Ao longo dos anos, apesar do aumento dos produtos industrializados nas comunidades rurais de Juazeiro-BA, o consumo de alimentos naturais e agroecológicos continua presente de forma significativa nas comunidades. Esse foi um dos pontos identificados durante a terceira oficina do projeto Cultivando Futuros, realizada nesta terça-feira (06), no Centro de Formação Dom José Rodrigues, a roça do Irpaa, em Juazeiro, município em que está sendo executado o Projeto.
O momento, que contou com a participação de lideranças comunitárias e representações de instituições locais, teve como objetivo identificar quais foram as mudanças no consumo alimentar das famílias agricultoras, olhando para o início da década de 1990 e para o consumo atual. Além de identificar quais os principais impulsionadores dessas mudanças.
Assim, a partir da construção coletiva e resgate da memória, foi possível elencar, na década de 1990, o consumo de alimentos produzidos nas propriedades, como: alimentos de origem animal, hortaliças, raízes e tubérculos, que variavam muito a depender da estação do ano, inverno ou verão; e o consumo de alguns produtos industrializados como: almôndega, sardinha, suco em pó, biscoito, dentre outros. Esses alimentos, na maioria, foram acessados através da merenda escolar; um controverso, já que o papel da escola deveria ser de contribuir com a segurança alimentar e nutricional dos/as estudantes.
Ao listar os alimentos consumidos em 2025, é notável que os naturais e agroecológicos continuam ocupando um lugar importante na mesa das famílias rurais, isso reflete um cenário positivo em relação a outras realidades rurais. Por outro lado, a presença dos industrializados também aumentou nas comunidades, que seguem consumindo, por exemplo: refrigerante, mortadela, molhos prontos e enlatados diversos.
Olhando para esse panorama, os/as participantes discutiram sobre os principais impulsionadores dessas mudanças em 2025, concluindo que o fato da alimentação natural continuar sendo o “carro chefe” da alimentação das famílias ocorre devido ao acompanhamento de organizações da sociedade civil, através de projetos como: Pró Semiárido, Bahia Produtiva, Ecoforte, Recaatingamento; ATERs realizados com Povos e Comunidades Tradicionais (PCT), Sustentabilidade, Agroecologia, Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), dentre outros. Todas essas ações possibilitam formações educativas, assessorias técnicas e acesso às tecnologias sociais adaptadas ao clima Semiárido, como: canteiro telado, cisterna de consumo e de produção, saneamento rural com reúso de água e galinheiro.
Esses Projetos evidenciam o quanto as políticas públicas são fundamentais para o fortalecimento das famílias e comunidades rurais, principalmente porque interferem positivamente na produção e consumo de alimentos saudáveis, garantindo a segurança alimentar e nutricional.
“As políticas públicas que chegam nas comunidades e fortalecem a ideia de que ainda é melhor a gente consumir os produtos naturais ao invés de ficar refém ou buscar os produtos ultraprocessados”, reforça a presidenta da Central de Comercialização das Cooperativas Da Caatinga (Central da Caatinga), Gizeli Maria Oliveira.
Outro fator transformador dessa realidade é o papel da mulher. “Elas não só produzem os alimentos, mas cuidam da terra, cuidam da água, da caatinga, e no geral, do meio ambiente. E aí, desde os nossos antepassados, desde antigamente até os dias de hoje, vêm as companheiras nessa linha de frente para manter, produzindo, manter esses modos de vidas, o modo de produzir. A gente percebe e é testemunha de que as companheiras fazem esse trabalho de manter, de cuidar”,destaca a agricultora familiar Ana Lúcia Santos, presidenta do Comitê das Associações Comunitárias Agropecuárias de Massaroca, em Juazeiro.
“A mulher se preocupa com o que vai comer, de que forma vai plantar, de que forma cuida da água; desde antes, carregando a lata d’água na cabeça, para molhar sua pequena produção, até os dias de hoje, com a chegada das cisternas, que revolucionou esse modo de produzir, passar de um carrinho, de uma bacia, de uma cocheira, para três, quatro, seis, oito canteiros. São as mulheres que fazem isso com todo o cuidado, nesse manejo, nessa administração da produção, da atividade”, complementa Ana Lúcia.
No entanto, o aumento de produtos industrializados nas comunidades tem como impulsionador o maior acesso aos anúncios publicitários através dos meios de comunicação, como TVs e mídias digitais, que chegam a todas as pessoas de forma instantânea, que promovem produtos ao invés de alimentos. Outro fator importante a ser considerado é o ritmo de vida, cada vez mais acelerado, pois para “ganhar” tempo, algumas pessoas recorrem à praticidade dos “alimentos” prontos.
Sobre esses aspectos, a presidenta da Central de Comercialização das Cooperativas Da Caatinga (Central da Caatinga), Gizeli Maria Oliveira, frisa que: “As políticas públicas que chegam nas comunidades e fortalecem a ideia de que ainda é melhor a gente consumir os produtos naturais ao invés de ficar refém ou buscar os produtos ultraprocessados”.
Além do consumo alimentar, foi discutido sobre quais alimentos são produzidos pela agricultura familiar de Juazeiro e em quais mercados são comercializados. Nesse sentido, a criação de ovinos e caprinos são as mais relevantes economicamente. E a comercialização da produção de grãos/cereais; raízes/tubérculos, alimentos de origem animal e frutas é mais significativa, tendo por ordem de relevância: mercado territorial, pequeno varejo, mercado convencional e, por último, mercado institucional.
A evidente falta de envolvimento do poder público, já que as compras institucionais estão em último lugar, é um fator que comprova a necessidade de questionar e cobrar dos governos municipais e estaduais acerca dos orçamentos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que deveriam garantir pelo menos 30% dos recursos destinados à compra direta de alimentos da agricultura familiar. No entanto, em Juazeiro, e em outros municípios, essa determinação ainda não acontece na prática.
“Fortalecer a comercialização para os mercados institucionais é importante porque, além do agricultor ter onde entregar uma diversidade de produtos da agricultura familiar em quantidade, os alunos e os diversos públicos vão ter acesso a uma alimentação saudável”, destaca Ana Lúcia Santos.
A agricultora reforça ainda que a alimentação escolar também é um fator preocupante, principalmente quando se olha para as crianças e jovens que estudam em tempo integral. Nesse cenário, “a maior parte das refeições eles fazem nesse espaço das escolas; e aí, precisa sim fornecer uma alimentação com produtos saudáveis, e isso, a gente sabe que só vindo da agricultura familiar é que vai ter essa segurança”.
Nessa perspectiva, as ações do Cultivando Futuros vêm para fortalecer a construção de conhecimento e o trabalho de incidência política a nível municipal, estadual e federal, visando melhorias para a agricultura familiar, agroecologia e Convivência com o Semiárido.
Ações do Cultivando
O projeto “Cultivando Futuros: transição agroecológica justa em sistemas alimentares do semiárido brasileiro” teve início em março de 2024 e, até o momento, já realizou duas oficinas em cada um dos 11 municípios espalhados pelo Nordeste e no Polo da Borborema, que compõem os estudos de caso. Momentos nos quais foram construídas as linhas do tempo dos sistemas agroalimentares, além de provocar análises acerca das prioridades, a partir do contexto local para incidência política dos atores sociais.
Em continuidade à essas ações estão sendo realizadas oficinas com foco nas discussões em torno do consumo alimentar, comercialização e fortalecimento da agricultura familiar e segurança alimentar e nutricional nas comunidades rurais.
O Cultivando Futuros é uma realização da AS-PTA, Pão para o mundo (Brot fur de Welt) e Rede ATER Nordeste de Agroecologia; com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão). Através da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, o Cultivando Futuros está sendo realizado nos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Texto: Lorena Simas / Comunicação Rede ATER NE de Agroecologia
Foto: Alane Silva / Irpaa