Ter um olhar sensível, realizar ações efetivas através de políticas públicas e promover discussões sobre Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é fundamental para garantir que todas as pessoas tenham acesso a alimentos em quantidade e qualidade e, consequentemente, erradicar a fome, que atinge os grupos mais vulnerabilizados. Diante da urgência dessa temática, foi realizada a audiência pública “Segurança Alimentar e Nutricional: Diagnósticos e Caminhos para o Programa Juazeiro Sem Fome”, na tarde da última quinta-feira (29), na Câmara de Vereadores de Juazeiro-BA.
Esse momento de escuta da sociedade civil foi importante para debater os desafios, propor soluções e consolidar o compromisso coletivo no combate à fome e à insegurança alimentar no município. Durante a audiência foi apresentado um diagnóstico da atual situação da insegurança alimentar em Juazeiro, o andamento da construção do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e os avanços e perspectivas do Programa Juazeiro Sem Fome, que é uma extensão do Programa Bahia Sem Fome, que visa garantir o direito à alimentação para os/as baianos/as.
A coordenadora do Programa Juazeiro Sem Fome, Lorena Pesqueira, compartilhou que a gestão municipal também “está nessa construção do plano para fortalecimento da segurança alimentar e nutricional, que o programa Juazeiro Sem Fome é uma ação intersetorial que vem fortalecer o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e o apoio nesta construção desse plano e das políticas públicas de combate à fome, com um recurso próprio que pode ter investimentos para muitas ações, inclusive para as propostas da alimentação escolar, de tantas outras”.
A audiência contou com a participação de lideranças comunitárias, representantes do poder público, movimentos sociais e organizações da sociedade civil que tiveram a oportunidade de fazer sugestões, reflexões e questionamentos. Além de cobrar a construção de um plano municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, que realmente atenda às diversas e urgentes necessidades do município.
A escuta pública e articulação entre diferentes setores da sociedade é um espaço estratégico para pautar a SAN e assuntos relacionados. Foi também por esse motivo que os/as envolvidos no projeto Cultivando Futuros, executado pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), em Juazeiro, marcaram presença no evento. A participação ativa nesse espaço de interesse público saiu como indicativo de uma das oficinas realizadas, em 2024, com agricultores/as, lideranças comunitárias, movimentos sociais e representantes do poder público.
Para contribuir com essa construção coletiva, a presidenta do Comitê das Associações de Massaroca e integrante da Cooperativa Agropecuária Familiar de Massaroca e Região (Coofama), Ana Lúcia Silva, participou de todas as oficinas do Cultivando Futuros. Ela também esteve presente na Audiência e fez questão de compartilhar a preocupação em relação à alimentação escolar, e questionou o município sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
“Enquanto liderança, sempre preocupada com a alimentação da escola e das nossas crianças, principalmente nas escolas de tempo integral, né, que eles fazem a maior parte da alimentação nas escolas. A gente quer saber: o que o município está fazendo, ou pensa em fazer, para assegurar a porcentagem destinada à produção orgânica e agroecológica no PAA e no PNAE?”.
A agricultora Valmira da Silva, da comunidade Serra da Boa Vista, em Juazeiro, também integrante do Cultivando Futuros, questionou sobre os planos do município em relação ao fortalecimento da comercialização de caprinos e ovinos, frisando a necessidade dos projetos serem planejados em parceria com quem está na base.
“Nós esperamos que serão construídos junto com a gente, claro, para estar melhorando o criatório de caprinos e ovinos e implantando também na merenda escolar, tanto as frutas, as hortaliças, como o bode, a galinha, o ovo; uma alimentação saudável que a gente sabe quem está produzindo e passando para as famílias”.
Sobre essa indagação, o Diretor-Presidente da Agência de Desenvolvimento Rural, Ailton Batista, compartilhou: “Nós temos vários projetos, um deles é o matadouro municipal (…) O nosso plano é fazer um matadouro aqui em Juazeiro com dois carros, sendo um frio e outro seco, e implantar feiras permanentes nos distritos. E através de uma cooperativa, para a administração, que irá até os distritos para comprar a cabra, a ovelha por um preço digno para o produtor ter a sua renda para atender tranquilamente sua família”.
O projeto, se efetivado, contribuirá com a comercialização da criação de caprinos e ovinos em Juazeiro, que ocupa o segundo lugar como maior produtor da Bahia e o terceiro do Brasil. Também deve evitar perdas na produção, contribuindo com a segurança alimentar e nutricional e com a geração de renda.
Outras falas durante a plenária ressaltaram que, para além da falta de comida, a fome em Juazeiro tem nome, cor, território e gênero; por isso, é preciso olhar para outros aspectos fundamentais: “A gente não tem fome só de comida, a gente tem fome de terra, de água, de políticas públicas”, destacou o agricultor e integrante do Núcleo Sertão do São Francisco, Anselmo Cordeiro.
“Existem linhas importantes e estratégias para esse combate, não há garantia do combate à fome se a gente não garantir acesso à terra, água, produção, comercialização”.
Vice-prefeito de Juazeiro, Tiano Félix
Entre os apontamentos, o público relatou ainda a dificuldade de acesso à água para produção, o desperdício de alimentos no CEASA (Mercado do Produtor) e áreas irrigadas; e a ausência de políticas específicas para povos e comunidades tradicionais.
A integrante do Conselho Municipal de Segurança Alimentar de Juazeiro (Comsea) e coordenadora da Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (Acbantu), Ioná Pereira, defendeu que os povos de terreiro sejam prioridade no plano e pediu que a prefeitura realize uma busca ativa para garantir sua inclusão no CadÚnico.
“O plano é um instrumento, uma ferramenta importantíssima para o governo mostrar o seu compromisso com esse processo que talvez seja o mais doloroso que a gente tem hoje no mundo, a fome; e que o nosso país, em determinado momento, conseguiu sair do mapa da fome”.
Ioná, que também participou das oficinas do Cultivando Futuros, destacou que, dentro do plano, os grupos mais vulnerabilizados na sociedade, como os trabalhadores informais, mães solo, população LGBTQIAPN+ e comunidades tradicionais precisam ser prioridade.
As discussões sobre segurança alimentar e nutricional e a importância do envolvimento nas construções coletivas, como em audiências públicas, foram destaques nas intervenções do Cultivando Futuros ao longo das diversas atividades realizadas. Inclusive, a mobilização para que os/as participantes estivessem presentes nesse momento foi viabilizada através desse projeto e também do Agenda 2030 no Semiárido baiano, que tem objetivos afins. Este último projeto é uma iniciativa do MOC e Irpaa, com o apoio da Horizont3000 – organização não-governamental austríaca de cooperação para o desenvolvimento; e financiamento da Comissão Europeia, Sei So Frei Graz, DKA e Agência Austríaca de Desenvolvimento (ADA).
Sistemas agroalimentares em Juazeiro: do passado ao futuro-
Também como resultado dos encontros, foi apresentado durante a audiência pública, o livro: “Do passado ao futuro: políticas públicas, incidência e sistemas agroalimentares em Juazeiro-BA”. A publicação foi organizada pelo Irpaa, através do projeto Cultivando Futuros.
Essa produção contém uma linha do tempo dos sistemas agroalimentares de Juazeiro, evidenciando o quanto a incidência das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais populares foi fundamental para a transformação das realidades nas comunidades rurais. O livro destaca ainda que esses grupos tiveram papel fundamental para a construção e efetivação de políticas públicas voltadas, principalmente, ao acesso à água, Assessoria Técnica e Extensão Rural (ATER), incentivos às cooperativas e unidades de beneficiamento, dentre outras.
Todas essas ações, abordadas na publicação, contribuíram para a mudança de vida e o fortalecimento da agricultura familiar em Juazeiro; além de ter relação direta com a discussão acerca da Segurança Alimentar e Nutricional.
“Quando a gente fala de segurança alimentar e nutricional, a gente precisa olhar que não é qualquer alimento, que não é produto industrializado que vai garantir segurança alimentar; a gente está falando de alimentos saudáveis e quem produz alimento saudável é a agricultura familiar, é a produção agroecológica, é a produção a partir da Convivência com o Semiárido”, frisou a coordenadora do projeto Cultivando Futuros pelo Irpaa, Lorena Simas.
O livro é um “material produzido por várias mãos e saberes e, com certeza, esse conteúdo, pode sim contribuir nas discussões que o Comsea tem no município sobre a segurança alimentar e nutricional; porque não é apenas um conselho que fiscaliza, que acompanha as ações do município, mas também contribui. Ele fortalece ações que pautam essa discussão da segurança alimentar e nutricional, garantia da participação social em todos os espaços e acredita que nenhuma política alimentar pode ser construída sem escutar as pessoas, principalmente à população mais afetada”, destacou o presidente do Comsea, Paulo César Santos, que participou de todas as atividades do Cultivando Futuros.
O prefeito de Juazeiro, Andrei Gonçalves, pontuou, por exemplo, que o município tem 38 mil famílias, o equivalente a 36 % da população, em situação de pobreza. “São números que a gente precisa se debruçar, observar e ver o que é que estamos fazendo”. Ele também parabenizou pelo livro organizado pelo Irpaa, que pode contribuir para a construção de políticas públicas municipais.
A expectativa das pessoas presentes e, certamente, de todo o público que está em situação de vulnerabilidade socioeconômica em Juazeiro, é que o poder público municipal, de fato, realize ações concretas estruturantes de combate à fome, mas sem perder de vista o cuidado com meio ambiente e o apoio à agricultura familiar, à produção agroecológica e orgânica.
Cultivando Futuros
O projeto “Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do Semiárido brasileiro” está sendo executado em 25 municípios, por 12 organizações da sociedade civil, nos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
A partir das oficinas realizadas nos municípios de atuação do Projeto, será lançada uma coletânea com 12 livros que abordam a trajetória dos sistemas agroalimentares, avanços, desafios e perspectivas em cada região. Uma produção que servirá como instrumento orientador para incidência nos diversos espaços de decisão ocupados por lideranças comunitárias e movimentos sociais nas instâncias municipal, estadual e federal.
O Cultivando Futuros é uma realização da AS-PTA, Pão para o Mundo (Brot fur de Welt) e Rede ATER Nordeste de Agroecologia; com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, sigla em alemão).
Texto: Lorena Simas | Comunicação Rede ATER Nordeste de Agroecologia
Fotos: Vagner Gonçalves | Irpaa