensibilidade de cada governo.

Entretanto, para além da água de uso mais nobre – beber, e preparar alimentos, é necessário assegurar o suprimento das demais demandas de uso doméstico – higiene pessoal e do lar, sob risco de continuidade na dependência do carro-pipa. Do mesmo modo, faz-se necessário o estoque de água para dessedentarão animal, irrigação de salvação em hortas e pomares (para a segurança nutricional), bem como beneficiamento da produção.

Assim, defendemos “As Cinco Linhas de Luta pela Água”, a qual se constitui numa Proposta de caráter holístico, acerca do Abastecimento e Gestão de Água em Comunidades rurais difusas, baseada na captação das chuvas por meio natural e artificial, para os diversos fins, e também na reciclagem da água, como parte da Convivência com o Semiárido. As Cinco Linhas de Luta pela Água, dispõe dos seguintes componentes:

1) Água da Família (por meio de cisternas unifamiliar para água de consumo humano);

2) Água da Comunidade (reservatórios de médio e grande volume para água de uso na higiene pessoal e do lar, sob gestão unifamiliar e/ou comunitária);

3) Água da Produção Animal e Vegetal (diversas tecnologias de estoque de água para dessedentação animal, manutenção de hortas, pomares, e beneficiamento de produtos agropecuários, no âmbito familiar e/ou comunitário);

4) Água de Emergência para anos de estiagem (uso emergencial do carro pipa, e em locais de subsolo cristalino, poços, para uso apenas quando as demais fontes já não dispõem mais de água – em virtude do maior dispêndio econômico e/ou energético destes, sobretudo, quando dispõe de elevado teor de sais, o que é predominante);

5) Água do Meio Ambiente (manutenção da Caatinga em pé, recuperação e preservação de estruturas de recarga de fontes naturais- recaatingamento e intervenções hidroambientais em microbacias hidrográficas, coleta e tratamento de esgotos para reúso agrícola das águas servidas).

 

 

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