Carta aberta à sociedade sobre o posicionamento dos Conselheiros/as da Sociedade Civil integrantes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF em relação ao acordo de parceria entre MDA e SENAR.
Brasília, 16 de Outubro de 2025
Nós, membros da Sociedade Civil Organizada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – CONDRAF fomos surpreendidos pelo Acordo de Cooperação Técnica – ACT nº 22/2025 celebrado entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR, entidade vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ligada ao setor patronal rural.
Enquanto conselheiros/as do CONDRAF, expressamos nossa profunda indignação e questionamentos a esse acordo. Primeiro porque não foi submetido o debate no Comitê Permanente de ATER – CP-ATER e em nenhuma outra instância do conselho. Dessa forma, entendemos que a decisão fragiliza um espaço formalmente constituído para a interlocução democrática entre o governo e a sociedade civil que tem por objetivo elaborar, monitorar, articular políticas públicas, programas e projetos voltados para a agricultura familiar.
Embora não exclusivo, o CONDRAF é o principal espaço de participação social para o debate democrático sobre a construção das políticas para a agricultura familiar. Em alinhamento com outros colegiados de participação social, as construções realizadas no CONDRAF buscam fortalecer os papeis econômicos, sociais e ambientais da agricultura familiar para que ela contribua decisivamente no enfrentamento à insegurança alimentar e nutricional, às desigualdades sociais e às mudanças climáticas.
Em segundo lugar, porque tal acordo contraria frontalmente os entendimentos que vêm sendo construídos no CONDRAF e em consultas mais amplas por ele coordenadas, como as conferências nacionais de desenvolvimento rural sustentável e solidário e a conferência nacional de ATER. Além de alinhados com a Política Nacional de ATER (PNATER), esses entendimentos são coerentes com a necessidade de fortalecer a agricultura familiar a partir da perspectiva agroecológica, condição para que ela contribua para superar os desafios políticos priorizados pelo governo. Ao ignorar e contrariar os acordos acumulados em anos de debate, inclusive no período anterior ao golpe parlamentar, esse ACT fragiliza as bases as organizações e movimentos que estiveram mobilizadas na luta política em defesa da restauração dos processos democráticos e do apoio público a trajetórias de desenvolvimento rural fundada na defesa de direitos e nas premissas da igualdade, da sustentabilidade, da solidariedade e da soberania.
Desde o Golpe de 2016, nossas organizações vêm fazendo o enfrentamento sociopolítico nas bases, lutando pelo desenvolvimento rural sustentável e solidário dos povos do campo, das águas e das florestas, inclusive reivindicando o retorno e a permanência do MDA, entendendoo como um Ministério fundamental para desenvolver ações para a agricultura familiar. Desde a retomada dos trabalhos do CONDRAF, a ATER foi colocada como o principal meio para a reestruturação, apoio, desenvolvimento econômico, social, ambiental e político do rural brasileiro. Desta forma, consideramos a estranheza desse ACT, pois o SENAR não comunga com o Projeto Político e Econômico que nossas organizações preconizam em suas bases, que está baseado em premissas de igualdade, democracia, sustentabilidade e solidariedade.
Avaliamos que a parceria entre o MDA e SENAR – CNA aponta para o esvaziamento do papel do próprio MDA, com a indevida transferência da responsabilidade sobre os serviços públicos de ATER ao SENAR. Ainda mais grave, ao comprometer as orientações agroecológicas para a ATER, essa parceria acaba por comprometer também a orientação das demais políticas integradas aos Planos Safra da Agricultura Familiar, bem como nas diretrizes das últimas Conferências de ATER e CDRSS.
Neste sentido, são diversos motivos que repudiamos o acordo de cooperação técnica e que se fundamentam a seguir:
Historicamente o SENAR atua com foco na produção em larga escala, cadeias produtivas, visando o uso de tecnologias e insumos da agricultura convencional, e não se alinha aos princípios da agroecologia, que preza pela sustentabilidade e manejo integrado de sistemas agrìcolas e agrários.
A metodologia do SENAR é de difusão de conhecimento, de modo verticalizado, com conteúdos padronizados e convencionais, na lógica de transformação do campesinato em empresariado rural, sendo incompatível com os princípios da PNATER, da agricultura familiar e da agroecologia, que trabalha com outra lógica, pela diversidade produtiva, autonomia, sustentabilidade ecológica, conservação e preservação ambiental, soberania alimentar e nutricional, valorização dos saberes tradicionais.
O enfoque do SENAR tende a ser essencialmente tecnicista, produtivista, fragmentada e desprovida de uma abordagem sistêmica sobre os agroecossistemas. Prática que não incorpora o conhecimento tradicional dos/as agricultores/as em suas práticas, algo fundamental na agroecologia, onde a experimentação e adaptação a cada realidade local são essenciais, bem como não considera as relações sociais gênero, geração, raça e etnia.
A ATER executada pelo SENAR só aprofundará o problema, quando deveríamos está levando em consideração não só a viabilidade social e econômica da agricultura familiar, como os desafios alimentar e climático.
Entendemos que essa parceria fragiliza a PNATER, todas as Empresas Públicas de ATER – EMATER e similares, as organizações da sociedade civil prestadoras do serviço de ATER e, principalmente, dos movimentos organizados do campo, das águas de das florestas, ou seja, todos os diversos públicos.
Embora exista uma grande demanda de ATER das organizações da agricultura familiar, essa demanda não pode ser resolvida com serviços que não dialoguem com os princípios da agroecologia, da agricultura familiar e do desenvolvimento rural sustentável e solidário.
Portanto, nós defendemos que o MDA assuma de fato o seu papel enquanto Ministério responsável pela Agricultura Familiar e faça realmente a PNATER acontecer, seja no que se refere aos seus princípios e diretrizes, como na alocação de recursos que viabilizem os serviços das entidades da sociedade civil historicamente comprometidas, bem como com os das Organizações Governamentais Estaduais de ATER. Que a tramitação do Suater avance para efetivação com orçamento continuado e permanente, controle social e que a ATER chegue aos territórios e aos mais vulnerabilizados do campo, das águas e das florestas.
Dessa forma, somente com investimentos nas organizações de ATER comprometidas e presentes nos territórios, atuando na articulação das políticas públicas que conseguiremos avançar no combater a fome, na produção de alimentos saudáveis e na adaptação e promoção de sistemas resilientes para enfrentamento às mudanças climáticas.
Assinam essa carta:
- Central Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – CENATER
- Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Assistência Técnica, Extensão Rural e da Pesquisa – FASER
- Rede ATER Nordeste de Agroecologia
- Articulação Nacional de Agroecologia – ANA
- Movimento de Trabalhadores Sem Terra – MST
- Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana – Fonsanpotman
- Escola de Formação Quilombo dos Palmares – EQUIP
- Cáritas Brasileira
- Rede Nacional de Colegiados Territoriais – RNCT
- Movimento da Trabalhadora Rural do Nordeste – MMTR-NE
- Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
- Movimento Camponês Popular – MCP
- Rede Ecovida de Agroecologia
- Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB
- União Nacional das Federações das Casas Familiares Rurais do Brasil – UNFECAFARB
- Serviço de Tecnologia Alternativa – SERTA
- Associação Regional de Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu do Bico do Papagaio ASMUBIP
- Articulação Tocantinense de Agroecologia – ATA
- Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil – MPP
- Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
- Articulação Semiárido Brasileiro – ASA
- Rede Cerrado
- Movimento dos Atingidos por Barragens- MAB
- Movimento de Mulheres Camponesas- MMC