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Herdeiro da luta pela redemocratização do Brasil, programa P1+2 alcança mais de 100 mil famílias agricultoras no Semiárido

Herdeiro da luta pela redemocratização do Brasil, programa P1+2 alcança mais de 100 mil famílias agricultoras no Semiárido

 "Em 2005, desisti da minha terra e fui com a minha família para São Paulo tentar a vida lá, mas não foi como eu esperava. Também não me sentia feliz. Lá desenvolvia atividades como pedreiro, carpinteiro, mas a minha profissão mesmo é agricultor. Eu gosto mesmo é de mexer na terra. Então em 2009 voltei para minha propriedade com a minha esposa, meus filhos ficaram por lá. Quando voltei, eu e Damiana insistimos mais uma vez na nossa propriedade, só que dessa vez diferente. Éramos só eu e ela para trabalhar, então não podíamos plantar muito, foi daí que vi que poderia plantar muita coisa junto. Mesmo na dúvida insisti e fui plantando dentro de uma área de palma forrageira que fica ao redor de casa. De início, aos poucos, pois eu não tinha fonte de armazenamento de água para aguar muita planta. Tinha uns barreiros, mas não eram suficientes. Mesmo morando em uma área de altitude, as chuvas são poucas. Eu tinha uma pequena cisterna onde pegava água da chuva e essa é só para beber. Em 2015 ganhei uma cisterna de 52 mil litros que tem a função de captar e armazenar água da chuva e incentiva para a produção de alimentos. Mesmo passando por uma seca grande nos últimos anos, minha propriedade não sofreu tanto. Eu cuido muito dela.”

Essa é a história de Seu José Nildo da Silva, 55 anos, e Dona Damiana Maria da Silva, 45, moradores da área rural de Cumaru, município do Agreste de Pernambuco. Não é à toa que seu relato vai da migração, o retorno ao lugar de origem, o distanciamento dos filhos e a luta para viver da agricultura que ganha fôlego com o acesso gradativo da família à água. A forma como foram conquistando a água e as tecnologias sociais para armazená-las tem uma importância fundamental para se fixarem no campo novamente, produzirem seu próprio alimento sem uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos e ampliarem a renda através da venda de seus diversos produtos em novos canais de comercialização.

Assim como Nildo e Damiana, outras 99.999 mil famílias dos 10 estados do Semiárido brasileiro viram possibilidades reais surgirem no meio rural a partir da conquista de alguns direitos, como o de possuir um estoque de água para produzir alimentos numa região que, em geral, não chove em 2/3 do ano.

No mês passado, a ASA comemorou um marco importante na sua história: 100 mil famílias possuem na sua propriedade uma tecnologia social que permite guardar água para seguir plantando ou criando animais o ano todo. Até ontem (3), eram 100.278 famílias. Um número que está bem distante de alcançar as 1,6 milhão famílias rurais do Semiárido, mas é um passo importante diante de uma longa história de exclusão desta população das políticas públicas dirigidas ao campo no Brasil.

Na ASA, esta ação é realizada através do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) desde 2007. “O P1+2 não pode ser olhado isolado. Ele é herdeiro do período da redemocratização do país e de um olhar na perspectiva da pauta dos direitos. Em 2003, a ASA se desafia a construir um programa de segunda água para garantir água para produção de alimentos, pautando também a questão de direito à terra. 2003 é primeiro ano do governo Lula, que pauta o direito à alimentação, todo mundo ter direito à água e a ASA aproveita essa oportunidade, já estava construindo um programa de primeira água, água para de beber, e apresenta a ideia de um programa complementar na perspectiva do estoque para produzir”, comenta Antônio Barbosa, coordenador do P1+2.

Das primeiras discussões do programa até a execução de um projeto piloto se passaram quatro anos. “No final de 2007, já teve um apoio do MDS [Ministério do Desenvolvimento Social]. Isso obviamente foi fazendo parte do fortalecimento da agricultura familiar, mas também de segurança alimentar, por isso, mais focalizado no MDS. E em 2008 já apareceu no orçamento [geral da União] e esse foi um passo importantíssimo para chegar nas 100 mil tecnologias atuais”, acrescenta Barbosa.

No artigo Para que a vida nos dê flor e frutos: notas sobre a trajetória do movimento agroecológico no Brasil, que faz parte do livro A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica no Brasil – Uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável, organizado pelo Ipea e lançado em setembro de 2017, os autores Flávia Londres e Denis Monteiro, ambos da Secretaria Executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), contextualizam o cenário no qual o P1+2 surgiu:

“Nos anos 2000, entram em cena as políticas públicas (...) que melhoraram as condições materiais dos agricultores e agricultoras familiares, extremamente precárias em muitas regiões, e contribuíram de forma inédita para o fortalecimento das redes locais de inovação agroecológica”, pontua. O artigo, aliás, começa com essa afirmação: “Nos momentos em que a democracia brasileira teve mais intensidade e vibração, muitos direitos que estavam negados há séculos a amplos contingentes da população puderam ser garantidos e promovidos.”

Para além das tecnologias – Quando se alcança o patamar de 100 mil famílias atendidas através do P1+2, significa dizer que elas foram envolvidas em um conjunto de ações que favorecem a troca de conhecimentos e a experimentação de soluções para os desafios típicos das regiões semiáridas. Numa época de mudanças climáticas, as áreas semiáridas e áridas de todo o planeta sofrem eventos extremos como secas intensas e prolongadas, como a que afetou o Semiárido de 2012 até esse ano, considerada a mais rigorosa desde a chegada dos portugueses ao Brasil, período em que estes fenômenos começaram a ser relatados.

“O Semiárido é um local que as pessoas viviam um relativo isolamento social, sem direitos, e hoje as pessoas se encontram e se identificam. Os intercâmbios, dentro do P1+2, acontecem a partir da perspectiva da valorização do sujeito. Estamos falando de um conhecimento que avança, que aprende um com outro”, destaca Barbosa.

Os intercâmbios favorecem um fluxo natural de trocas, não só de saberes, mas também de material genético, como sementes e animais, e estimulam uma característica própria dos agricultores e agricultoras que é a capacidade de experimentar e adaptar soluções. Assim, eles e elas disseminam, testam e validam (ou não) o conhecimento. Os boletins de sistematização de experiências familiares e coletivas também são uma estratégia usada para espalhar o conhecimento por onde chega.

“Às vezes o agricultor tá no seu mudinho. E quando ele sai e conhece outra realidade, outras experiências, ele faz assim: ‘opa, eu tô fazendo errado’. Ou então ele vai experimentar mesmo que possa ser quer não dê certo. Porque às vezes tem lugar que são realidades diferentes. Mas eu tenho certeza que ele vai voltar com alguma lição. Eu acho que o intercâmbio é uma das principais formas de sensibilizar o agricultor”, conta João Ribeiro, agricultor agroecológico também do Agreste de Pernambuco.

A ASA pauta a construção de conhecimentos a partir das realidades locais. A ASA enxerga os agricultores e agricultoras como portadores de conhecimento que precisa ser considerado e somado ao conhecimento gerado nas academias. Esse jeito de ver o Semiárido e sua gente influencia o jeito da ASA de agir e de construir sua metodologia. E essa metodologia tem influenciado a ação do poder público nos estados. “E isso é o que a ASA tem de mais importante. Isso é a revolução. Isso muda a forma de produção de alimentos, a forma de consumo para além do território do Semiárido”, assegura Barbosa.

Texto: Verônica Pragana - Asacom / Foto: Juliana Peixoto


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