Você já deve ter ouvido falar sobre as sementes vegetais crioulas ou sementes da paixão, variedades adaptadas às condições climáticas de determinada região, que preservam a biodiversidade e a um antigo costume de selecionar e guardar as melhores para o plantio. Você também deve ter ouvido sobre as sementes transgênicas, modificadas geneticamente com a promessa de maior produtividade e, prejudiciais à saúde humana e ambiental. E sobre semente animal, você já ouviu falar?
A semente animal se refere aos animais nativos ou naturalizados que fortalecem a agricultura familiar. Esse tipo de animal é bem adaptado à região, utiliza os recursos disponíveis das comunidades e sua criação melhora a alimentação das famílias e gera renda.
Para falar mais sobre este assunto, que ainda é pouco abordado na sociedade, conversamos com o colaborador do Irpaa, Clérison Belém.
Irpaa: Você pode explicar o que são sementes animais? E qual a sua importância para a manutenção da biodiversidade?
Clérison Belém: As sementes animais são espécies que existem na região do Semiárido formada por animais nativos e domesticados, que, ao longo do tempo, pela seleção natural, pela adaptação do ambiente, se tornaram resistentes às condições climáticas, como os caprinos, ovinos, galinhas caipiras, abelhas nativas e alguns suínos. São animais muito importantes, porque essa rusticidade faz com que a criação se dê de forma simples.
É muito importante as sementes animais, porque elas garantem a manutenção da biodiversidade, da diversidade de espécies, porque hoje em dia, tende muito a especialização, a padronizar, isso influencia negativamente a biodiversidade. É aquela velha história, de achar que o que vem de fora, o importado é melhor do que o que nós temos de casa.
Irpaa: No Semiárido, quais são os animais que produzem essas sementes? E como acontece essa produção?
Clérison: No Semiárido, a gente tem vários exemplos de raças nativas, um grande potencial aqui são os caprinos e ovinos. Um exemplo, a raça Moxotó, a Morada Nova, a Repartida, a Canindé, a Gurguéia, são animais que se adaptam a algumas regiões do Semiárido, com essa tolerância a estresse climático, resistência a doenças e parasitas, e se alimentam bem com a vegetação nativa. Eles têm uma habilidade para viver em condições de estresse hídrico e de temperatura, pois isso não impediu a reprodução deles, o maior rebanho de caprinos e ovinos está no Semiárido. Então, isso reflete essa adaptação desses animais, isso traduz que a gente tem uma semente muito boa e que ela precisa ser potencializada.
Podemos relacionar também com as galinhas caipira, que sempre encontramos no fundo das casas, galinhas sem raça definida. É uma mistura de várias espécies que ao longo do tempo foram se adaptando às condições daquele ambiente, no quintal, consumindo resto de alimentos e insetos. A gente precisa fazer com que esses rebanhos sejam multiplicados nas comunidades e evitar essa erosão genética que, ao longo do tempo, a gente está perdendo, colocando genética de fora, misturando. É o chamado melhoramento, que às vezes piora, porque você traz uma raça de fora muito exigente em ambiente, alimentação, manejo e são coisas que a gente não dispõe na maioria das vezes. Então, é importante considerar todos esses aspectos desses animais para garantir essa semente animal.
Irpaa: Quais benefícios as sementes animais trazem para a segurança alimentar e nutricional das famílias?
Clérison: Além de todas essas características de adaptação ao clima Semiárido, esses animais também têm características específicas. Um exemplo é a carne de bode da caatinga, os consumidores notam a diferença do sabor dessa carne, diferente do animal que é criado em confinamento, que come só ração. O bode criado na caatinga traz um sabor, uma consistência melhor, pois o animal caminha, consome uma diversidade de alimentos, o que confere um sabor diferenciado, a coloração da carne, a suculência, o sabor é diferente. Quem já comeu o caprino nativo e o caprino criado em confinamento, percebe que um até tem mais gordura do que o outro.
Do mesmo jeito vale para as aves, os suínos, aquele animal criado no fundo da casa de forma livre tem uma coloração diferente. A galinha caipira tem um valor três vezes maior do que o frango de granja. Ele acaba sendo mais procurado do que os animais criados em granjas, que consomem antibióticos e ração transgênica. Então, a gente precisa acreditar e reafirmar que a semente animal é importante para a segurança alimentar das famílias no Semiárido.
Irpaa: Você pode explicar qual a diferença das raças exóticas para nativas?
Clérison: O ambiente de criação da raça exótica é controlado, tem que ter um aprisco, tem lugares que até ventilação artificial se usa. O animal nativo é criado no ambiente natural, na caatinga. Com relação à alimentação, os animais nativos se alimentam da própria caatinga, já as raças exóticas necessitam de rações balanceadas que são compradas em armazéns e tem um custo bem elevado. Sobre resistência à doença, o animal nativo, ao longo do tempo, adquiriu imunidade e habilidade para não ter infecções ou problemas de saúde, já as exóticas são muito suscetíveis, inclusive, depende de medicações periódicas, uso de antibiótico até na ração. A viabilidade no Semiárido, a maioria das criações no Semiárido é extensiva, então, o animal nativo tem mais condição de ser criado nesse ambiente. E também os custos de produção, se você tem um animal exótico, você tem um custo alto, tudo vem de fora, tudo é comprado. O nativo, você consegue criar com as condições naturais da Caatinga.
Irpaa: Qual a importância das raças nativas na agricultura familiar de base agroecológica para a Convivência com o Semiárido?
Clérison: A gente percebe que as sementes animais, através da raça nativa ou também naturalizada são um dos pilares da Convivência com o Semiárido. São espécies que convivem melhor com o clima, com a nossa condição. Então, quanto mais a gente conservar, multiplicar, reproduzir e criar esses animais, mas a gente vai ter condições de conviver com a nossa realidade, com a Caatinga, com as condições do clima. Inclusive, são animais bem mais resistentes a essas variações climáticas que estão ocorrendo. Então, a gente acredita que a agroecologia, a Convivência com o Semiárido carece de conservar e pautar a semente animal, pois a semente vegetal já é bastante discutida, mas a semente animal precisa ser considerada para a segurança alimentar e nutricional das famílias.
Texto: Eixo Educação e Comunicação
Foto: Divulgação