*Informações ANDI
No semi-árido brasileiro, a identificação dos estudantes com o livro didático se torna ainda mais difícil. Os meninos e meninas não se vêem refletidos nas páginas dos livros, que quase nunca levam em consideração a biodiversidade local, a vivência do povo do campo, história e cultura do povo do sertão. A adoção de livros didáticos contextualizados visa justamente aproximar as práticas pedagógicas da realidade local desses meninos e meninas, através de conteúdos programáticos e de uma linguagem que promova a convivência sustentável de educandos e educadores com o meio em que vivem, remetendo assim o processo educativo às formas de vida e aos problemas da própria comunidade. A conseqüência disso são estudantes muito mais interessados em aprender e a conseqüente elevação do rendimento escolar, além da valorização da própria região onde vivem por parte dos educandos.
O coordenador do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para os estados da Bahia e Sergipe, Ruy Pavan, explica que a educação contextualizada possibilita levar conteúdos relacionados ao local onde os estudantes vivem para dentro das escolas e espaços alternativos de aprendizagem. “Os livros didáticos têm que refletir o contexto onde a criança está inserida. Não pode existir um livro no semi-árido que fale de neve no inverno. Assim não há identificação com a criança. A capacidade de aprendizado aumenta muito quando os assuntos são apresentados de forma contextualizada, pois o aluno percebe que o mundo em que vive está também dentro da sala de aula”, explica.
Uma experiência interessante nesse sentido foi a da Rede de Educação do Semi-árido Brasileiro (Resab), que reuniu autores, convocou estudiosos, sistematizou experiências municipais de educação contextualizada e convidou um grupo de educadores para elaborar a publicação experimental “Conhecendo o Semi-Árido”, livro didático que valoriza a diversidade, a cultura, a história, as vivências e a força do povo do sertão e ainda apresenta alternativas para a permanência das pessoas na região. A produção do livro só se tornou possível com o apoio do UNICEF e do Centro de Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). A edição foi realizada com foco nos alunos de 3ª e 4ª séries do ensino fundamental de escolas públicas dos onze estados que integram a região do Semi-Árido.
Nos meses de novembro e dezembro de 2006, a Resab aplicou um teste de recepção da publicação com 4080 crianças de 17 municípios dos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. O intuito foi avaliar a aceitação do livro por parte dos professores e alunos em sala de aula. Da mesma forma que aponta o documento, Lucineide Martins, membro da Secretaria Executiva da Resab, afirma que a receptividade do livro foi positiva, tanto entre os professores, quanto entre os alunos. Segundo ela, a aplicação do ‘Conhecendo o Semi-Árido’ despertou os jovens para o conhecimento da realidade ao redor da escola, a exemplo da vegetação do semi-árido, assim como para aprender e explorar as capacidades e habilidades da região. “Os alunos ainda passaram a levar os livros para casa e a compartilhar os conteúdos com a família através de discussões”, argumenta.
Em Sergipe, a publicação já foi implantada, em caráter experimental, nos municípios de Poço Verde e Simão Dias. A coordenadora do projeto Educação no Campo, em Simão Dias, Maria Vanusa Andrade, avalia positivamente a experiência com o livro. “Trabalhei com a publicação em duas escolas municipais. Percebi como os alunos ficaram entusiasmados. Cada aula era uma surpresa. Gostaria que o conteúdo fosse ampliado e cada disciplina tivesse um livro específico, com foco na educação contextualizada”, diz.
Ampliando a aplicação do livro
Atualmente, a Resab está buscando uma articulação junto ao Ministério da Educação (MEC) para inserir o livro “Conhecendo o Semi-Árido” no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), uma iniciativa que tem por objetivo oferecer a alunos e professores de escolas públicas do ensino fundamental o acesso universal e gratuito a livros didáticos de qualidade. A expectativa da rede é que a publicação chegue a todos os municípios e escolas do semi-árido o mais breve possível.
Lucineide Martins, membro da Secretaria Executiva da Resab, defende que é preciso ter uma educação diferente no semi-árido. “A realidade dessa região precisa ser tematizada e a contextualização dos conteúdos deve ser o ponto de partida. Para isso, é necessário que haja sensibilidade por parte dos educadores e gestores para adquirir os livros e aplicá-los em sala de aula”, argumenta. Lucineide ainda defende a necessidade de uma formação continuada dos educadores para a adequação ao novo conteúdo.
Nos dias 26 e 27 de fevereiro, ocorre, na Bahia, a primeira reunião de 2009 da secretaria executiva da RESAB. No encontro, a instituição irá planejar suas ações para este ano, que inclui um debate sobre a necessidade de liberação dos direitos por parte das editoras das músicas e textos que compõem o livro "Conhecendo o Semi-Árido", para que a obra possa ser disseminada. Os custos com essas liberações são muito altos para a Rede arcar, por isso na pauta da reunião estará também a criação de estratégias que envolvam governos federal, estaduais e municipais nesta ação.
De onde veio o livro didático?
O livro didático caracteriza-se por ser uma publicação de caráter pedagógico que surgiu através de iniciativa particular de alguns autores-educadores como complemento aos livros clássicos. Utilizado nas escolas, ele busca ajudar na alfabetização, divulgação e transmissão dos conhecimentos. Sendo o principal mediador entre aluno e professor, o livro didático promove uma discussão organizada da disciplina em questão facilitando o entendimento por parte do estudante.
A trajetória do livro didático no Brasil é datada de 1929, durante o Governo Getúlio Vargas. O pontapé inicial para a criação da política oficial para o livro didático se deu através da criação do Instituto Nacional do Livro (INL), em 1937, na gestão do Ministro da Educação Gustavo Capanema. O principal objetivo do INL era legitimar o livro didático, mas também visava editar obras literárias consideradas interessantes para a formação cultural da população, elaborar uma enciclopédia e um dicionário nacional e a expandir o número de bibliotecas públicas. Alguns intelectuais como Augusto Meyer, Sérgio Buarque de Holanda e Mário de Andrade estavam ligados ao INL.
Ao longo das décadas, a política oficial para o livro didático passou por algumas adaptações, até que em 1985 foi criado o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A iniciativa possibilita que o professor escolha o livro mais adequado aos seus alunos e ao projeto político-pedagógico da escola. Outros avanços alcançados foram a reutilização dos livros para as turmas seguintes e a introdução de critérios de produção a fim de garantir maior durabilidade e qualidade do material. Na tentativa de alcançar maiores progressos no que concerne à qualidade do material didático, acontece todos os anos um encontro técnico que reúne todos os órgãos envolvidos no processo, da avaliação à distribuição do livro didático.