Sementes de resistência: Juventudes concluem formação como lideranças do Semiárido

O sétimo e último módulo do Curso de Formação Continuada de Jovens Lideranças do Semiárido, realizado no último fim de semana, marcou o encerramento de uma trajetória de quase dois anos. Foram mais de 250 horas de atividades formativas, que culminaram na entrega de certificados e no fechamento de um ciclo dedicado a fortalecer a participação social e a construção de políticas públicas no território. Além das oficinas e atividades práticas, a programação incluiu uma mesa de diálogo com gestores públicos, ampliando a conexão das juventudes com os espaços institucionais.

O módulo final, realizado entre 23 e 25 de maio, no Centro de Formação Dom José Rodrigues, também contou com uma palestra sobre comunicação e oratória, reforçando a importância de que essas lideranças ampliem sua atuação em espaços de debate, construção e incidência política.

A programação abordou ainda temas como associativismo, cooperativismo e estratégias de fortalecimento das economias solidárias. Foram apresentadas experiências bem-sucedidas de fundos rotativos solidários e de cooperativas que atuam no Sertão do São Francisco. Outro destaque foi o momento dedicado à elaboração de projetos e captação de recursos. Os participantes puderam estudar editais, construir propostas e entender melhor os caminhos para acessar financiamentos voltados a associações comunitárias e coletivos de juventude.

Mesa com representações do poder público

Com o tema “Perspectivas e Desafios das Juventudes”, a mesa de diálogo reuniu representantes do Governo da Bahia, movimentos sociais e organizações da sociedade civil, em um momento marcado por reflexões sobre os desafios da construção de políticas públicas para as juventudes, especialmente diante das limitações orçamentárias e das lacunas na efetivação de ações estruturantes.

Participaram do debate Maycon Caatingueiro, da Diretoria de Apoio e Fomento à Produção (DAFP) da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR); Iana Sara, Coordenadora de Políticas para Juventudes em Processos Educacionais (COJEPE), da Secretaria de Educação da Bahia (Seduc-BA); Marina Rocha, da Comissão Pastoral da Terra (CPT); e Pablo Montalvão, da direção nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). A mesa contou ainda com a secretária de Mulheres e Juventudes de Juazeiro, Érica Daiane Costa, acompanhada da equipe da pasta.

Ao abrir sua fala, Érica destacou que “formação é sinônimo de caminhada”, defendendo que o fortalecimento das políticas públicas para juventude exige diálogo com as transformações tecnológicas. Segundo ela, é essencial incorporar a educomunicação como ferramenta estratégica, mas sem perder de vista a necessidade de discutir criticamente o papel das grandes corporações de tecnologia — as chamadas big techs. “Somente com qualificação permanente podemos ocupar espaços e enfrentar os desafios postos”, completou.

Marina Rocha, natural de Casa Nova e integrante da CPT, trouxe um relato de sua trajetória no campo das lutas sociais, destacando a influência da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Em sua fala, ressaltou:

“Aprendi a lutar, lutando. Para ser um militante ativo, sobretudo sendo jovem e da classe popular, é preciso conhecer sua identidade, suas origens. Nós somos trabalhadores e trabalhadoras. Somos jovens, sim, mas também somos parte da classe trabalhadora. A juventude não é o futuro, é o presente. Temos uma potência que muitas vezes os adultos não têm. E, de forma leve, também fazemos luta política”.

Pablo Montalvão, do MAM, reforçou que o encerramento do curso não representa um ponto final, mas um ponto de partida para novos desafios.

“Os verdadeiros desafios surgem a partir daqui. Toda pauta que assumimos hoje é histórica e carrega muito peso. Não é uma luta individual. Precisamos multiplicar pessoas nas lutas e formar uma nova geração de militantes, que a classe trabalhadora tanto precisa. A luta é agora”, afirmou.

Maycon Caatingueiro frisou a importância da juventude se organizar, formar-se e fortalecer suas comunidades. “Pensar políticas públicas para juventude exige conhecimento e organização. As lutas precisam ser fortalecidas agora, nas comunidades, nos territórios”, pontuou.

Na mesma linha, a jovem Iana Sara, destacou a urgência da pauta juvenil e da continuidade das lutas. Disse que “não se pode arredar o pé” e que é fundamental não ter vergonha de reivindicar. “Nosso futuro não pode ser colocado em risco, porque o futuro é agora. Não podemos esquecer que somos continuidade de um sonho coletivo — dos nossos pais, dos nossos avós, dos nossos filhos. A organicidade é o caminho”, defendeu, reforçando também a importância de programas específicos, como a Diretoria de Educação do Campo e Quilombola e ações voltadas à formação.

O coordenador do Irpaa, Clérison Belem, também participou da mesa. Em sua fala, destacou as dificuldades enfrentadas para realizar uma formação desse porte, especialmente diante dos desafios orçamentários e das disputas constantes por recursos públicos. Clérison também ressaltou a importância de manter espaços formativos vivos e ativos, como estratégia para fortalecer o protagonismo das juventudes na construção de um Semiárido mais justo e sustentável.

Sementes de resistência

Na avaliação dos próprios cursistas o curso cumpriu plenamente seu papel. A iniciativa fortalece a missão em defesa da Convivência com o Semiárido, ao propor uma formação modular que integrou vivências, oficinas, minicursos, momentos de autocuidado, autoconhecimento e, principalmente, o fortalecimento das lutas sociais desenvolvidas pelas lideranças em seus territórios. Este processo formativo se torna ainda mais relevante diante do avanço de grandes empreendimentos que ameaçam a permanência das populações em suas comunidades.

O encerramento do curso aconteceu no domingo (25), em um momento de celebração e compromisso coletivo. Mais de 20 jovens, provenientes de municípios de três territórios do norte da Bahia, receberam seus certificados. Mais do que um documento, levaram consigo o fortalecimento das lutas por direitos e assumiram, publicamente, os seguintes compromissos:

  • Fortalecer a organização comunitária no Semiárido;
  • Defender a Caatinga, as práticas agroecológicas e a economia solidária — sinônimos da proposta da Convivência com o Semiárido;
  • Garantir participação democrática em políticas públicas;
  • Promover comunicação popular e combater a desinformação;
  • Cultivar solidariedade e respeito às diversidades.

Para a jovem Alynne Dimas, a experiência foi transformadora. “Foi de grande importância estar com cada um, conhecer novas histórias. A partir do momento em que a gente se insere nesses espaços — independentemente do tempo —, a gente adquire conhecimento, constrói amizades, laços, e isso fortaleceu muito essa formação para mim. Porque, quando saio desses espaços, parece que eu não sei quem sou. Conhecimento é poder”, afirmou emocionada.

O curso

O Curso de Formação Continuada de Jovens Lideranças do Semiárido se consolidou como um espaço de construção de saberes que alia teoria e prática. Seu principal objetivo é contribuir para a formação política e social de jovens militantes, fortalecendo sua atuação em associações e movimentos populares na defesa da Convivência com o Semiárido.

Historicamente, essas formações foram impulsionadas pelas pastorais sociais da Igreja Católica, alinhadas à missão da Teologia da Libertação, que visava formar jovens com consciência política e de classe, na busca pela utopia de um mundo mais justo, democrático e solidário. Muitos dos movimentos sociais, entidades e partidos de esquerda presentes no Semiárido brasileiro têm origem nas trajetórias de jovens formados nesse processo. O Irpaa, inserido nesse contexto, realiza os cursos em parceria com entidades e movimentos sociais — muitos deles frutos dessa formação de base —, dando continuidade à construção de novas lideranças, tanto no campo quanto nas cidades.

O curso tem como pilares o protagonismo juvenil, a consciência de classe, a decolonialidade, o enfrentamento ao racismo estrutural, a equidade de gênero e geração, a valorização da economia solidária, além da leitura crítica da conjuntura política, das metodologias participativas e do trabalho coletivo. Esses elementos visam formar jovens capazes de atuar como agentes de transformação social em seus territórios.

Realizado de forma presencial, o curso foi estruturado em sete módulos, cada um com cerca de 28 horas de atividades. Entre as etapas, os participantes desenvolvem atividades práticas em suas comunidades, com acompanhamento da Comissão de Juventudes do Irpaa, fortalecendo o elo entre a formação teórica e a vivência no território.

Com caráter itinerante, as atividades foram realizadas em municípios baianos como Juazeiro, Uauá, Canudos, Salvador e Mata de São João, além de outras localidades no Nordeste, como Nova Olinda (Ceará) e União dos Palmares (Alagoas). O encerramento aconteceu no Centro de Formação Dom José Rodrigues, local que marcou o início dessa jornada formativa.

Na avaliação da Comissão Organizadora, o curso, embora extenso, deixa marcas profundas, conexões potentes e sementes espalhadas por todo o Semiárido. Mais do que uma formação, trata-se de um processo que dá visibilidade a problemas sociais e políticos que exigem respostas urgentes. A mensagem que fica é de continuidade e fortalecimento das organizações sociais, da intensificação das lutas e da esperança: por um Semiárido vivo, onde todos os povos e seres tenham vida — e vida com dignidade e qualidade.

Texto e fotos: Eixo de Educação e Comunicação do Irpaa

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