“Não há saberes sobrepostos. Eles dialogam.” Foi com essa afirmação que Roselita Vitor, agricultora do Polo da Borborema (PB) e integrante da coordenação executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), abriu sua fala na Plenária de Mulheres nesta quarta-feira (15), nas atividades autogestionadas do 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA). O evento está sendo realizado na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro (BA).
Roselita lembrou que este é o primeiro CBA realizado no Semiárido brasileiro, um marco simbólico para o movimento agroecológico, e anunciou que, dentro da programação do congresso, também acontece o VII Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores. “Esse encontro traz um recado importante: não há saberes que se sobrepõem, eles dialogam. Sem os agricultores e agricultoras não existe agroecologia, a ciência que se constrói nas universidades precisa caminhar junto com os saberes que brotam dos territórios”, afirmou.
A plenária, que reuniu centenas de mulheres de diferentes regiões e movimentos do campo, das águas, das florestas e das cidades, trouxe como tema “Feministas da agroecologia na luta por justiça climática, contra o racismo ambiental e pela convivência com os territórios”.

Além de Roselita, a mesa de abertura contou com a participação de Graciete Santos (Rede Feminismo e Agroecologia / Casa da Mulher do Nordeste), Lúcia Marisy (vice-reitora da Univasf), Gisele de Oliveira (Rede de Mulheres do Território do Sertão do São Francisco), Ionar da Silva (representando as mulheres de terreiro), Ana Lúcia (Fundo e Fecho de Pasto), Saiane Santos (Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA) e Maria Elise Borges (Movimento dos Pescadores e Pescadoras).
Após uma apresentação artística, a vice-reitora Lúcia Marisy deu as boas-vindas, destacando o papel da universidade pública na construção de pontes entre ciência, ancestralidade e justiça social.
Mas, foi nas vozes das mulheres dos territórios, que a plenária encontrou sua força. Roselita lembrou que a presença de agricultoras e agricultores num congresso que discute ciência é, em si, um ato político.
“Trazer quem vive o território para dentro desses espaços é fazer com que a agroecologia vá mais longe. As mulheres estão nas várias fronteiras de luta, contra os megaprojetos de energia que impactam o bem-viver, contra o racismo ambiental e contra todas as formas de violência que tentam calar nossos corpos e territórios”, afirmou.
A agricultora reforçou ainda que o Semiárido precisa lutar pela descentralização das águas e das energias, garantindo um futuro sustentável para as próximas gerações. “As experiências que vêm dos territórios precisam inspirar. O compartilhamento desses saberes, a criação de novos saberes, é essencial para construir uma agroecologia feminista, livre e libertadora.”
Anúncios e denúncias
A plenária também destacou a importância da Campanha pela Justa Divisão do Trabalho Doméstico, uma iniciativa da Rede Feminismo e Agroecologia. Para Graciete Santos, da Casa da Mulher do Nordeste, a iniciativa é um marco político e pedagógico. “A rede faz 11 anos e tem um significado enorme porque coloca o dedo na ferida da divisão injusta do trabalho doméstico. Quando nos perguntamos o que mais nos impacta nas nossas organizações, na vida, no roçado, na casa, é isto: estamos sobrecarregadas. Essa campanha ampliou parcerias e incide nas políticas públicas, especialmente no debate do Plano Nacional do Cuidado”, disse.
Outras falas trouxeram a luta cotidiana das mulheres dos territórios. Maria Elise Borges, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras, denunciou o avanço de políticas que violam direitos históricos da categoria:
“Somos guardiãs dos rios, dos mares, dos mangues e das lagoas. O pescado é o nosso sustento, e a gente respeita o tempo dos peixes. Estão tirando esse direito da gente quando poluem os rios e ameaçam nosso modo de vida”.
Ana Lúcia, do Fundo de Fecho de Pasto, lembrou que a luta também é pela Caatinga viva, pela defesa da terra e da diversidade que sustenta a vida no Semiárido.
Congresso
Com mais de 5 mil pessoas inscritas, o 13º CBA segue até o dia 18, com o desafio de fortalecer a agroecologia como ciência, prática e movimento social — e com a certeza de que as mulheres, mais uma vez, seguem à frente, abrindo caminhos de resistência e esperança no coração do Semiárido brasileiro. Nesta edição o tema é “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climátics”.
O CBA é realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização local da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb de Juazeiro), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e Rede de Agroecologia Povos da Mata .
O Congresso conta patrocínio da Fundação Banco do Brasil e do BNDES e apoio do Governo Federal por meio dos Ministérios da Saúde, Igualdade Racial, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e FioTec, e Prefeitura Municipal de Juazeiro; e Governo do Estado da Bahia, por meio do Programa Bahia sem Fome e Bahia Turismo.
Conta também com a contribuição de representantes de diversas organizações, redes e articulações da sociedade civil, instituições de ensino, movimentos sociais populares e comunidades tradicionais.
Texto: Thaynara Policarpo – Rede de Comunicadores/as da ASA | Foto: Giovanna Revoredo/ASACom